O destino dos malvados

Em geral, as religiões dão a entender que, se praticadas reiteradas vezes aqui na Terra, certas atitudes têm o condão de nos levar a um lugar de danação no “além”, seja ele o inferno, o umbral ou outro nome que queiram dar. Acho interessante que, por trás dessa ideia, está a noção de que o “bem” e o “mal” são facilmente identificáveis e, mais do que isso, são absolutos, a ponto de a simples prática de um gesto não aceito socialmente ser mais importante do que próprio contexto social que o provocou.

Aparentemente, as pessoas também tendem a achar que todo mundo está em plenas condições psicológicas para tomar as decisões corretas, e se não as toma é pela sua deliberada vontade, quando não pela sua “maldade”. Não é preciso muito esforço para ver que essa é uma visão ingênua, já que normalmente os “malvados”, assim classificados, são vítimas ou da química dos seus cérebros ou do ambiente de sua criação.

Todos os possíveis contextos são ignorados para se levar em consideração unicamente o gesto errado, muitas vezes nascido do próprio desespero pela situação. Não nos importa saber o que levou uma pessoa a um vício, acreditamos que tudo partiu de uma decisão dela, sobretudo se ela recusou o tratamento ou não o levou adiante. Não nos importa saber o que levou uma pessoa a cometer suicídio, acreditamos que ela tinha perfeita consciência do que fazia e que, no além, terá que sofrer terríveis consequências pelo gesto tresloucado.

Assim fazemos com todas aquelas atitudes que reputamos como más e que são suficientes para que, depois da morte, se tenha um destino de sofrimento. Acreditamos que sabemos o que é certo e o que é errado, sem nos darmos conta de que são processos em construção, e pior, condenamos os que não se encaixam em nossas definições, por vezes por toda a eternidade.

O engraçado é que, geralmente, dizemos que não podemos saber o juízo de Deus, mas não hesitamos em nos arvorar como juízes, ainda mais se tivermos um líder religioso ou uma casta de espíritos superiores a legitimar as nossas opiniões. E, com nossos julgamentos rasos e terríveis, ainda queremos passar a imagem de um Deus amoroso.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 08/07/2018
Reeditado em 08/07/2018
Código do texto: T6384694
Classificação de conteúdo: seguro