Etimologia da Língua Portuguesa nº54

Etimologia da Língua Portuguesa por Deonísio da Silva N º 54

Hino, do grego humnos, canto, destacam-se no Brasil pela qualidade das letras e músicas ,e por palavras incomuns como garrida, talvez do latim garrita , cantar. Mas há atrapalhos de interpretação, devido ao volteio da sintaxe das letras.

Clava: do latim clava,porrete. A clava chegou ao Hino Nacional –música de Francisco Manuel da Silva (1795-1865) e letra de Joaquim Osório Duque Estrada (1870-1927)—por força dos ideais da independência .Os intelectuais que elaboraram o projeto político da soberania do Brasil diante de Portugal se esmeraram em cultivar o passado indígena : evitavam tornar o negro referência de nacionalidade . O autor, contudo,tinha forte contribuição de sangue negro pelo lado materno,e não pôde casar com a mulher que amava,por racismo. Se sua clava não rompeu proibições casamenteiras, retornou com vigor no Hino Nacional.”Mas se ergues da justiça a clava forte./Verás um filho teu não foge à luta./Nem teme,quem te adora,a própria morte.”

Garrida: origem controversa. Talvez do particípio do verbo garir,radicado no francês garir,este vindo do gótico warjan,proteger, defender-se.Ou do latim vulgar garrita, alteração de garrire,cantar,chilrear,tagarelar. Nesse caso, inspiraria alegria. A palavra, de uso raro na linguagem coloquial,está no Hino Nacional : “Do que a terra maisgarrida/Teus risonhos lindos campos têm mais flores,/Nossos bosques têm mais vida no teu seu seio mais amores.”O autor incluiu trechos do poema de Antônio Gonsalves Dias (1823-1864) Canção do Exílio : “As aves que aqui gorjeam,/Não gorjeam como lá ,/Nosso céu tem mais estrelas,/Nossas várzeas têm mais flores,/Nossos bosques têm mais vida,/Nossa vida mais amores” Dias,muito celebrado ainda em vida ,morreu afogado nas costas do Maranhão, seu Estado natal,ao voltar de uma viagem à Europa. Machado de Assis (1839-1908) dedicou-lhe estas linhas : “Conta Renan que,uma hora antes dos funerais de George Sand,quando alguns cogitavam no que convinha proferir à beira da sepultura,ouviu-se no parque da defunta cantar um rouxinol.’Ah! eis o verdadeiro discurso!’,disseram eles consigo.O mesmo seria aqui, se cantasse um sabiá.”Gonsalves Dias ,como Machado,era mestiço:pai português e mãe cafuza.

Hino: do grego humnos,canto.O hinário cívico brasileiro destaca-se pela qualidade de suas letras e músicas.Mas oferece sérios atrapalhos de interpretação,pelo volteio da sintaxe das letras.Os estudantes recordam-se da dificuldade em identificar o sujeito do primeiro verso doHino Nacional,”Ouviram do Ipiranga as margens pláscidas/De um povo heróico o brado retumbante,/E o sol da liberdade, em raios fúlgidos,/Brilhou no céu da pátria nesse instante.”Tudo piorou quando alguns livros e cadernos os publicaram com erros graves,como a crase no primeiro verso .Em “as margens plácidas”—o sujeito da sentença – inexiste crase. A estrofe em ordem direta,seria:” As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heroico,e o sol da liberdade brilhou em raios fúlgidos no céu da pátria nesse instante.”Para alguns,estranhas partículas iniciam o Hino Nacional,que lhes soam algo como “o virundum”.

Pendão: do espanhol pendón,com provável influência de vocábulo romano. Alguns autores vinculam o provençal penon ao latim pinna,este com influência do grego pinaks,prancha. No latim e no grego,as duas palavras aplicavam-se também às orelhas longas de certos animais. Com música de Francisco Braga (1868-1945), Olavo Bilac (1865-1918) comparou a bandeira do Brasil a um pendão. É provável, pois que ao registrar pendão imaginasse algo desfraldado no ar. Eis o s versos iniciais:”Salve, lindo pendão da esperança,/Salve símbolo augusto da paz!/Tua nobre presença à lembrança /A grandeza da pátria da Pátria nos traz”.O jornalista e escritor Paulo Francis usou parte do verso seguinte – o afeto que se encerra – como título de um de seus livros de memória.

Resplandecer: do latim resplendere,começa a brilhar. Aparece no Hino da Independência ,música de dom Pedro I (1798—1834),que proclamou nossa independência. A letra é de Evaristo da Veiga (1799 – 1837).Os brasileiros não levam quase nada a sério, e os primeiros versos mereceram curiosa paráfrase: “ Já podeis “ equivale a “japonês” e “da pátria ó filhos”, uma inversão sintática,transforma-se “tem quatro filhos”. Os originais dizem:”Já podeis da Pátria filhos/Ver contente a mãe gentil,/Já raiou a liberdade,/No horizonte do Brasil.” O verbo resplandecer está na estrofe final : o Brasil se desta caria entre as nações livres. “Parabéns,ó brasileiros!/ Já com garbo juvenil,/ Do universo entre as nações/ Resplandece a do Brasil.” Evaristo, dos primeiros jornalista brasileiros,além de deputado por Minas Gerais,foi levreiro no Rio de Janeiro. Comparou o povo brasileiro a uma “brava gente” que deixou atrás o “temor servil e ousou proclamar pela boca do príncipe o brado retumbante e retórico.”Ou ficar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil.!”

Deonísio da Silva,doutor em Letras pela Univeridade de São Paulo e escritor,e autor de Os Guerreiros do Campo e A Vida Íntima das Palavras (Siciliano),entre outros 27 livros. E-mail: deonisio@terra.com.br

Revista Caras

2002.

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Doutor Deonísio da Silva
Enviado por zelia prímola em 21/11/2016
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