Pacifista integral

Não estou louco sozinho, há mais gente em nossos dias que também acha que o cristianismo exige compromisso radical com a não-violência, em todas as suas esferas.

Ao meu lado está Aldo Comba, que traduziu Lutero para o italiano. Em um pequeno artigo escrito por ocasião dos 500 anos da Reforma, Aldo citou três pontos positivos e dois pontos negativos do movimento iniciado por Lutero. Um dos pontos que mereceu destaque negativo foi, justamente, o fato de a Reforma não ter deixado uma mensagem clara a respeito da necessidade de o discípulo de Jesus ser um pacificador: “Só os valdenses medievais, depois os menonitas, os quakers e, talvez, algum outro grupo minoritário são pacifistas. Hoje, é mais do que nunca necessário remediar essa carência e proclamar, em alto e bom som, que todo verdadeiro discípulo de Jesus é um pacifista integral”.

Parece incrível, mas ser um pacifista integral passou a ser coisa de seitas antigas e ultrapassadas, que possivelmente seriam vistas como heréticas nos dias de hoje, quando até a igreja está totalmente comprometida com a violência do Estado. Já é possível ser cristão e ir ao exército, já é possível ser cristão e ir à guerra, já é possível ser cristão e matar outra pessoa, pois para tudo isso já arrumamos bons motivos que nos impedem até de corar ao não cumprirmos o mandamento de amor aos inimigos e o de não-resistência ao mal.

Ora, se até a igreja, se até os cristãos, são capazes de julgar uma guerra justa ou necessária, de quem haveremos de esperar a paz? Se é assim com os aspectos visíveis da violência, como esperar que os cristãos se oponham à sutil violência do Estado? Não se opõem, e a maior parte deles acha até muito justo tomar parte ativa nesse tipo de violência.

Não sei se esse cenário é, de alguma forma, uma consequência da Reforma, mas é nítido que não se prega o pacifismo ou a não-violência nos púlpitos de hoje em dia, a despeito de tudo o que disse e fez Jesus. Talvez aqui no Brasil, onde não há valdenses ou quakers, apenas as Testemunhas de Jeová se recusem a servir ao Exército. E nós achamos isso uma esquisitice, típica de uma seita bizarra.

Normais somos nós, nós que seguimos um sujeito que falou em dar a outra face, coisa que nunca nos ocorreu fazer, porque achamos que temos que nos defender e nos proteger – assim, nós, que somos cristãos, julgamos o cristianismo impraticável.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 04/11/2017
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