Ética e Lucro

Vendo uma entrevista do filósofo Luís Martino sobre o filósofo polonês Zygmunt Bauman, encontro a afirmação de que "... você não consegue constituir uma ética onde você tem uma relação pautada exclusivamente no lucro ... se eu preciso maximizar esse lucro contra tudo e contra todos, não há espaço para a ética". Um dos exemplos mais marcantes de tal comportamento está no filme "The Salemans", "Os Vendedores", em que um grupo de caixeiros viajantes percorre várias cidades pequenas nos EUA para vender exemplares da Bíblia com belas ilustrações. A editora que publica a Bíblia pressiona fortemente a equipe de vendedores para aumentar as vendas e estes pressionam da mesma forma os potenciais clientes. Vê-se, com pena, gente humilde a quem a Bíblia agrada muito enfrentar sério dilema entre assumir uma nova obrigação financeira, que não cabe dentro de um minguo orçamento, e a vontade de possuir a bela publicação. Vê-se também a pressão dos vendedores sobre os potenciais clientes, sob forma de sofisticado convencimento, que não só apela para a convicção religiosa dos potenciais clientes, como também oferece "facilidades" de pagamento, que evidentemente são uma panaceia incapaz de curar o problema fundamental delas, a falta de dinheiro. Daí se coloca a questão ética, que fica evidente, se devem os vendedores tentar persuadir de modo insistente as pessoas que mal tem dinheiro para comer a comprar a Bíblia. Então, efetivamente, há de ver sim que a busca incondicional do lucro não dá espaço para a ética.

Randolph Bourne explica em sua própria experiência o que é ser explorado. Seu trabalho era cortar rolos perfurados de música para os tocadores na época populares. Era pago cinco centavos de dólar por cada rolo, que era vendido pelo proprietário da máquina de perfurar por 15 centavos de dólar. Só que o proprietário não trabalhava, passava o dia compondo música. Quando ele ficou muito hábil e começou a fazer bastante dinheiro, o proprietário reduziu o pagamento para 4,50 por rolo. Ele achava que, agora que tinha maior habilidade, seu trabalho valia mais e não menos. Mas o patrão foi cortante: “eu não tinha que trabalhar para ele. Havia outras pessoas que trabalhariam”. “Ele não estava me roubando”, concluiu, “mas a nossa relação era de exploração”. O poder será do patrão, ”entrincheirado nos seus direitos de propriedade e com o estado armado atrás dele”. “Alguém tem que ter sofrido a exploração para entendê-la”, finalizou. Muito interessante a discussão, que parece descrever um caso típico de capitalismo selvagem, não regulado. O regulamento pode proteger o trabalhador da exploração; o excesso de regulamento destrói o próprio capitalismo e o trabalhador junto com ele, mas a consciência arragaida na sociedade de que uma empresa deve a todos beneficiar ainda é a melhor opção para o capitalismo.

Ugly
Enviado por Ugly em 08/04/2018
Reeditado em 04/09/2022
Código do texto: T6303094
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