Máquina de ver o passado

E esse tal de cronovisor? Essa máquina maravilhosa que permite, simplesmente, reproduzir um evento do passado, por mais longe no tempo que ele possa estar? Fantástico, sem dúvida. Uma pena que não exista mais – uma pena que, provavelmente, nunca tenha existido.

Ora, por mais vontade que se tenha de acreditar nos relatos do falecido padre Ernetti sobre a construção e posterior desmanche da máquina, e por maior crédito que se dê aos relatos do padre Brune, que, sem ter visto a máquina, parece sustentar a sua existência na honradez do padre Ernetti, uma coisa tão grandiosa como essa é algo que não se acredita sem evidências. E não há nenhuma, nem umazinha que seja, tudo o que há são relatos do padre Ernetti, eventualmente de pessoas que conviveram com o padre Ernetti.

As histórias sobre os feitos da tal máquina são mesmo espantosas, mas é difícil acreditar que alguém, pois mais algumas pessoas sabiam, não tenha nunca se preocupado em provar existência tão magnífica para a humanidade. Alega-se que a máquina seria um risco em mãos erradas, e talvez ela fosse mesmo, mas bastaria uma pessoa um pouco mais vaidosa, mais desejosa de contar ao mundo a descoberta mais espantosa de todos os tempos, ou mesmo uma pessoa com maior interesse científico, sabedora das incríveis implicações que a descoberta representaria para a ciência, e o segredo teria sido revelado.

Nada disso aconteceu, no entanto. De modo que, para acreditar no cronovisor, é necessário também acreditar na integridade do ser humano, incapaz de quebrar uma palavra e contar ao mundo tudo o que sabe, tudo o que viu e experimentou.

Pois bem. As histórias do padre Ernetti são realmente impressionantes. Ao padre Brune ele contou, simplesmente, que teve a oportunidade de assistir a crucificação de Jesus. E aponta um ou outro detalhe a mais ou a menos, em relação ao texto dos Evangelhos, mas nada que comprometa a essência da história. Também disse ter visto a ressurreição, e nesse caso é mais reticente sobre o que foi exatamente que ele viu, pois, afinal, ninguém sabe explicar detalhadamente como é que uma pessoa ressuscita. Alegações fantásticas, sem dúvida, que não são acompanhadas de evidência alguma, pois a máquina já estaria desmontada.

É uma pena que, aparentemente, não tenham sido feito relatos sobre o que foi que o padre Ernetti viu em relação ao Antigo Testamento. Será que chegou a ver a vida paradisíaca de Adão e Eva? Nesse caso, no entanto, eu já teria formado a minha convicção de que a máquina era uma tremenda bravata. Não que, no momento, eu também não ache que seja. Deixo aberta, no entanto, a possibilidade de que uma coisa tão espantosa como essa venha a ser descoberta pela humanidade, ou mesmo já tenha sido – faltam provas.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 18/12/2017
Reeditado em 18/12/2017
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