Etimologia da Língua Portuguesa nº 58

Etimologia da Língua Portuguesa por Deonísio da Silva nº58.

Divã vem do turco diwan,bem antes que o móvel se tornasse uma espécie de apelido da psicanálise. Quanto a palíndromo, sendo palin novo, repetição, e dromos, correr, inspirou o escritor Osman Lins a uma história dramática.

Bainha: do latim vagina ,estojo, bainha para espada. Houve troca do “v” inicial por “b” o que aconteceu também em outras palavras. Até o alvorecer do século XVIII, vagina era sinônimo de estojo, casulo e invólucro. Quando houve a troca da consoante inicial, vagina fixou-se nos domínios da anatomia feminina. Algumas expressões conservaram as alusões à sexualidade, de que é exemplo espada para designar o dom-juan, tal como ocorre no livro A Confraria dos Espadas, de Rubem Fonseca.

Calar: do latim vulgar callare, vindo do grego kaláo, baixar as velas , interromper a navegação. Com o tempo, passou a ser usado também para designar o vôo rasante de pássaros e o ato de baixar as redes. Os sentidos conexos espalharam-se nos domínios de palavras vizinhas, como na calada da noite, quando as vozes foram silenciadas. E na sequencia passou a indicar a mudez ,escolhida ou imposta.

Divã: do turco diwan, sala do sultão cheia de almofadas confortáveis e sofás sem braços. O persa tem diouan, registro de folhas escritas, lugar onde funcionários qualificados, sentados, recebiam relatórios e outros papéis. Designou,com o tempo também o recinto onde pessoas, bem acomodadas, conversavam. A palavra aduana procede da mesma raiz etimológica. A aduana era originalmente o lugar onde pessoas de várias nacionalidades conversavam enquanto desembaraçavam a bagagem e as mercadorias que transportavam. Quando os psiquiatras adotaram o sofá sem braços para receber os pacientes, divã já tinha fixado o sentido de sofá de uso específico daqueles profissionais.

Explorar: do latim explorare ,derramar lágrimas. Em latim ,plorare significa chorar. Quando muito perqueridos, os investigados começavam a chorar. E por isso explorar passou a indicar tarefa de descobrir a verdade, penetrar por lugares desconhecidos. No caso, a alma das pessoas interrogadas. Com o tempo o verbo foi aplicado também a viagens por regiões desconhecidas. Os antigos romanos já atribuíam ao vocábulo também o sentido de consultar deuses e deusas,com ofim de descobrir o que revelavam sobre perguntas que lhes eram feitas.

Palíndromo: do grego palíndromos, pela formação palin, de novo ,repetição e dromos correr. Diz-se de frase e palavra que conservam o significado, mesmo quando lidas da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda. Um dos mais famosos políndromos está presente no romance Avalovara, de Osman Lins (1924 – 1978 ). Situando parte da narrativa no ano 200 a. C., em Pompéia, apresenta-nos um escavo frígio, Loreius,que é o interlocutor preferencial do comerciante Públius Ubonius, seu dono. Cheio de apreço por curiosidades intelectuais ,este promete a liberdade a Loreius se o escravo descobrir uma frase que, sem perder o significado, possa ser lida da esquerda para a direita e da direita para a esquerda. A língua dos dois é o latim. Depois de muito elucubrar, um dia, ao acordar, o escravo toma consciência de que, enquanto dormia, seu cérebro chegou à frase Sator arepo tenet opera rotas,cuja tradução é : o lavrador mantém cuidadosamente a charrua nos sulcos. Mas pode também ser entendida assim: o lavrador sustém cuidadosamente o mundo em sua órbita. A caminho de encontrar-se com o dono para obter a liberdade, dá-se conta de um perigoso divertimento. “ Um prazer talvez superior à liberdade é adiá-la .” Comunica, entretanto, ao dono que descobriu a frase. Este, “desgastado com a sua altivez, passa a adverti-lo”. O escravo diverte-se com as reprimendas: “ Trate-me como um homem livre. Na verdade, eu já não sou escravo. Descobri as palavras.” O dono revolta-se: “ Então diga-as.” O escravo não perde a calma: “ Não. Só as revelarei quando bem me aprouver.” Mas um dia Loreius, para obter os favores de uma cortesã chamada Tyche, comerciante como o dono de Loreius,com a diferença de que aluga o corpo, vislumbra vantagens na confidência e revela o segredo a um vinhateiro de quem é amante. O vinhateiro vende as cinco palavras a Publius Uboniun, o dono do escravo. Loreius, vendo riscada nas paredes e escritas com vinho, nos balcões das tavernas,a sentença que inventou, volta ao quarto de Tyche e brada pela última vez as palavras que lhe possibilitariam a liberdade.

Deonísio da Silva, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo e escritor, é autor de Os Guerreiros do Campo e A vida Íntima das Palavras ( Siciliano),entre outros 27 livros. E-mail:deonisio@terra.com.br

Revista Caras

2002.

Doutor Deonísio da Silva
Enviado por zelia prímola em 10/12/2016
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