Um libreto da Ellen G. White

Estou lendo um libreto da Ellen G. White que me colocaram na caixa-postal. É que quero entender melhor o que pensam os adventistas. Achei muito interessante o grau de detalhamento que a narrativa dá para a história do mundo “pré-Gênesis”, isto é, às coisas que aconteceram antes mesmo da criação do mundo. Nada disso, evidentemente, está na Bíblia, mas seriam revelações da autora. O universo seria perfeito e os anjos viviam em plena harmonia, não se entendendo, por aí, a razão pela qual se formava “exércitos”.

É curioso que, mesmo nesse ambiente celestial, os anjos tinham conhecimento do mal. Embora esse mal ainda não tivesse se configurado em gesto, ele já era, pelo que se depreende do texto, uma possibilidade latente. Afinal, reforça-se a condição de “obediência” a que esses anjos estariam sujeitos, e um conceito como esse só pode ser compreendido se soubermos, antes, o que significa não obedecer.

A criação dos anjos, nessa visão, já admitia a eventualidade de que pudessem praticar o mal. Foi o que teria acontecido com o famigerado Satanás, que, ao sentir ciúmes e inveja do Filho de Deus, resolveu se rebelar. Esse ato luciferiano, no texto de Ellen G. White, é que parece o verdadeiro “pecado original”, tamanha importância recebeu no desenrolar da história. A criação do mundo “material” com o ser humano parece, inclusive, ter sido, se não motivada, pelo menos apressada pelo episódio da expulsão de Satanás do Céu. E, desde o início, já estava previsto o “teste” para verificar se o ser humano era digno de confiança ou seria iria ceder à primeira tentação diabólica.

Na revelação da autora, tendo sido criados Adão e Eva, os próprios anjos trataram de avisá-los sobre o episódio de Satanás, alertando-os sobre as suas ciladas e instando-os para que fossem obedientes. Ou seja, foi através dos próprios anjos que Adão e Eva tomaram conhecimento do mal, de que era possível se rebelar e desobedecer a Deus. Já dizia o apóstolo Paulo que a Lei é boa, santa e justa, mas foi através dela que eu tive conhecimento do pecado. A partir do comunicado recebido pelos anjos, Adão e Eva já não estavam mais inocentes, no sentido de que conheciam a possibilidade de errar. Se os dois nunca soubessem da possibilidade do pecado, haveria culpa para imputar? Jesus, em seu tempo, chegou a dizer “se fôsseis cegos, não teríeis pecado”. Mas os anjos abriram os olhos de Adão e Eva e falaram “Vejam” – a partir de então, o pecado podia acontecer.

E aconteceu, de fato, como todos sabem. Chama-me a atenção, na revelação de Ellen G. White, que a serpente, por si só, não falava, isto é, ela só falou porque estava possuída por Satanás. Ora, mas, se foi assim, não se compreende a razão pela qual ela foi severamente punida por Deus. Se não era maldade da serpente, mas de Satanás que a usou, então a serpente era vítima e não merecia punição. Se Satanás a usou, então a serpente era um animal que, por si só, não podia se comunicar, e é de se duvidar que tivesse alguma inteligência racional. Ela não escolheu e nem mesmo aceitou que Satanás entrasse nela. Que poderia fazer um pobre animal diante de alguém com poderes de anjo, ainda que caído? E, no entanto, Deus a condenou com firmeza e com rigor.

O livro prossegue fazendo, de certo modo, até um mergulho psicológico em humanos, anjos e inclusive no coisa-ruim. Todos esses detalhes teriam, por algum motivo, escapado ao autor de Gênesis. Ele, em verdade, nada fala sobre o Cristo e nada fala sobre Satanás e a grande guerra cósmica que teria precedido a existência humana. Mas por que motivo esses assuntos, que são capitais para o projeto da humanidade, foram deixados de lado por um autor divinamente inspirado, sendo que Deus, mais do que ninguém, estava interessado na propagação dessa mensagem?

São respostas que o libreto não me deu e, na verdade, o que ele parece sugerir é até mesmo que não se questione esse tipo de coisa. Existe um claro incentivo a que se fique satisfeito com o que Deus revela, o que parece incluir não apenas o relato bíblico, mas também as revelações de Ellen G. White. Todo esse material sobre as origens do mundo é visto de forma absolutamente literal, e talvez seja apenas evitando questionamentos que ele se sustente.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 31/08/2017
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