Etimologia da Língua Portuguesa Nº78

Etimologia da Língua Portuguesa por Deonísio da Silva Nº78

Imprevisto veio do étimo do verbo latino praevidere, prever. Mas estrategistas ensinam, como mostra o filme Operação Valquíria, que nada ocorre como planejado, exceto no xadrez, do sânscrito chaturanga, jogo que termina com o xeque-mate, de xah, rei, e mat, morto.

Azenha: do árabe as-saniya, roda de irrigação, moinho d’água, sinônimo de atafona, igualmente do árabe at-tahhuna, mas esta movido pela força de animais, sejam bois, sejam cavalos ou burros. Desde a Idade Média, os moinhos se tornaram presença constante nos arredores das vilas e dos burgos, pois era necessário produzir cada vez mais farinha para fazer pão e macarrão para tanta gente. E o moinho veio para o provérbio “ águas passadas não movem moinhos”. Sem contar que o alucinado herói de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes Saavedra ( 1547-1616 ), empreende luta contra moinhos de vento. A palavra moinho tem outra origem, porém. É uma variante da pronúncia do latim molinum, redução de saxum molinum, pedra especial com que era deita a mó. Esta procede da raiz indo-européia mel, tornar mole, moer, cujo étimo está no verbo latino modere, moer, triturar o grão.

Coelheira: de coelho, do latim coniculus, designando local destinado à criação de coelhos. Em Portugal, coelheira é também o conjunto de bancadas ou carteiras situadas ao fundo da sala de aula. Coelheira, vinda do espanhol cuello, pescoço, designa ainda a coleira fixada no peito do cavalo, que lhe permite triplicar a força de tração. Os antigos romanos demoraram a descobrir isso e durante muito tempo atrelaram os cavalos como atrelavam os bois, pelo pescoço, sufocando-os. Por volta do ano 1000, estudando a anatomia dos animais, inventaram a coelheira. Também foi uma descoberta medieval prender parelhas de cavalos umas atrás das outras para multiplicar sua força. No Brasil, a variante mais usada para a coelheira é peitoral, embora esta palavra, vinda do latim pectorale, de pectus, peito, designe também parte do hábito de frades e monjas, que cobre o peito.

Imprevisto: de previsto, antecedido de “im”, indicando negação. O étimo veio do verbo latino praevidere , prever, ver antes. Imprevisão é, portanto, o que não foi ou não pôde ser previsto. O general americano William Gus Pagonis, que enfrentou o presidente iraquiano Saddam Hussein ( 1937-2006 ) na Guerra do Golfo, em 1991, ensinou: “ A cada minuto, em qualquer lugar, dá tudo errado, o importante é consertar “. No filme Operação Valquíria, do diretor Bryan Singer, lançado no mês passado nas principais cidades brasileiras, um dos militares envolvidos no projeto de eliminar o ditador alemão Adolf Hitler ( 1889-145 ) recomenda ao colega de conspiração: “ Não se esqueça de que nada acontece como planejado “.

Moita: de origem obscura, provavelmente palavra pré-romana, o que dificulta fixar seu étimo. Designa grupo de arbustos ou touceira de capim, que podem servir de proteção ou esconderijo. Daí a metáfora “na moita”, com o significado de “ em silêncio”, “ às escondidas “. Radicalmente na moita passou a viver um gaúcho que, entrevistado pelo jornalista Paulo Sant’Anna, revelou que havia 12 anos numa ilha em frente à Praia de Garopaba . Motivo: “ Eu não aguentava mais as reuniões de condomínio “.

Titia: de tia, do grego theía, pelo latim thia, designando irmã do pai ou da mãe em relação aos filhos. Tia, mas não titia, na linguagem coloquial veio a designar também a professora das primeiras séries do ensino fundamental. E tal acepção, embora reprovada pela pedagogia, não tem sentido pejorativo. Já a expressão “ ficar para titia” reduplicação de solteirona, é perder a hora de casar. No Norte existe a variante “ ficar para Vitalina”, por força de lenda cristã dando conta de que Santa Vitalina, por ter lavado o rosto numa sexta feira da Paixão, na Semana Santa, teve que aguardar um pouco à porta do Céu, embora fosse mulher virtuosa. No Nordeste, diz-se que a moça está no caritó, palavra de origem indígena que designa prateleira rústica das casas pobres onde se põem objetos pouco usados.

Xadrez: do sânscrito chaturanga, cujo significado é “ os quatro membros”, designando as quatro divisões das forças em combate: elefantes, cavalos, carros e peões, depois mudadas para cavalos, bispos, torres e peões. Fez escala no persa xatrang. O jogo, inventado na Índia, no século VI, tem lugar sobre um tabuleiro de 64 casas, pretas e brancas, no qual dois parceiros movimentam 32 peças ou figuras de diferentes valores, em geral esculpidas em marfim, madeira, ferro. Termina com o xeque-mate, de xah, rei, e mat, morto. Nos arredores de Teresópolis (RJ) , no Hotel Village, Le Cantom, o xadrez, com peças enormes, pode ser jogado a céu aberto. O tecido xadrez, tem este nome porque as cores , dispostas em quadrados alternados, semelham o tabuleiro.

Deonísio da Silva escritor e doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, professor, coordenador de Letras e das teleaulas de Língua Portuguesa da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, e autor de A Língua de Cada Dia e Goethe e Barrabás ( Editora Novo Século ) entre outros 31 livros , alguns deles publicados também em outros países. Blogue http://eptv.globo.com/blog/ E-mail:deonisio@terra.com.br

Revista Caras

2009

Doutor Deonísio da Silva
Enviado por zelia prímola em 03/05/2017
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