Uma breve análise da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na perspectiva diacrónica

1. Conceptualização

1.1. Disciplina

O termo disciplina é o que se esboça a partir do momento em que indivíduos ou grupos de indivíduos partilham um novo modo de questionamento, participam de uma certa forma de estruturar dados, métodos ou conhecimentos e praticam regularmente processos finalizados por um mesmo projecto ou uma mesma problemática. A partir do momento em que os práticos se reconhecem mutuamente, têm consciência de formar uma comunidade e de serem reconhecidos na sociedade, traçam ideias entre si de forma estandardizada e transmitem a outros novos tipos de soluções, o processo de disciplinarização se processa (Maingain & Dufour, 2002:40).

1.2. Interdisciplinaridade e transdisciplinaridade

De acordo com Coimbra (2000:56-57), a interdisciplinaridade consiste num tema, objecto ou abordagem em que duas ou mais disciplinas, intencionalmente, estabelecem nexos e vínculos entre si, para alcançar um conhecimento mais abrangente, ao mesmo tempo diversificado e unificado. Não obstante, porém, o facto de cada disciplina, ciência ou técnica manter a sua própria identidade, conservar a sua metodologia e observar os limites dos seus respectivos campos.

A transdisciplinaridade, por seu turno, dá um passo além da interdisciplinaridade no tratamento teórico de um tema ou objecto. É um processo ordenado, quase sempre longo, que resulta numa síntese harmoniosa, abrangente e multifacetada.

Na perspectiva de Maingain & Dufour (2002:39-40), a transdisciplinaridade pressupõe transferência de conhecimentos, competências, ferramentas próprias de uma disciplina para outra, postulando uma disciplina emissora e uma disciplina receptora do dado transferido.

2. Uma abordagem histórica dos conceitos de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade

Reportamo-nos a Santos (1995: ibidem) para com ele afirmarmos que, embora os termos interdisciplinaridade e transdisciplinaridade sejam novos, estes fenómenos, como atitudes e como abordagem gnosiológica ou visões de mundo, acompanham o homem desde a sua origem.

«(…) a atitude transdisciplinar acompanha o homem desde a sua origem. Por ser o homem produto da natureza biofísica e cósmica, essa mesma natureza que sempre se comportou de forma transdisciplinar, o homem traz na sua estrutura esse modo de se inserir e evoluir no ambiente peculiarmente constituído por essa conjuntura cósmica e planetária» (Santos, ibidem).

A preocupação com o conhecimento do mundo na sua complexidade, que sugere uma abordagem inter e transdisciplinar, evidenciou-se na antiguidade clássica, desde os filósofos pré-socráticos, por exemplo, de acordo com Japiassú & Marcondes (2001:152,181), Tales de Mileto (640-c.548 a.C.), considerado "primeiro filósofo" por Aristóteles, busca um primeiro princípio natural que explique a origem de todas as coisas. Tendo concluído que as coisas nada mais são do que alterações, condensações ou dilatações da água (ou do húmido). Pitágoras (VI a.C.) foi um dos primeiros filósofos a elaborar uma "cosmogonia", isto é, um vasto sistema que pretende explicar o universo.

De facto, o todo (o holos), pela sua natureza complexa, só pode ser compreendido numa perspectiva inter e transdisciplinar.

Com Sócrates e com os sofistas, a filosofia grega toma um novo rumo, deixando a preocupação cosmológica de ser predominante, dando lugar a uma preocupação maior pela experiência humana, o domínio dos valores e o problema do conhecimento. Contudo, o objecto pelo que se ocupa Sócrates, assim como os epígonos é de natureza inter e transdisciplinar, pelo que aplicaram, nas suas reflexões, abordagens também inter e transdisciplinares, tanto que

« Platão (429-347 a. C.), ao fundar a sua Academia, e Aristóteles (384-322 a. C.), ao criar o seu Liceu,tiveram crescente preocupação em dar unidade ao saber e foram, inegavelmente, “interdisciplinares” e “transdisciplinares” em suas magníficas sínteses, notadamente o segundo»(Coimbra, op. cit.).

A partir do século XVII, houve uma desrupção da visão do mundo da organização do pensamento e de todo o sistema social, assim, o homem passa a ter uma visão parcelada do mundo que se consubstancia na superespecialização e na divisão de tarefas, tendo consequências imediatas na construção e transmissão de saberes, primando pela atomização e fragmentação desses saberes. A génese deste fenómeno repousa nas influências da doutrina do pensador francês René Descartes (1596-1650), denominada Cartesianismo.

O «cartesianismo passou a organizar todo o sistema social e educacional e conformou o MODO DE PENSAR dos homens (…), [passando a avultar a] fragmentação, descontextualização, simplificação, redução, objectivismo e dualismo. Esse modo cartesiano de ser direcciona o olhar das pessoas, exclusivamente para o que é objectivo e racional, desconsiderando a dimensão da vida e da quotidianeidade: a emoção, o sentimento, a intuição, a sensibilidade e a corporeidade» (Santos, 1995, 1).

Esta visão veio a agudizar-se com o surgimento do Tylorismo, que segundo o Houaiss (2007), é um «sistema de organização do trabalho concebido pelo engenheiro norte-americano Frederick Winslow Taylor (1856-1915), com o qual se pretende alcançar o máximo de produção e rendimento com o mínimo de tempo e de esforço».

2.1. Atomização dos saberes e a parcelização das tarefas

Para apreender a complexidade dos fenómenos e ou das situações o espírito “moderno” teve tendência a dividi-los, para melhor compreendê-los. Este espírito de análise contribuiu para a atomização dos saberes e para a parcelização das tarefas. O que redundou numa prática de dissecação do real e na compartimentação dos campos de investigação ou de acção (Maingain & Dufour, 2002:18).

Uma série de acontecimentos impulsionou a estandardização de saberes, a parcelização das tarefas e a hiperespecialização dos actores sociais, desde o erudito ao técnico, e do engenheiro ao executor, tais são: o Cartesianismo a revolução industrial e o Tylorismo.

«Foi o paradigma cartesiano-newtoniano responsável pelo desencadeamento das infindáveis especializações e pela visão mecanicista do mundo. Hoje em dia, é esse paradigma responsabilizado pela excessiva fragmentação e dispersão do saber, mesmo que esse não tenha sido o escopo dos seus criadores» (Coimbra, ibidem).

Esta «dissecação do mundo e dos espíritos, impulsionada pela febre especializatória», afectou as universidades, os institutos de pesquisa, as instituições políticas, sociais, económicas e religiosas. Assim, toda a «sociedadeplanetária está fragmentada», a identidade do homem está «formatada nas parcelas do conhecimento» com uma cultura, linguagem e leituras pertinentes a tais parcelas e não estimula abertura e diálogos entre as diversas profissões, tal como observa (Santos, 1995: ibidem).

Esta hiperespecialização e compartimentação dos saberes têm implicações irrevogavelmente negativas na apreensão da natureza do universo, na configuração organizacional da sociedade.

Quando a humanidade, a natureza e o universo dependem de saberes em parcelas, induz-se uma visão redutora da complexidade e assiste-se a uma perda do sentido da globalidade.

2.2. Emergência dos paradígmas sistémicos e interdisciplinaridade

A emergência do paradigma sistémico no campo das ciências exactas e humanas, instaurou, progressivamente, uma representação do real como um constelação de sistemas abertos, complexos e interactivos sujeitos a uma circulação constante de informações.

O modelo sistémico, tendo demonstrado a sua capacidade de investigação, de análise e, até de resolução de certas problemáticas, foi adoptado em muitas práticas científicas. O espírito atomizante perdeu, progressivamente terreno (Maingain & Dufour, 2002:20-21). Não sendo a abordagem sistémica um paradígma cognitivo partilhado por todos os sectores de pesquisa e locais de tomada de decisão, surgiram, nos anos sessenta, as ciências polidisciplinares, como a astrofísica, que trata do universo, a ecologia, que trata da biosfera, entre outras. Reemergiu, igualmente, a interdisciplinaridade em dois grandes eixos:

«No mundo científico, surgiu de uma interrogação epistemológica, explorando as fronteiras das disciplinas e as zonas intermédias entre elas. Por outro lado, surgiu como um elemento de resposta às exigências do mundo profissional, confrontado com a necessidade de reagir face a problemáticas complexas».

Assim, podemos sumariamente referir que, recentemente, verifica-se um maior esforço para a compreensão e organização do mundo de uma forma coerentemente sintética e harmónica, em que, de acordo com Coimbra (op. Cit.), avulta a preocupação pela «totalidade do Planeta,» compreendida aí a sobrevivência da espécie humana. Desperta e fortalece-se a consciência ecológica das inter-relações globais, extensivas e compreensivas. Multiplicam-se empenhos na descoberta de um denominador comum, de um factor aglutinante, da solidariedade ecossistêmica. A clássica preocupação dos gregos com a totalidade – o holos – reaparece de muitas formas.

Referências bibliográficas

 BOLETIM DA REPÚBLICA. I Série – Número 5. Imprensa Nacional de Moçambique, 16 de Janeiro de 2015.

 COIMBRA, José de Ávila Aguiar. Considerações sobre a interdisciplinaridade. Interdisciplinaridade em ciências ambientais. vol. 1, 2000.

 Da SILVA, Roberta Pereira. Biblioteconomia e interdisciplinaridade: abordagem curricular. São Paulo, s/d.

 JAPIASSÚ, Hilton & MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico De Filosofia, 3 ed. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2001.

 HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. SL, Editora Objectiva ltda, 2007.

 MAINGAIN, Alain & DUFOUR, Barbara. Abordagens didácticas da interdisciplinaridade. Lisboa Instituto Piaget, 2002.

 SANTOS, Akiko. O que é transdisciplinaridade. Rural Semanal, n. 31/32, 1995.

 SANTOMÉ, J. T. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artes Médicas Ed., 1998.

 http://www.suapesquisa.com/industrial/

Mutxipisi
Enviado por Mutxipisi em 30/11/2016
Reeditado em 23/07/2018
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