Etimologia da Língua Portuguesa Nº 49

Etimologia da Língua Portuguesa por Deonísio da Silva Nº 49.

Curral,onde se reúne o gado,deve ter vindo de currale,do latim vulgar,e deu encurralado. Élio Gaspari,no mais recente volume sobre os governos militares (1964-1985),fixou no título,A Ditadura Encurralada, a situação dos radicais que queriam encurralar Ernesto Geisel.

Campanha: do latim campania,planície. O radical da palavra é campus,campo,superfície plana,embora no Rio Grande do Sul a região de campanha apresente ondulações no terreno,conhecidas como coxilhas.Originam-se também em campus campeão,campeonato e campear --- andar,procurar,alardea.Campanha provavelmente ganhou o sentido de luta porque os soldados romanos faziam exercícios militares no campus Martius,onde havia estátua de Marte,deus da guerra.Além disso,as batalhas davam-se de preferência em zonas de planície.O sentido de conquista migrou para a propaganda e as eleições,com predominância do caráter de venda em ambos os sentidos,porque o candidato é tratado como produto.

Encurralado: de curral,onde se reúne o gado.A origem mais provável é currale,do latim vulgar, a partir de currere,correr,porque algumas reses eram laçadas e separadas do coletivo,e as ariscas corriam.Passou a significar confinado,aplicado também a pessoas.O jornalista Élio Gaspari, no mais recente volume de suas pesquisas sobre a época em que o Brasil esteve sob a égide de seis governos militares ininterruptos (1964-1985),fixou no título do livro,A Ditadura Encurralada,situação dramática imposta pelos bolsões radicais que queriam encurralar o presidente Ernesto Geisel (1908-1996) a fim de torná-lo mero delegado das Forças Armadas,principalmente do Exército.Como comprova o jornalista em inédita e abundante documentação,Geisel reagiu e, depois de demitir o comandante do II Exército,sediado em São Paulo,demitiu também o próprio ministro do Exército,gesto simplesmente impensável para qualquer de seus antecessores,todos encurralados pelo sistema --- definição então usada para denominar a santa aliança de militares e empresários para controlar o Estado.Gaspari concluiu o volume destacando a evolução de Geisel,um ditador que restabeleceu "a autoridade constitucional do presidente da República sobre as Forças Armadas " E encurralou a ditadura.

Perfil: do provençal perfil,prega,bainha,passsando pelo espanhol perfil,já com o sentido de contorno, de lado.Na palavra estar presente o radical latino filum,fio. Por isso perfil no português veio a designar o contorno do rosto de uma pessoa vista de lado, aplicando-se a representenção gráfica de objeto visto de um lado apenas. Os agrônomos fazem um perfil do solo quando, para traçar-lhe as características físicas e químicas,aplicam a determinado trecho de terra um corte vertical que vai da superfície à rocha que lhe serviu de base. Em sentido conotativo,também os jornalistas fazem perfis de personalidades. Quem era, em 1977,o futuro presidente da República,que dirigia em 1975 o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo (SP),quando fora eleito com 97% dos votos dos companheiros? O jornalista Élio Gaspari faz seu perfil em A Ditadura Encurralada:”Chamava-se Luiz Inácio da Silva,Lula.Tinha 31 anos,língua presa e sotaque nordestino.Descera de Garanhuns,com a mãe,num pau-de-arara.Chegaram em São Paulo em 1952,buscando o pai,que carregava sacos de café no Porto de Santos.Vendera amendoim e doces nas ruas,e aprendera a ler aos 10 anos.Tornara-se metalúrgico aos 14,mas só entrara na sede do sindicato aos 22. Vivera a expansão industrial paulista,durante a qual,num raro processo histórico,a classe operária triplicara. Em apenas 18 anos,a indústria automobilística brasileira saíra da irrelevância para a lista das dez maiores do mundo (...).Tivera um dedo decepado por uma prensa .Uma hepatite matara a sua mulher,grávida.Casara-se com a viúva de um motorista de táxi assassinado.”

Quebrada de quebrar,do latim crepare,fazer estrondo,rachar.Na forma vulgar as consoantes se deslocaram,e a própria palavra,quebrada consolidou-se de crepare para quebrare. Quebrada designa região onde a terra parece partida,tantos são os altos e baixos . Apesar de serem em grande número as aldeias e cidades erguidas na encosta de montanhas, quebrada passou a designar lugar ermo,distante dos recursos da civilização. Tal é o sentido no livro História das Quebradas do Mundaréu,de Plínio Marcos, (1935-1999),lançado em 1973 e relançado em 2004,quando a democracia parece consolidada. Muito perseguido,já antes da ditadura teve livro proibido:”Nas quebradas do mundaréu até as pedras se encontram.E quem não tem roda larga acaba sempre comendo capim pela raiz.Um dia o Tiziu se estrepou.Estava devendo pros homens e entrou em pua.Fez uma mixórdia.Chorou,implorou,pediu pelo amor de Deus para não meterem ele no mesmo pavilhão do Alvinho. Conseguiu. Mas logo o outro soube da entrada do cagueta e daí pra frente perdeu o sossego.”

O escritor Deonísio da Silva é doutor em Letras pela Universidade de São Paulo,diretor do Instituto da Palavra, da Universidade Estácio de Sá (RJ),autor de A vida Íntima das Frases (Ed.A Girafa) e Os Guerreiros do Campo (Mandarim),entre outros 28 livros.E-mail:deonisio@terra.com.br

Revista Caras.

Doutor Deonísio da Silva
Enviado por zelia prímola em 02/10/2016
Código do texto: T5779255
Classificação de conteúdo: seguro