Mulheres, bolsas e mistérios

Dificilmente encontramos uma mulher desacompanhada de uma bolsa. Isto é um fato inegável, visto que a bolsa constitui um acessório praticamente indispensável na composição do vestuário feminino.

Qualquer um de nós já deve ter ouvido ou feito comentários do tipo "numa bolsa de mulher cabe o mundo" ou "numa bolsa de mulher pode-se encontrar de tudo". E não é difícil ver uma mulher "perdida" entre os vários objetos guardados em sua bolsa, procurando algo sem o achar.

Outro fato inegável é que a mulher muito raramente deixa alguém ver o conteúdo de sua bolsa. E, mesmo quando deixa, não o faz sem expressar aquela sensação desconfortável de estar sendo "revelada", "despida" diante de olhos estranhos.

Nota-se que tal sensação, embora ocorra principalmente diante dos homens, ocorre também em relação às demais mulheres. Quase nunca uma mulher se permite "explorar" o que existe dentro da bolsa da outra; parece que existe uma lei geral de não-invasão, de não-curiosidade, movida por um sentimento de cumplicidade.

Apesar de existirem evidentes diferenças individuais, todas as mulheres compartilham de características psicológicas semelhantes, originárias das várias faces do arquétipo feminino, da imagem primordial da mulher. E uma das coisas importantes que as unem é justamente a importância que todas elas conferem à bolsa.

A importância da bolsa é tanta, que se revela pelos detalhes: tamanho, formato, cor, acabamento (interno e externo), facilidade de manuseio, de abrir e fechar, quantidade de bolsos externos, presença de bolsos internos e divisórias e outros "lugares secretos".

Tantos detalhes assim refletem uma preocupação básica: a bolsa serve para acompanhar sua dona onde quer que ela esteja e, sendo assim, precisa ser o mais funcional, ergonômica, prática e bonita possível.

A moda, aqui, surge para satisfazer esta necessidade feminina em seus vários níveis, alimentando este eterno hábito das mulheres. A cada temporada, oferece versões reformuladas deste utensílio, transformando-o mas sem fazer com que perca sua principal utilidade: guardar as coisas, facilitando o seu transporte.

Uma coisa é certa: toda mulher prefere escolher pessoalmente a sua própria bolsa, já que esta será seu acessório pessoal e intransferível, acompanhando-a por onde for. Por esta razão, a bolsa é um meio valioso para se conhecer uma mulher, pois revela características pessoais de sua "dona". Pode-se dizer sem medo que a bolsa reflete anseios e desejos da mulher, sua imagem pessoal., expectativas de vida e visão de mundo.

Mais que um objeto de moda, a bolsa é um verdadeiro acessório psicológico para a mulher. E um acessório importantíssimo, quase vital para a composição de sua identidade - do qual, muitas vezes, ela não consegue se separar.

Tudo o que uma mulher guarda em sua bolsa tem importância. Não importa se o objeto em questão tenha ou não grande valor financeiro, cada item da bolsa feminina é valioso, tem um porquê definido, um motivo. Consciente ou ignorado.

Conhecer os motivos que se escondem por trás de alguns objetos comumente encontrados em bolsas é conhecer um pouco da natureza da mulher que os carrega. Sendo assim, com base na Teoria Motivacional do psicólogo americano Abraham Maslow, podemos tentar classificar o conteúdo das bolsas femininas nas seguintes categorias:

- Lenços, remédios, absorventes íntimos, óculos (de grau), escovas de dentes, preservativos/anticoncepcionais, bebidas, alimentos, guarda-chuvas: refletem motivos primários de ordem fisiológica, pois geralmente se relacionam à higiene pessoal, fome, sede, sexo, à proteção do corpo no sentido puramente físico.

- Chaves, dinheiro, cadernetas de endereços e telefones: indicam necessidade de segurança, no sentido de proteção contra o inesperado e perigoso, preocupação com um futuro não muito remoto. Os motivos de segurança também podem ser considerados como motivos primários.

- Pentes, escovas de cabelo, espelhos, batons, perfumes, estojos de maquiagem, bijuterias e afins: refletem intensa preocupação com a aparência física, no sentido de como ela é percebida pelos outros. Refletem, pois, motivos sociais. Por estarem diretamente ligados à vaidade feminina, indicam necessidades sociais de participação, associação, principalmente de aceitação pelos outros, de dar e receber amor (inclui-se, aqui, a questão da sedução, a poderosa "arma feminina" de conquista e reconhecimento pessoal). Além disso, estes elementos também refletem necessidades do Ego (Consciência), relacionadas à auto-estima (auto-respeito, auto-confiança, demonstração de competência) e à reputação (apreciação social, reconhecimento).

- Agendas de anotações diárias, cadernetas de notas, canetas, calculadoras: refletem motivos sociais, planejamento do tempo futuro (não-imediato), administração de carreira e/ou da vida pessoal, talvez indicam necessidade de auto-realização. Podem ser objetos íntimos de anotações pessoais (necessidade de privacidade, auto-satisfação) ou profissionais (necessidade de demonstrar competência, habilidades intelectuais, aprimoramento profissional - motivos sociais de status, de diferenciação social).

A lista prossegue, quase infindável. Há itens, inclusive, bastante ambígüos, que tanto podem pertencer a uma categoria como a outra, ou até fazer parte de várias categorias ao mesmo tempo.

Os objetos citados acima foram escolhidos por serem os ítens mais comuns, os mais facilmente encontrados na bolsa de uma mulher. Mas, se você quiser tentar classificar uma mulher pelo que ela guarda em sua bolsa, já deve ter alguma noção de como é complexa e incrivelmente múltipla a mente feminina. Um verdadeiro desafio.

Dentre os vários objetos encontrados na bolsa feminina, há alguns que são difíceis de classificar quanto à sua motivação, pois podem representar vários tipos de motivação distintos.

De todos, talvez o melhor exemplo seja o dinheiro. Este, devido a suas variadas formas (cédula, cheque, cartão de crédito), cumpre funções diferentes. Pode estar relacionado a necessidades de segurança (medo de "estar dura" numa emergência), mas se a quantia é para despesas diárias como alimentação e transporte, visa planejamento de tempo não remoto, refletindo motivos de ordem primária. Já se a mulher porta talão de cheques "cinco estrelas" e cartões de crédito, estes refletem motivos de status, relacionados ao ego e à posição social.

Documentos, embora também se prestem a vários fins, são sempre uma necessidade social, uma obrigação civil. Eles podem tanto servir para identidade pessoal (como RG, CIC, etc.), proteção contra o imprevisível (seguros de saúde, de vida, etc), como também para demonstrar o nível social da mulher e sua relação com os papéis sociais que desempenha. Os documentos, enfim, estão relacionados com a auto-estima, autonomia, competência e reputação social.

Considerando ainda os estilos de vida e as crenças pessoais da mulher, pode-se constatar a presença freqüente de objetos ligados a religião, sorte ou superstição, como terços, santinhos, medalhas e até amuletos pessoais e talismãs. A não ser que sirvam para demonstrar que a mulher pertence a determinado grupo social religioso, esses objetos geralmente têm a finalidade de garantir a salvaguarda pessoal no nível espiritual.

Analogamente, fotos de amigos e parentes próximos, pequenos presentinhos dados por alguém especial, lembrancinhas de encontros guardadas com carinho, às vezes bem escondidas num cantinho da bolsa, refletem motivações sociais de aceitação, de troca de sentimentos, de dar e receber amor.

Indicam também o grau de envolvimento emocional da mulher, seu romantismo, sua consideração para com a pessoa amada, até sua excessiva necessidade de guardar detalhes e momentos, de controlar o tempo ou as informações sobre a pessoa querida.

A presença de cigarros, isqueiros e afins pode caracterizar, num nível superficial de análise, a busca de satisfação de motivos sociais, necessidades de ego-status relacionadas à auto-afirmação e prestígio sociais.

Uma bolsa que apresentasse pelo menos um elemento de cada categoria de motivos (primários, sociais, de ego-status e auto-realização) poderia ser considerada uma bolsa "completa", pois integraria os três níveis de motivos classificados por Maslow. Isto, entretanto, pode ser bastante difícil, pois geralmente a mulher faz uso de várias bolsas, de diferentes tamanhos, estilos e formatos, cada uma adaptada a uma situação social específica.

Caso a mulher tenha condições de escolher, a sua bolsa de trabalho, por exemplo, não será usada a passeio, e tampouco terá a ver com a bolsa usada numa festa ou evento social. No entanto, para a mulher que trabalha fora, a "bolsa de trabalho" (por ser usada praticamente todo o dia) acaba naturalmente "condensando" suas necessidades e traços psicológicos, sintetizando várias de suas facetas pessoais.

Nestes casos, a bolsa de trabalho é a que mais reflete a personalidade da mulher - servindo, por assim dizer, como um modelo dominante, tanto de idéias quanto de comportamento.

Cada tipo de bolsa, portanto, está criteriosamente adaptado à ocasião social em que é usado, e esta adaptação/função é que determina o que é guardado dentro de cada bolsa. Ou seja, o tipo de bolsa interfere diretamente em seu conteúdo, servindo como notável referência para os papéis sociais desempenhados pela mulher moderna.

[Ensaio originalmente publicado em mai/1999 na revista eletrônica interNeWWWs - www.internewwws.atspace.com ]