Tiago Viado

“Professor agredido em sala de aula diz que chegou a pedir ajuda, mas não teve apoio”

G!

Tiago chega, desce do carro. Abre a porta do passageiro, arruma os livros, recolhe os papeis espalhados. As crianças chegaram, o barulho que vem do pátio: escola cheia. Orgulha-se, dará prova e a maioria dos estudantes estará presente. No fundo, sem confessar a si, torce para que Luiz tenha faltado. Odeia o jeito agressivo e ácido do menino de dezesseis anos.

O portão aberto ainda recebe os adolescentes. Cumprimenta com um sorriso a inspetora. Enxerga de longe Luiz, o menino parece farejar sua presença. Corre na direção dos amigos, Tiago para chegar à sala dos professores passará ao lado do bando. Agarra os pertences entre o peito, lembra das amigas do magistério que o imitava ao vê-lo nervoso. Já pode ouvir os gracejos, a zombaria, o sorriso dissimulado do bando - “tiago viado”; “tiago viado”. Não basta ser preto, tem que ser viado. Vai, rebola.

O professor de Português respira fundo, deseja não desejar a morte do garoto. Diz consigo que deveria ter escolhido ser vilão, por fogo em tudo. Gritar e os pilares desabarem. Respira, mantém a compostura. É dia de prova, vai se dar mal na avaliação, o que não adiantará de nada, não se reprova.

A colega na sala dos professores percebe o suor, o nervosismo do homem forte de quase dois metros e de voz fina. Nada não, tenho que ir atrás das provas. Ao chegar na coordenação, espera a Coordenadora digitar no celular algumas palavras. Passados cinco minutos a interroga sobre as cópias. Não tem papel, a impressora excedeu seu limite, passe na lousa. Folha de almoço também não temos, cada um arranca a do caderno. E o texto? Texto para quê? Leia você, eles ouvem bem, é até melhor, eles têm muita dificuldade. Estão no nono ano! Devem ser autônomos pelo menos para ler!

Tiago viado e preto lê na cara da superiora o descaso e a impotência. Olha no relógio, ainda dá tempo de correr até a esquina e xerocopiar os 153 testes. Meus meninos têm direito! A folha avulsa tremula com a ajuda da munheca frouxa. Ouve a canção “tiago viado”; “tiago viado”. Não basta ser preto, tem que ser viado! Respira Tiago!

Da própria carteira tira o dinheiro, recusa a nota, de nada servirá. Sinal, gritaria, agito, e Luiz faz brincadeira no banheiro. Todos sentados, Luiz grita com o colega no corredor e entra sem pedir licença. Tiago faz chamada e ignora, “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” Lucas 23:34.

Entrega uma prova por vez de carteira em carteira. O outro ri freneticamente, descontrolado tenta descontrolar. Por favor, Luiz... em resposta o eco anasalado ... por favor, Luiz... fala igual homem, porra!

Não admito palavrão. Saia e vá falar com a diretora.

Quero ver se tem homem para me tirar da sala

Se não sair saio eu

Não quero fazer essa porra de prova mesmo

Passados cinco minutos a inspetora volta com Luiz.

A diretora falou que ele deve voltar para a sala, é prova não é?

Sim é prova, provação, privação, deterioração, marginalização, desumanização, falta de revisão. É desconsideração, podridão e vitimização. É submundo, imundo e calado. É Tiago, sozinho na sala, é a sala cheia de vazios é o mundo lá fora repleto de desafios. É Luiz sem Luz esbravejando na fotocópia escura.

Uma uma as avaliações são devolvidas. Luiz é o terceiro. Dará tempo de corrigir e entregar de todos. Luiz tira dois. O dois é entregue. Dois socos e dezenas de palavrões são dados.

Tiago viado e preto pega as folhas brancas manchadas de negro, segura as lágrimas, tenha honra. Volta para o carro e nunca mais para a escola.