Etimologia da Língua Portuguesa nº65

Etimologia da Língua Portuguesa por Deonísio da Silva nº65.

Por volta de 5.000 a.C., os sumérios já usavam desodorante, palavra que provavelmente veio do francês désodorant. Já pastel, do francês antigo pastel ,teve origem no baixo do latim pastellus, relacionado com pasta, massa, e panis, pão.

Desodorante: alguns pesquisadores dão sua origem como o inglês deodorant. É mais provável, porém, que a palavra tenha vindo para a língua portuguesa do francês désodorant, vez que os franceses se distinguem desde muito como fabricantes de perfumes e cosméticos. Antigos sumérios, povo que viveu em terra hoje do Iraque, já usavam desodorante por volta de 5.000 a.C. Recomendava-se que as pessoas lavassem o corpo e aplicassem óleos especiais sob as axilas. Assim procederam também os antigos egípcios. Mas deram um passo importante na luta contra o cê-cê, pois seus cientistas, travestidos de sacerdotes, perceberam que a eliminação dos pêlos ajudavam nesse combate. Século mais tarde, no Ocidente, cientistas descobriram que os pelos oferecem incentivo à vida e proliferação de bactérias que ali se reproduzem, morrem e se decompõem em ambiente que lhes é favorável. Ainda assim, não é prática universal raspar os pelos do sovaco. Mas principalmente as mulheres tendem a adotá-la cada vez mais.

Gilvaz: de origem controversa e obscura. Antenor Nascentes de Veras ( 1886-1972 ), entre outros, informa que pode ser nome próprio, resultado da junção de sois outros, Gil e Vaz. Mas no século XIV, em carta de um arcebispo a um abade, essa palavra aparece com o significado de ferimento antigo, igualmente repetido em trecho de um certo dom Lourenço, arcebispo de Braga: “ As ribeiradas do meu gilvás já são vedadas.” Vitorino Mendes Pinheiro da Silva Nemésio ( 1901-1978 ) retoma o significado de cicatriz, referindo-se a Alexandre Herculano ( 1810-1877 ), em Ondas Médias: “ Estamos todos a vê-lo feio, duro, rijo, com aquele gilvaz com que uma navalha lhe talhou a boca em novo,na feira das Amoreiras. “ Já os dicionários Aurélio e Houaiss endossam o significado de cicatriz, ferimento, ou ferimento no rosto. O primeiro a inspirar a formação da palavra teria sido um oficial da infantaria portuguesa na célebre Batalha de Aljubarrota, travada entre forças portuguesas e castelhanas, no dia 14 de agosto de 1385. Nessa vitória, que garantiu a independência de Portugal por quase 200 anos, um oficial português de boa aparência, chamado Gil Vaz ,levou um talho no rosto. O advogado e poeta brasileiro Plauto de Oliveira é o autor de um soneto intitulado Senhor Gil Vaz. Nele aparecem estes versos: “ Ao mirar-se no espelho odiava a sua cara,/vendo o corte profundo de navalha,/que se estende por toda a pele palha,/ fazendo-o parecer de uma espécie rara,” Na guerra dos Estados Unidos contra o Iraque, a disparidade das forças foi grande. A TV invadiu os lares com rostos em que o gilvez era grande marca que sobrou da morte, sejam civis, sejam militares, vez que no caso dos segundos o capacete não bastou para evita-lo. Tumbas coletivas, comuns em todas as guerras, sequer permitem que rostos sejam verificados ou percebida a presença de gilvazes.

Ovo: do latim ovum. Ovo. Nas sociedades antigas, o ovo, sobretudo de aves domésticas, demandava muitos cuidados. Alguns ovos precisavam ser chocados para gerar descendentes. A maioria era consumida, pois o ovo tem sido desde tempos imemoriais alimento, sobretudo para o homem. Nasceram daí curiosas expressões, como pisar em ovos, significando comportamento cuidadoso, diplomático, habilidoso, principalmente diante de circunstâncias delicadas ou constrangedoras. Já o ovo de Páscoa nasceu do costume de povos setentrionais da Europa, para quem a chegada do Sol na primavera vinha acompanhada de festas à deusa pagã.Eastre. Eles pintavam ovos de cores vivas, brilhantes, que tinham o fim de saudar o Sol, em abril. Tal hábito, a partir do século VIII, com a introdução do cristianismo, continuou a ser celebrado, porém com uma substituição: comemorava-se a ressurreição de Cristo, dogma fundamental da religião. Com a entrada do coelho na culinária dessas festas abundante em certas economias da época, os ovos da Páscoa, já de chocolate, foram a ele associados.

Pastel: do francês antigo pastel, radicado no baixo latim pastellus, variante de pastillus, relacionado com pasta, massa,e panis, pão. Mas por que no Brasil o pastel é salgado e em Portugal é doce? Provavelmente por que os jesuítas, que acompanharam os navegadores à China, de onde veio o pastel, substituíram o recheio salgado por doce e levaram a nova receita aos conventos da Companhia de Jesus, de onde se espalhou para a cozinha de outras ordens religiosas. Foram monjas portuguesas e espanholas que deram forma de meia-lua aos pastéis. Até hoje a pastelaria no Brasil vende pastéis salgados, enquanto em Portugal elas são doceiras. Já no Brasil doceira é a pessoa que faz doce. O lugar onde se faz isso é a doceria. À semelhança de ingleses e americanos, separados pela mesma língua, segundo George Bernard Shaw ( 1856-1950 ), mas hoje unidos na coalizão que enfrenta o Iraque, brasileiros e portugueses se semelham às vezes falar línguas diversas. Nossos irmãos apresentam a guerra no écran da televisão . Entre nós, o aparelho é o mesmo, mas ao écran chamamos tela.

Deonísio da Silva, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo e escritor, e autor de Os Guerreiros do Campo e A Vida das Palavras ( Siciliano ),entre outros 27 livros. E-mail: deoniso@terra.com.br

Revista Caras

2002

Doutor Deonísio da Silva
Enviado por zelia prímola em 29/01/2017
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