Etimologia da Língua Portuguesa nº56

Etimologia da Língua Portuguesa por Deonísio da Silva nº56.

Cinema veio de cinematógrafo, por influência do francês cinématografe, termo que entrou para a língua francesa em 1895. Já pechada teve origem no espanhol platino pechada,colisão,trombada de dois cavaleiros que correm em direções opostas.

Acidente: do latim accidente, declinação de accidens, particípio de accidere, cair, chegar, acontecer. A linguagem coloquial, aliás, guarda a conotação antiga na expressão “tal feriado caiu em tal dia da semana” No entanto, ainda na Roma antiga, accidens já tinha o significado de acontecimento desagradável, desgraça imprevista, que não pôde ser advinhada pelos áugures. O sinônimo desastre, designando trombada no transito, remonta a tais origens. O acidente de trânsito seria infortúnio resultante de desvio imprevisto na rota dos astros,do provençal antigo desastre e do francês désastre, contra os astro .

Cinema: de cinematógrafo,, por influência do francês cinématographe,palavra que entrou para a língua francesa em 1895 ( o termo “cinema” entraria apenas em 1922 ),por obra dos inventos dos irmãos Auguste Lumière (1862 – 1954 ) e Louis Lumière (1864 – 1948), responsáveis pela primeira exibição pública de uma imagem em movimento naquele ano, em Paris. Suas fitas mostravam acontecimentos comuns: operários saindo de uma fábrica em Lyon, ondas agitando-se no mar, entre outros. Em 1896 inauguraram a primeira sala de projeções cinematográfica na Rússia. Cinématographe é a palavra elaborada a partir de dois vocábulos gregos: kinema, movimento, e graphein,escrever,grafar. Também no francês houve redução para o cinéma. No dia 31 de julho de 1897, foi inaugurada no centro da cidade do Rio de Janeiro, à Rua do Ouvidor, número 141,a primeira sala de cinema,destinada também a abrigar caça-níqueis,bonecos automáticos e bibelôs excêntricos,além de servir a apostas no jogo do bicho. A sala no dia seguinte à inauguração,recebeu a visita de 1572 pessoas. Um tremendo sucesso para qualquer sessão de cinema, de qualquer filme, em qualquer época.

Pechada: do espanhol platino pechada,choque,colisão,trombada de dois cavaleiros que correm em direções opostas,designando ainda o ato de jogar a montaria sobre rês,com o fim de conduzi-la a determinada direção. Radica-se originalmente no latim vulgar pactare,pagar uma multa,por sua vez vindo de pactum,pacto,que tem também o significado de promessa,esperança.O verbo no latim culto é pangare , fixa,estabelecer,cuja origem remota é o indo-europeu pak,marco de pedra ou de madeira para fixar limites e evitar invasões. No Brasil meridional,pecada veio a designar, por influência dos países vizinhos,colisão de veículos no trânsito. A pechada,empurrão que o cavaleiro dá manipulando o peito do cavalo com rédeas e o freio na boca da montaria, passou a designar outro tipo de encontrão, o dos automóveis . Os cavaleiros foram substituídos por motoristas. E os cavalos, por carros. O que talvez tenha piorado foi o modo de conduzir e até o comportamento. O cavalo,assim como o automóvel, já foi símbolo de destinção social. A raiz de cavaleiro e cavalheiro atesta o domínio conexo dos significados: quem anda a cavalo tem bons modos. E assim surgiu o cavaleiro andante,que,na Idade Média, solitário ou em grupo, ia a terras longínquas não apenas em busca de aventuras, mas para atuar em defesa de fracos e oprimidos, lutando por ideais de justiça . Também desagravava damas e donzelas. E não interrompia os combates,ainda que os ideais fossem quiméricos e utópicos, como no caso de Dom Quixote.

Sinal: do baixo latim signalis,radicado em signum, sinal, marca, selo,assinatura. Na transcrição de falas, ainda que ocorridas em círculos elegantes, de que são exemplos reuniões de executivos, empresários e congressistas, entre outros, é frequentemente que secretárias ou digitadoras enchem as atas de asteriscos. Asteriscos veio do grego asterískos , estrelinhas, pelo latim asteriscu,com o significado de pequena estrela, estrelinha. Tal sinal foi criado pelos antigos gráficos para acrescentar nota de roda pé de página, fim de capítulo ou volume. Mais tarde, passou a substituir nomes que não deveriam ser mencionados ou para indicar separação de assuntos ou temas. Consertando eventuais deslizes chulos em transcrições de falas de gente fina e nobre,diligentes amanuenses,quase sempre secretárias,têm o cuidado de substituir por asteriscos os palavrões proferidos. Às vezes, os palavrões não têm expressão literalmente ofensiva, mas até de endosso ou ademiração, como é o caso das referências a um popular sinônimo de pênis para dizer,por exemplo, que tal projeto está perfeito. Bem que o jornal O Pasquim registrou,ainda nos anos 70, a palavra “duca”,síntese de exclamação que aproveitava o palavrão, de resto já amenizado por escritores brasileiros e acolhido como interjeição,como neste trecho de A Disciplina do Amor, de Lygia Fagundes Telles :”Paciência, tenho hora certa pra pegar o batente,viu? E com esse trânsito,caralho!”.

Deonísio da Silva,doutor em Letras pela Universidade de São Paulo e escritor,é autor de Os Guerreiros do Campo e A Vida das Palavras (Siciliano),entre 27 livros. E- mail: deonisio@terra.com.br

Revista Caras

2002.

Doutor Deonísio da Silva
Enviado por zelia prímola em 29/11/2016
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