Mulher-bomba: um ensaio sobre a condição da infância à maturidade feminina

Por que a vida nos transforma e como se dão esses processos de crescimento, muitas vezes, muito mais internos do que físicos? À medida que o desenvolvimento humano ocorre em fases e etapas, o indivíduo vai se distanciando da sua origem inicial e se constituindo, aos poucos, como uma nova pessoa. Trata-se de uma dolorida e inevitável evolução. Dolorida porque ao crescer as sentimos as dores físicas típicas como o estirão que se reflete nas juntas, nos ossos e sobre o qual nada se pode fazer a não ser esperar o tempo passar e o processo se concluir. Além disso, há a mudança hormonal que se verifica no físico como o corpo infantil que vai ganhando novos contornos, novos formatos e causa estranhamento em todos os sentidos. Os sentimentos variam entre o fascínio da descoberta e a auto-rejeição daquilo que não se reconhece e nem aceita. Por isso, muitas vezes, o saudosismo da infância volta e lhe parece que era mais fácil ser criança.

Muitos relatos de memórias de infância descrevem esse período de vida como o mais feliz, visto que se apresentava como o mais desprovido de preocupações e demandas diferentemente daquelas que vão sendo exigidas do jovem com o passar do tempo. Ser adulto, rito de passagem tão esperado por vários adolescentes e jovens, traz a pretensa independência para muitas coisas: dirigir com habilitação, voltar para casa sem horário determinado e tantas outras liberdades que estão embutidas nesse momento da vida. Mas, as responsabilidades acompanham cada uma dessas autonomias e vão se tornando um peso. Por isso, as lembranças das ruas sem trânsito, cores, bolas, tacos e correria vão ficando distante daquilo que foi um pano de fundo de uma existência menos pretensiosa.

O limite conhecido e respeitado era o grito da mamãe o qual punha fim ao momento das brincadeiras que teriam continuidade no dia seguinte. Ainda bem. Muitas vezes, uma baliza muito flexível, visto que quase sempre eram permitidos os minutos a mais quando se pedia com jeitinho. As mães não se faziam rígidas. Até porque sabiam de antemão que aquela fase iria passar e não voltar mais nem para aquelas crianças tão felizes nem para elas que, apesar das tarefas e do trabalho que a infância traz, acreditavam que ainda tinham o controle sobre a vida dos seus filhos. Por que, então, não perdoar as pequenas displicências?

Vivia-se no limite sempre como se fosse um exercício prévio para a maturidade e a vida de verdade. Na fase que viria em seguida, as brincadeiras seriam outras. Os descompromissos da infância dariam lugar a um cenário de responsabilidade que faz crescer até mesmo adultos com síndrome de Peter Pan, pessoas que preferem se afastar das exigências do mundo real e se esconder num mundo de fantasia chamado de Terra do Nunca. Assim, não se obrigam a desempenhar papéis que se esperam nessa fase e relutam em cortar vários aspectos da fase anterior como a dependência dos pais e o relacionamento superficial com as outros indivíduos de seu convívio.

No entanto, a grande maioria dos adultos desprende-se, ainda que à fórceps, da infância e da adolescência e entra para a fase da maturidade, uma outra Terra do Nunca, mas com diferentes contornos e ideais. Nesse lugar, apesar de homônimo ao outro, as pessoas nunca têm tempo para nada. Trabalham muito para manter um padrão de vida que nunca se usufrui, pensando no amanhã, espaço onde não se sabe nunca se vai estar um dia. O nunca é palavra de ordem.

Assim, aos poucos, a menina, vai virando uma mulher-bomba, prestes a explodir em razão de uma causa que nem mesmo se sabe mais qual é ou se acredita. E a ideia de honrarias e méritos posteriores por essa autodestruição já não acalenta o desejo de ser lembrada ou se quer esquecida. Da criança que brincava ao ar livre até o pôr do sol ou até a insistência da mãe em fazer encerrar a folia, a mulher vive hoje outro limite: o da exaustão física e psicológica de ser muitas em uma só. A ela são atribuídos vários papéis a serem desempenhados simultaneamente e com a mesma exigência de qualidade: ser mãe presente e destinada a criar filhos saudáveis e bons para o mundo, ser profissional bem sucedida que precisa cuidar da carreira com mais afinco, visto que o mercado de trabalho é machista e sobrepõe e oferece ao homem melhores condições de salário e de oportunidade, ser esposa e mulher em tempo integral, preferencialmente bonita, arrumada e interessante aos olhos do marido ou do companheiro para que não seja substituída oportunamente por uma mais jovem mais bonita e sem celulite. Sim, porque a estética feminina é levada muito a sério. A mulher, nem tanto.

Entre a menina que se foi e a mulher que se tornou há um intervalo de tempo e de experiências chamado maturidade que trouxe ao rosto rugas de expressão, manchas na pele e uma certa flacidez diante da vida que se estende no corpo maduro. Flacidez essa que pode ser associada à flexibilidade trazida pelas derrotas e pelos desencantos porque existe algo de mole naquilo que é flexível e, ao mesmo tempo, algo de flexível àquilo que não é mais rígido. A flexibilidade como uma malemolência é uma capacidade de adaptação ao que está posto.

A mulher-bomba que um dia brincava na rua e com as pequenas biribinhas hoje se vê na urgência de precisar ser explodida e salvar uma causa. E nem sempre ela é recrutada à força por chefes, maridos, trabalhos e filhos terroristas para se autodestruir. Muitas vezes, ela mesma vai se enredando em dispositivos com potencial de explosão e, em situações de confronto e de risco, elas apertam os detonadores e manda tudo para o alto. Pessoas potencialmente armadas e preparadas para a explosão em tempo integral.

Mas, assim como está evidente até para os terroristas do BOKO HARAM os quais usam crianças de ambos os sexos para servirem de bomba humana e realizarem os atentados, as mulheres-bomba não é funcional porque elas são analíticas e espertas demais para se permitirem ir aos ares. Antes, elas tentam sair das armadilhas com bom senso, com o diálogo e, por fim, libertam-se das amarras firmes em que são colocadas à força e não matam nem a si nem aos outros. Por isso, ficam a salvo.

SUELY ROMERO
Enviado por SUELY ROMERO em 08/04/2018
Reeditado em 11/04/2018
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