O QUERER

Afinal de onde vem esse sentir?

Não faço a menor ideia, mas é o quê me governa e a maioria das pessoas livres, sim porque tem muita gente escrava de si mesma, essa é a escravidão mais terrível e dolorosa, tem as pobres pessoas que são escravas da ditadura social, essas são mais escravas ainda, pois precisam estar sempre de acordo com alguma lei imposta, independente se há possibilidades, ela tem que ser obedecida, é a maldita moda, os comportamentos padrões de boas maneiras, os cabelos precisam estar alinhados, as unhas impecáveis, os sapatos precisam ser bem altos... não importa se te machucam, você precisa sempre estar sorrindo e sendo muito agradável, se você tem traquejo social, certamente se casará com um bom homem, terá uma bela família e será feliz.

A pobre da moça faz tudo isso direitinho, até se casa, mas depois descobre que tudo isso era balela, a felicidade se foi com o último convidado da sua festa fenomenal, após alguns anos ela se olha no espelho e descobre que se tivesse escolhido fazer o quê gostava de fazer, de ser quem gostava de ser, talvez tivesse sido um pouco mais feliz.

Ela queria ser bailarina, seu corpo magro esguio tinha tudo para brilhar num palco, mas sua família não podia sequer imaginar uma coisa dessas. Todo o dinheiro investido em sua educação, ela tinha que se casar com uma boa conta bancária para manter o status da família falida mas ainda com um bom nome no mercado social, ela foi para o sacrifício.

Ele nascerá na Zona Sul do Rio, em uma família de brancos com olhos claros, fora criado em um super apartamento na quadra da praia, desses imensos, um por andar, seus pais arquitetos de sucesso, seus estudos foram direcionados para a mesma carreira dos pais, afinal estava dando certo, o dinheiro entrava como num rio, a vida para eles era muito boa, viagens regulares para a Europa, a miséria do Brasil só entrava em sua casa quando chegava pela manhã as empregadas, mas elas entravam pela porta dos fundos, quando circulavam pelo apartamento estavam devidamente uniformizadas, higienizadas, eram treinadas para falarem o mínimo possível, sempre servir bem, e aprenderam a mágica de se fazerem invisíveis na maior parte do tempo, todas estavam ali há muitos anos, a maioria mal assinavam o nome, isso fazia delas ótimas pois nunca revindicavam nada, achavam os patrões muito bons, elas se sentiam parte da família mesmo, afinal no fim do ano elas ganhavam um presentinho barato e podiam passar o feriado em casa lá na favela, as outras empregadas conhecidas não tinham essa folga, dormiam no emprego e serviam dia e noite, sempre a disposição. Essa gente nunca soube o que era esse tal de querer, só aprenderam a agradecer e OBEDECER.

O filho dos patrões, esse também não sabia muito o que fazer com seu querer, ele desejava ser ator, andou até fazendo alguma coisa no colégio religioso onde estudou, ali mesmo próximo do seu apartamento, ele gostou tanto de subir no palco que ousou falar com seus pais do desejo de estudar teatro, os pais foram de imediato na escola e proibiu o filho de participar de qualquer evento de teatro, assim aconteceu, o menino cresceu, estudou arquitetura e herdou tudo dos pais, continuou com sua vida de conforto e falsa felicidade, em troca se viciou em um monte de drogas, comeu as empregadas mais jeitosas, emprenhou algumas que pariram uns mulatinhos de olhos claros que as vezes iam no apartamento mas é claro entravam pela porta dos fundos e eram devidamente ignorados pelos patrões, que sabiam mas não aceitavam aquelas crianças sem classe, de cor de pele indefinida, se limitavam a deixar que um ou outro dia ficassem com suas mães lá na ala onde o barulho deles não fosse ouvido na ala nobre do apartamento.

O tempo passou a família acabou, os meninos no crime entrou e o seu pai matou em um assalto num sinal da Av. Atlântica.

Antes de morrer o famoso arquiteto reconheceu no bandido o filho que fizera na empregada, sorriu e disse - Me perdoe meu filho! Fechou os olhos e quis morrer, viu que sua vida fora uma sucessão de escolhas erradas, pela primeira seu querer foi atendido, a morte o contemplou.

Glória Cris
Enviado por Glória Cris em 15/10/2016
Reeditado em 15/10/2016
Código do texto: T5792854
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