Os medos e emoções na literatura infantil.

"Tinha medo de trovão. Minhoca, pra ela, era cobra. E nunca apanhava sol porque tinha medo da sombra."

(Chico Buarque, Chapeuzinho Amarelo, (1979).

Este ensaio está voltado a analisar algumas formas de medos na literatura infantil e juvenil da Língua Portuguesa. Para o mesmo, serão utilizados como ponto de partida, textos que exemplifiquem bem o que as crianças sentem ao se depararem com alguns personagens que lhes trazem medo. Em contrapartida, analisaremos o papel dos heróis que fazem a contradição dos aterrorizantes personagens que trazem esses medos, mostrando assim, que para o mau, sempre existe uma saída; o bem. O tema nos mostra interessante para o trabalho, visto que, é uma peça chave e sempre presente na vida humana, desde a infância, quando as narrativas são de fundamental importância para a construção da vida de uma criança como leitora.

A escolha do tema promoveu a discussão em duas etapas: a primeira analisando-se personagens que fazem o círculo do mau, constatando-se o medo como inibidor sobre uma criança que começa a ser inserida ao mundo da leitura; a segunda, em contrapartida, analisando-se que sempre há um personagem que poderá salvar a vida da menina em perigo. Para a análise do tema, escolhemos como personagem principal, o Lobo do conto, Chapeuzinho Vermelho, porém, o texto escolhido foi de fato uma releitura de Chico Buarque, Chapeuzinho Amarelo, (1979), consagrado compositor e escritor brasileiro, propondo uma postura de enfrentamento do medo para vencê-lo.

Essa releitura de Chico Buarque, trata das aventuras de uma menina que tinha medo de tudo. Sabendo ela, que existira um lobo do outro lado da montanha, decide sair em busca de respostas para suas incertezas e dúvidas e claro, satisfazer suas curiosidades. Entretanto, esta menina sofre de um mal terrível: sente medo de tudo. Ela enfrenta o desconhecido (o lobo), supera seus medos e inseguranças, encontrando assim a alegria de viver. Dessa maneira, as personagens Chapeuzinho Amarelo e o Lobo dialogam entre si, com a versão tradicional “Chapeuzinho Vermelho” dos irmãos Grimm.

As palavras de Chico Buarque, que compõe a epígrafe deste ensaio, enfatiza o poder do medo nas literaturas. Ele apresenta uma protagonista amarelada de medo e tinha medo de tudo, inclusive do lobo. Podemos observar que a mudança de cor da Chapeuzinho, enfatiza a carga semântica que existe nesta cor. “Amarela de medo”, “sorriso amarelo” “amarelo de susto” e muitas outras situações que o amarelo representa. Porém, esse medo atrai, esse medo gera ansiedade e ao mesmo tempo um silêncio pensante. Uma série de personagens assustadores levam as crianças, a querer vê-los derrotados, criando assim, uma “adoração” aos personagens heroicos.

O medo como presença recorrente em literaturas infantis, é muito comum, principalmente com o intuito de amedrontar crianças para que saibam a diferença do bom e do mau, ou seja, ensinar as crianças sobre situações de perigo. Bruxas, lobos, madrastas, ou monstros devoradores de crianças argumentam as intenções sobre os medos das sombras, do escuro, de morrer, de não poder falar com pessoas estranhas e até mesmo de não ter o que comer.

Os adultos em geral, foram por muito tempo, especialistas em colocar medos em crianças. Posso até perguntar quem não se lembra de algum personagem folclórico ou até mesmo de lendas urbanas que amedrontavam as crianças, por exemplo: o bicho papão. O boi-da-cara-preta, o homem do saco e até mesmo aquelas terríveis bonecas que matavam gente. Porém, em contrapartida, esses personagens eram sempre postos em situações onde havia algum herói para que pudesse salvar a criança, principalmente nos meios de comunicação como (gibis, revistas, filmes de desenho animados etc).

O fato é que, muitas crianças ao começar a sentir medo desses personagens assustadores, passaram a ver a literatura com outros “olhos”. Olhos de medos e que automaticamente os afastaram das leituras. Sandra Corazza ao traçar uma linha sobre histórias infantis, em seu livro Infância e Educação (2002, p. 71), afirma que “as gentes novas, agora indefesas, começaram agora a ter medo das coisas, e para incrementar mais ainda este medo, o indivíduo criou um exército de personagens perigosos, como o bicho-papão, […] a cigana que roubava crianças, […] a madrasta perversa, vampiros, predadores, homenzinhos verdes [...]”.

Nos dias atuais, a literatura infantil, ilustradores e escritores, de forma mais lúdica, mais realista ou fantástica, proporcionam sensações de variados medos nas crianças, utilizando estratégias narrativas e variadas produções estéticas. Esse medo passa a ser um prazer estético e podemos confirmar isso vendo claramente a linha entre amedrontar e superar esses medos. Volto a afirmar que denoto minha análise em dois clássicos personagens: O Lobo e a Chapeuzinho Vermelho.

A maioria das histórias da literatura infantil apresentam além dos personagens que caracterizam medos, os heróis que enfrentam os problemas gerados por esses seres malévolos. Os conflitos são gerados a partir de intenções maldosas por esses seres contra uma pessoa do bem e indefesa. O herói usando de suas qualidades e talentos, que muitas vezes acaba descobrindo que os possui no decorrer da narrativa, ajuda o personagem frágil a se defender dos maldosos. Então, tudo acaba terminando com um final feliz e o herói a partir da situação vivida passa a ser amado(a) pelo indefeso. A fantasia desse medo com essa magia, é fundamental para o desenvolvimento da criança como leitor. Há significados mais profundos nessas tramas de medos e magia que a literatura infantil ensina a uma criança, do que de verdade a vida adulta ensina. É por meio da literatura infantil que a criança desenvolve suas emoções seus sentimentos e aprende a conviver com essas emoções.

Quem enquanto adulto não lembra muito bem dessas emoções vividas na infância? É encantador lembrarmos dos arrepios de medos que sentíamos ao ler um conto com personagem maldoso e saber que podíamos contar com um personagem que estaria ali, pronto para salvar o indefeso das garras da maldade. Quando esses personagens heroicos são apresentados às crianças, esses personagens podem ajudá-las a tornar-se mais sensíveis, otimista e confiante em suas ações da vida. Essa fantasia entre o bem e o mal, é de suma importância no desenvolvimento emocional da criança.

A criança geralmente é levada a se identificar com o herói bom e belo, porém, não por causa da sua beleza e bondade, mas por sentir nele seus próprios problemas infantis. Nesse sentido podemos destacar:

“Herói é o personagem que vive grandes aventuras e consegue vencer todos os problemas que surgem à sua volta. Por isso ele é considerado o personagem principal, cujas ações, pensamento e sentimentos acompanhamos com maior interesse. O herói é também chamado protagonista da história. Nem sempre o herói é um personagem com qualidades positivas. Existem heróis que são atrapalhados, malandros e vivem grandes situações de embaraço, mas continuam sendo protagonista. Esses são conhecidos com anti-heróis”. (MACHADO, 1994, p. 45).

De qualquer maneira, as crianças sabem, ou acabam sabendo o limite do que é real e imaginação, sentem medo sim, estranham sim, pois nossos escritores e ilustradores usam de palavras e imagens bem assustadoras e convincentes para “arrepiar” os leitores infantis.

Pudemos perceber que a partir das ideias aqui apresentadas, o objetivo dos contos que contracenam com os medos dos personagens, é realmente o de causar medos. Assim como os personagens heroicos podem sim, fazer florir as emoções que a criança tem escondido dentro dela. Todos esses aspectos permitem afirmar a importância do trabalho que a literatura infantil proporciona na vida da criança. Verificou-se que é preciso estabelecer um vínculo de prazer entre a criança e a leitura. E é nesse sentido que as narrativas infantis desempenham esse papel: a de conduzir os leitores não só e somente a aprendizagem, mas permitindo que se realize uma leitura por fruição, ou seja, que sinta prazer, que sinta o gosto pela leitura.

Dessa maneira, espera-se que as considerações aqui mencionadas permitam refletir o quanto a literatura infantil proporciona na vida da criança. Ela proporciona a diferenciação entre o bem e o mau, o feio e o belo. E além desses adjetivos, o mais importante que pode levar uma criança a perceber com a leitura, é o conforto em personagens bem conhecidos como o Lobo, a Chapeuzinho, o contador da história ou simplesmente no abrir e fechar do livro.

REFERÊNCIAS:

BUARQUE, CHICO. Chapeuzinho Amarelo, (1979).

CORAZZA SANDRA. Infância e Educação (2002, p. 71)

MACHADO, Irene A. Literatura e redação. São Paulo: Scipione, 1994

Viviani Borghezan
Enviado por Viviani Borghezan em 15/08/2018
Código do texto: T6419547
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