Repensando a “pedra” da avaliação escolar

Segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (MACHADO, 2003), avaliar vem do vocábulo “valer”, que oriunda do latim “valere”, significando ter valor, ser forte, ter por fim e ter por objetivo. A valoração, então, é um desencadeamento ao fim, ao objetivo, como se os procedimentos e/ou os processos pouco importassem. Parece-me uma figuração muito característica da avaliação na escola (Educação Básica do sistema educacional brasileiro), afinal, os meios, os encadeamentos e os processos são relegados, ou então, descartados em função de um fim inquisidor.

A avaliação escolar, e agora, reporto-me ao meu “tempo” de escola, era inquietante ao menino magrela e frágil que fui. Provas eram motivo de pânico posterior ao grande dia. Após uma maratona de vinte e quatro horas de estudo dirigida ao conteúdo da prova, no dia seguinte, as mãos suavam e eu afogava-me em um verborragia linguística (para que não falar em uma verborragia matemática também). Conjugue o verbo avaliar no pretérito perfeito do indicativo. E lá ia-se o pequeno Felipe “vomitar” como que por osmose (rascunhos feitos no dia anterior durante o estudo versus memória de curto prazo=folha de papel da prova de Língua Portuguesa).

E por que dessa inquietação toda? Não por conta do suor excessivo, da garganta seca e das feições intranquilas durante a prova, afinal, eu havia “estudado”, portanto, eu “sabia” as respostas das questões. Sabia, mesmo? A inquietação era, justamente, por saber-me um memorizador de informações. Lógico que da memorização algo eu apreendia, mas não aprendia qual era a utilidade, na e para a minha vida, do conhecimento enciclopédico de todas aquelas conjugações verbais.

Meus professores e meus colegas e meus pais achavam “louvável” todas aquelas notas grandiosas em meu boletim em cada final de bimestre. Eu achava-as apenas uma ilustração de um “saber” mecanizado em certa manhã, na escola, durante uma prova. E em meus doze anos de escolarização na Educação Básica em uma escola pública, a história repetiu-se. A compreensão do poema de Drummond pouco importava para a minha professora, a qual estava tão somente preocupada em alertar-nos da “falta” cometida pelo “poeta”: No meio do caminho havia uma pedra, ao invés de tinha uma pedra. E sem mais explicações.

Confesso, como em um ato de contrição: por minha culpa, minha grande culpa. Eu devia ter-me rebelado antes. Por que meus professores não me faziam dirigir-me para lugar algum que não a prova, enquanto minha vontade mais essencial era “navegar” pelos meandros do conhecimento, da aprendizagem crítica e reflexiva e descobrir que “tinha uma pedra no meio do caminho” era estética, era a linguagem falada na língua culta e “tinha” um propósito estilístico para tal verbo estar ali. Pois bem, quem “tinha” uma pedra no meio do caminho era eu.

A avaliação escolar, entendida como uma sistemática quantitativa é o que fundamenta o ensino escolar de que fiz parte, e acredito que ainda deva ser assim em algumas escolas. Hoje, sei dos problemas dessa concepção determinista. Acredito que a avaliação escolar deva ser um processo de ensino que vise resultados qualitativos em uma escala crescente, ou seja, avaliar deveria ser uma sequencialização formadora de melhorias, mediante o “desempenho” progressivo das habilidades dos alunos (que é diferente para cada qual).

Avaliar, então, passaria a ser uma possibilidade de construir significados práticos (formação pedagógica em interrelação com formação humana) para o conteúdo estudado, isto é, na medida em que entendo meu educando como um sujeito histórico, social e cultural pertencente a uma configuração ao mesmo tempo, individual e coletiva, acredito que tornando a aprendizagem um liame entre a vivência dele e a finalidade prática dos conteúdos que o mesmo estuda na escola, consideraremos os valores socioculturais envolvidos em uma avaliação.

Lendo sobre o assunto a que me dedico considerar nesse texto, julgo que a educação atual, através dos seus costumeiros métodos avaliativos, acaba por perspectivar um espelhamento da sociedade em que vivemos, pois a educação tem se configurado como um investimento ascendente ao lucro. Estuda-se para ter uma nota, estuda-se para passar no vestibular, estuda-se para dispor de um produto (a conclusão da escolarização básica para o Ensino Médio Tecnológico com fins para o trabalho).

Segundo Souza (1991), o ato de avaliar deve estar fundamentado nos seguintes pontos:

1-Continuidade: a avaliação deve estar presente durante todo o processo educacional, e não somente em períodos específicos;

2-Compatibilidade com os objetivos propostos: a avaliação deve estar em conformidade com os objetivos definidos como norteadores do processo educacional para que venha realmente cumprir a função de diagnóstico;

3-Amplitude: a avaliação deve estar presente em todas as perspectivas do processo educacional, avaliando assim todos os comportamentos do domínio (cognitivo, afetivo e psicomotor);

4-Diversidade de formas: para avaliar devemos utilizar as várias técnicas possíveis visando também avaliar todos os comportamentos do domínio.

E quando da minha leitura desse capítulo de Souza (1991), compreendi melhor o conceito de avaliação mediadora, a qual é aquela em que a análise do processo não subordina-se à uma prova, e sim, ao conhecimento significativo permanente em uma escala de melhorias do educando em relação ao domínio total de um dado conhecimento escolarizado, o qual deve estar interligado aos diversos tipos de conhecimentos prévios dos educandos.

A ação avaliativa direcionada ao ensino de Língua Portuguesa, de Literatura e de Produção textual, pode ser pensada, seguindo o conceito de avaliação mediadora, porquanto, a refacção do texto do educando permite ao educador observar os avanços do aluno, isto é, o procedimento é continuado tendo uma finalidade, a qual é o domínio significativo integral do conhecimento. O “erro construtivo” do educando é o método de análise do professor, porque o permite nortear as modificações que o mesmo há de valer-se na progressão do conhecimento do educando.

O ensino de Literatura poderia dirigir-se à concretude do texto literário em função das nuances sociais, culturais, estéticas e linguísticas para o ensino da Língua Portuguesa e vice-versa, uma vez que mensuram ideologias específicas, métodos estilísticos de argumentação e de uso da linguagem. A relação do texto literário com a realidade do aluno pode ser o quê da questão para o não enfado comum dos resumos pelos resumos (tão comuns nesse esvaziamento das aulas de Literatura no Ensino Médio). E se, Carlos Drummond de Andrade (na verdade, seu sujeito poético, seu sujeito enunciador) tivesse escrito “no meio do caminho havia uma pedra” quais mudanças interpretativas seriam passíveis de se (re) conhecer?

A linguagem governa-nos como humanos e é através dela que podemos conceber uma visão totalizadora do mundo, para questioná-lo, para comprometer-se com ele e quiçá, para sermos transformadores de certas realidades que destoam da dominação de alguns para a subordinação de outros.

Ainda tem (e não há) uma pedra no meu caminho, mas é isso, entre outras coisas, que me faz seguir no trajeto docente, propondo-me ao coletivo como instrumento humano de auxílio para repensar essa pedra “morta” que jaz atrapalhando os caminhantes educadores e educandos. Que não sejamos sujeitos-pedra frente a nossa profissão. Que não sejamos sujeitos-chute frente a nossa profissão. Que peguemos as pedras, que as analisemos com cuidado (junto de nossos colegas e de nossos alunos) e que decidamos pela sua transformação em pedra-vida, em pedra-mediadora e em pedra-avaliação significativa.

Referencial bibliográfico:

MACHADO, José Pedro. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Lisboa: Livros Horizonte, 2003.

SOUZA, Sandra Zákia Lean de. Revisando a Teoria da Avaliação da Aprendizagem. In: SOUZA, Sandra Zákia Lean de. (org). Avaliação do rendimento escolar. Campinas: Papirus, 1991.