Sobre a Reforma Ortográfica

A reforma ortográfica da língua portuguesa é, como tantas outras coisas neste mundo, algo a ser discutido com muita cautela por ser um assunto multifacetado e com fins muito discutíveis. É um assunto que nos remete ao ano de 1990, quando a reforma foi proposta em Portugal e aceita nos demais países. Está esperando desde 2001 para entrar em vigor, e provavelmente entrará em 2008.

Enfim, o que irá mudar na nossa língua? Teremos cerca de 2% da nossa escrita modificada pelas novas regras. As que mais assustam, além da queda definitiva do trema (ou seja, agora os açougues vendem linguiça e não lingüiça, pessoas calmas geralmente estão tranquilas e não tranqüilas e cavalos são equinos e não eqüinos), são o fim de alguns acentos agudos em ditongos abertos "ei" e "oi" nas palavras paroxítonas (no caso de "jibóia" e "idéia", que viram "jiboia" e "ideia"), o fim do acento diferencial de algumas palavras (como "pêlo", "pára" e "péla", do verbo "pelar") e a queda do acento circunflexo em palavras terminadas em hiato "oo", como em "enjôo" e "vôo".

O objetivo disso tudo seria aproximar as culturas lusófonas, mas com certeza movimentará uma boa quantidade de renda para as editoras que lançarem cursos de atualização, guias da nova grafia da língua portuguesa e gramáticas. Mas será que esses acentos, trema e as consoantes mudas (no caso dos portugueses, que agora escreverão "ato" em vez de "acto" e "ótimo" em vez de "óptimo") geravam algum empecilho para a compreensão? Sou um grande fã do escritor português José Saramago, e seus "óptimos" e "acções" jamais me impediram de compreender alguma coisa em seus livros.

Concordo quando Marcos Bagno diz em seu livro "Preconceito Lingüístico" (agora "Linguistico") que a língua é um rio que corre, e não um igapó. A mudança é necessária, sem dúvida. Entretanto, será que uma reforma artificial e tão insiginificante vai realmente ajudar em alguma coisa?

Daqui a um tempo seremos chamados de ultrapassados pelas gerações futuras ao escrevermos, por descuido, que estamos tranqüilos. Mas essas mesmas crianças ainda terão dúvidas entre usar "x" ou "ch", "j" ou "g", "s" ou "z". Não seria esse um ponto a ser discutido com o objetivo de democratizar a língua culta, tornando-a mais acessível, menos burocrática e, portanto, um passo importante na erradicação do preconceito lingüístico (que é perpetuado em inúmeros sites, programas humorísticos e tantos outros lugares ao mostrar placas e anúncios onde um "s" é trocado por um "z", por exemplo)?

Não estou defendendo uma simplificação maciça da língua. Concordo que deve haver uma manutenção da ligação das palavras com sua história, mas acho que existem casos onde o passado dificulta a compreensão e o aprendizado. Não vejo propósito em uma reforma ortográfica tão pífia, e o que é pior: com um leve sabor de caça-níqueis.

Thiago Zanetti
Enviado por Thiago Zanetti em 28/08/2007
Código do texto: T627025
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