A REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO DE 2008 E O IDEAL DO ENSINO TRANSVERSAL NA PRÁTICA

1. INTRODUÇÃO:

Dentro da organização da educação escolar brasileira há o sistema federal de ensino, considerado pela opinião pública um ensino de excelência, conforme o Professor Moaci Alves Carneiro em LDB fácil (Ed. Vozes)!

Um ensino voltado essencialmente aos menos favorecidos: totalmente gratuito.

Esta visão sistêmica sobre a educação nacional tem antecedentes; foi um legado do texto "O Manifesto dos Pioneiros de 1932".

Aliás, O Manifesto de 1932 foi quem colocou o Brasil na modernidade, sem sombra de dúvidas! Defendeu veementemente a popularização dos níveis de ensino.

O sistema viria como forma de racionalização burocrática (coesão curricular e de gestão administrativa uniforme).

Isto seria um avanço num território com características continentais, como o brasileiro: 8,5 milhões de km² e 60% Amazônia Legal praticamente.

Naquele momento em que caia a República das Oligarquias Agrárias (1889-1930), por meio da Revolução Getulista, foi que elite brasileira percebeu, por meio do Manifesto de 1932, que a educação escolar pública era fundamental para o aumento da divisão do trabalho na forma de ofícios, o que já era apregoado por Adam Smith em "A Riqueza das Nações" como causa de aumento do excedente (na segunda metade do século XVIII).

Era ela contumaz também na formação de um “proletariado eficiente fordista”, caso o Brasil realmente quisesse se tornar uma economia industrial.

Porém, naquele momento, os modelos TAYLORISTA E FORDISTA estavam começando a declinar nos EUA, como mostrou a Crise de 1929, dando ensejo aos primeiros passos da 3° Revolução Industrial.

Estes modelos eram calcados no parcelamento manufatureiro em vários ofícios menores que retiravam dos operários a capacidade de ditarem o ritmo da produção, por causa da esteira, como bem mostrou o filme satírico "Tempos Modernos" de Charles Chaplin, na primeira metade do século XX.

Erigia-se uma nova divisão internacional do trabalho quando o Manifesto de 1932 foi escrito e que somente seria efetivada, após a 2° Guerra Mundial (1939-1945): a superação da manufatura fordista por meio da robótica e da biotecnologia.

Dessa maneira, a educação estava inserida no "processo de substituição de importações", mas ainda procurando copiar modelos norte-americanos TAYLORISTA e FORDISTA; essencialmente baseado em profissões e não em competências.

Passado meio século quase, a educação escolar foi por meio da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, consolidada como um direito público subjetivo republicano.

A educação ainda é fundamental para manutenção das instituições políticas democráticas republicanas, porém ainda está inspirada nos padrões econômicos da primeira metade do século XX: mundo do trabalho como espelho das concepções de parcelamento fordistas e controle taylorista.

Foi o Manifesto de 1932 quem atrelou a educação à economia, sendo fundamental ao processo de substituição de importações e à industrialização tardia.

2. DESENVOLVIMENTO:

No segundo mandato do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, cuja profissão era a de metalúrgico (formado num curso técnico subsequente do SENAI de torneiro mecânico, de matriz fordista), nasceu a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.

Ela estava vinculada ao Ministério da Educação e constituída pelas seguintes instituições:

I - Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia - Institutos Federais;

II - Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR;

III - Centros Federais de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca - CEFET-RJ e de Minas Gerais - CEFET-MG;

IV - Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais; e

V - Colégio Pedro II.

Somente as escolas vinculadas às Universidades Federais não conseguiram ser pessoas jurídicas de direito público, não adquirindo, dessa maneira, personalidade jurídica e, como isso, autonomia semelhante às universidades.

Como o modelo de administração pública brasileiro envolve o conceito de administrador direto e indireto, os antigos Centros Federais de Educação Tecnológica, fortalecidos na segunda metade dos anos 70 (Governo Geisel), passaram DE autarquias subordinadas ao ministro da educação na escolha dos seus gestores, PARA autarquias universitárias nas quais a comunidade estudantil mandaria a lista tríplice dos candidatos a reitor ao presidente da república, que pode ou não escolher o mais votado.

O modelo CEFET padecia por excesso de centralização nas mãos do ministro da educação, enquanto o modelo de 2008 transferia à comunidade o poder de escolher sua chefia (um gestor dependente dos conselhos paritários).

O modelo CEFET também estava amparado, assim com está até hoje o sistema S, no paradigma TAYLORISMO-FORDISMO, da 2° Revolução Industrial: manufaturas metalúrgicas.

O modelo da Rede Federal está levando em consideração o fim da hierarquia de saberes da 3° Revolução Industrial, já que a ciência está a cada dia mais criando o que Marx chamou de subordinação real do trabalho frente ao capital (superfluidade do trabalho vivo). Uma visão transversal vem de roldão na REDE inspirada em Antônio Gramsci, um sociólogo antielitista e anti-intelectualista, que pensa que um curso técnico pode formar um intelectual orgânico de classe operária.

Cumpre esta modificação no modelo da REDE FEDERAL a atender aos princípios da gestão democrática escolar e da participação do usuário, que já estavam presentes na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases de 1996.

Trata-se de uma busca pela descentralização do poder discricionário da administração pública para as mãos dos usuários do serviço público – até como forma de manifestar seu contentamento ou não com a gestão.

Os Institutos Federais que nascem em 2008, no 2° mandato de LULA, vieram a substituir os CEFETs dos tempos do modelo centralizado do Governo Militar (1964-1984). Vieram também romper com uma lógica já estudada pelo sociólogo italiano Antônio Gramsci, na primeira metade do século XX, de que o ensino técnico-profissionalizante originava-se da diferença entre trabalho intelectual e trabalho manual (o primeiro para a burguesia e o segundo para o proletariado).

Dessa maneira, numa esperança de transversalidade entre os níveis de ensino mais altos para os mais baixos, passam a atuar como instituições de educação superior.

Porém, buscando mais a formação de um cidadão histórico e crítico, pois mercado de trabalho muda conforme a composição técnica que Marx alertou: substituição do homem pela máquina.

A educação superior, porém, priorizaria os cursos de tecnólogo e licenciaturas nas áreas mais carentes do ensino que são as ciências exatas.

Os cursos de tecnologia, por sua vez, são uma espécie de recorte da grade curricular de um curso de bacharelado, para que seja concluído em três anos. Mais uma vez, implicitamente, está reconhecido o fato de que as camadas populares não conseguem alçar os níveis mais altos de ensino: daí os cursos tecnológicos.

Pioneiramente, a REDE FEDERAL, cujos Institutos são um dos componentes, teria a educação básica de nível médio profissionalizante como meta de 60% da sua oferta.

Trata-se dum nível de ensino extremante problemático no Brasil, por conta da evasão de 50% dos jovens da classe D e E, agravada conforme a região brasileira, que precisam adentrar ao mundo do trabalho formal (como operários) ou informal (como não classe).

A modalidade de educação profissionalizante ainda permaneceu na REDE FEDERAL, como era no modelo centralizador CEFET e no modelo do Sistema S. Permaneceu na modalidade integrada ao ensino médio (na idade obrigatória e na modalidade de Educação de Jovens e Adultos) ou na forma subsequente (cursos profissionalizantes somente com matérias técnicas para adultos que concluíram o ensino médio).

Os Institutos Federais são equiparados às universidades federais, o que significa considera-los como autarquias independentes, somente respondendo hierarquicamente ao Ministério da Educação nas hipóteses previstas na legislação.

Dessa maneira, como toda REDE FEDERAL, faz parte da administração indireta: prestando o serviço público de educação escolar. O mandato de um reitor, por esse motivo, não pode ser interrompido por ato do ministro da educação ou do presidente da República, como nos demais cargos comissionados ou funções de confiança.

O Conselho Superior (CONSUP) dos Institutos Federais, colegiado e independente, é o órgão de apoio aos reitores na prática dos seus atos administrativos. Precisam do referendo coletivo, como edição de atos normativos de direito administrativo e educacional. Teriam, analogamente, a “função do poder legislativo”, pois seus membros também são eleitos entre os servidores e discentes.

As Escolas Técnicas Vinculadas só podem ter modalidade técnica de nível médio, para não concorrerem com o sistema estadual de ensino.

O Colégio Pedro II, que passou a integrar a Rede Federal, é uma secular instituição que formou boa parte da elite intelectual carioca, ao longo dos seus 180 anos de existência.

No atual momento, dadas às mudanças do perfil da sua clientela (“deseletização”), especializou-se na oferta de educação básica de nível médio (integrado e subsequente) e de licenciaturas, em vários campi.

3. Evolução do Orçamento: o caso do IFBA Barreiras BA.

Barreiras, no oeste da Bahia, fica numa área de agronegócio (algodão e soja), numa nova fronteira do agronegócio (MATOPIBA), que se iniciou nos anos 80, com migrantes do sul do Brasil, às margens da BR 242 (que liga Brasília/DF até Salvador/BA, com entroncamento para Fortaleza/CE).

Fica num prolongamento do Planalto Central e dos cerrados do Centro-Oeste brasileiro que são topograficamente agricultáveis até Goiás e Tocantins. Trata-se de uma área de transição entre o Cerrado e à Caatinga, na qual o clima já é de transição também, havendo anos com chuvas abundantes e outros não, no verão, prejudicando pequenos e médios produtores rurais e economia municipal.

Ao leste inicia-se a depressão topográfica que vai até o rio São Francisco, na cidade de Ibotirama/BA.

A cidade é servida com voos regulares das empresas aéreas Azul e Passaredo no seu aeroporto, lingando-a até Salvador/BA, Brasília/DF e Belo Horizonte/MG.

A cidade conta com 157,6 mil habitantes pelo IBGE em 2017, contra 137 mil em 2010. Ou seja: em 7 anos cresceu quase 20 mil habitantes, principalmente migrantes de outras regiões brasileiras atraídos pelo crescimento do agronegócio e a expansão dos serviços públicos (dentro eles, as universidades).

No entanto, das 32 mil pessoas que possuem ocupação e renda na cidade de Barreiras/BA, 38 % ganham 1/2 salário mínimo, demonstrando o baixo nível de qualificação desta mão-de-obra frente à expansão econômica da cidade, que já é a 20° economia do Estado da Bahia.

Em 2017, segundo o IBGE, foram 7,4 mil matrículas no ensino médio, em 21 escolas que oferecem este nível, dentro os quais, o IFBA. Observa-se que a evasão no ensino médio passa de 50% e que, mesmo assim, no caso da modalidade EJA de ensino médio integrado ao curso de eletromecânica do IFBA Barreiras (noturno), a procura é baixa devido às necessidade especiais que este público tem de transporte e subsídios de permanência.

Mesmo sendo uma frente de expansão do agronegócio, o IDEB dos alunos que terminaram os últimos anos do ensino fundamental foi de 3,8 (nível baixo), até 2017. Muitos alunos que ingressam no IFBA por contas sociais, possuem grande dificuldade de permanência numa instituição que chega a ter mais de 15 matérias por série, incluindo as de ensino médio e de técnico.

Quanto aos recursos destinados pelo Governo Federal ao IFBA Barreiras BA, entre 2010 até 2017, há um expressivo aumento de 1,5 milhões (2010) para 12 milhões (2014), conforme os dados do Portal Transparência. Em 2017, o orçamento cai e fica entre os 3.6 milhões de reais.

As bolsas para estudantes vulneráveis saltam de 300 mil reais, em 2010, para 1,5 milhões de reais (2014), passando para 600 mil reais em 2017, conforme dados do Portal Transparência.

Os investimentos foram na ampliação do ginásio, salas de aula, equipamentos didáticos, demonstrando uma preocupação na expansão do ensino técnico entre 2011 a 2015.

4. CONCLUSÃO CRÍTICA:

Nos dez anos da Rede Federal de Educação Profissional têm-se muito a comemorar:

• Foi responsável pela interiorização da educação escolar no Brasil, não somente no nível superior, como no nível médio integrado ao ensino profissionalizante, como atestamos na cidade de Barreiras BA, na qual lecionamos e acompanhamos a saga dos estudantes que chegam a vir de cidades de mais de 600 km para aproveitar nosso ensino;

• Tem operado amplamente a política de cotas nas quais os alunos com vulnerabilidade social conseguem ingressar na escola, mas ainda possuem dificuldades em permanecer nela;

• Os docentes do ensino básico, técnico e tecnológico possuem titulação acadêmica maior do que os docentes dos sistemas estaduais e municipais de ensino, necessitando adequar, em muitos dos casos, seus saberes a uma didática inclusiva;

• Os docentes do ensino básico estão no mesmo tratamento dispensado aos docentes de ensino superior, na Lei 12772/12; salvo no artigo 18, que prevê retribuição dos saberes e competências.

Nos dez anos da Rede Federal de Educação Profissional têm-se muito que não comemorar também:

• Os cortes orçamentários estão afetando os alunos vulneráveis que dependem o Programa de Assistência Estudantil (PAE);

• Os docentes EBTT enfrentam assédio moral quando precisam fazer mestrado e doutorado, necessitando de afastamento, não havendo uma política institucional de incentivo à qualificação docente como há nas universidades federais e estaduais;

Por LUCIANO SILVA DE MEDEIROS,

Professor de Sociologia do IFBA de Barreiras/BA.

Licenciado em Ciências Sociais, UNESP 1998.

Mestre em Sociologia, UNESP 2001.

Bacharel em Direito na Facsul Campo Grande MS, 2010.

LUCIANO DI MEDHEYROS
Enviado por LUCIANO DI MEDHEYROS em 14/02/2018
Reeditado em 16/08/2023
Código do texto: T6253707
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