Ergueu a cabeça diante da rajada de vento outonal, o olhar captando movimento de algo pequeno, uma folha desgarrada, amarelecida e avermelhada, incomum por ser exótica, folha de plátano que alguém um dia plantara por saudades de terras distantes. A folha planava, se erguia, rodopiava, por fim caiu nas águas do rio, sua curta existência passou de terrestre a aérea, e desta a aquática, navegava agora deslizando na superfície, imergia, voltava à tona numa sobrevida de turbilhões criados pelas pedras submersas e detritos lançados às águas, tornara-se uma embarcação. Sim, era isso, mais que sua forma lembrara-lhe pelo desempenho uma embarcação trazida da memória.

De simples tronco de árvore escavado o homem construiu a piroga, depois foi além, queria mais, fez o bote, e cada momento detalhes surgiram, especializou-se, a gôndola para os canais venezianos, o iole com seu perfil afilado e aerodinâmico para competir, o barco é a história da civilização.
Barco de mil nomes, veleiro e clipper, saveiro e transatlântico teu destino é ser barco de sonhos, qual Flying Dutchman navegando a bolina pela eternidade entre neblina e nuvens, sem aportar a lugar algum, pois chegar a destino é tolher a liberdade de inventar o mar, negar a invenção de sonhar.

A arte digital ao criar obras em um espaço virtual constrói subjetividades, inquietações íntimas de significações particulares, e, por isso mesmo não verificáveis, são espaços de fantasia em que nos relacionamos com o “outro”. Quando assim é proposta parte da expectativa de reconhecimento entre indivíduos, espera acolhimento e sustentação. O que Holderbaum propôs na sua série de barcos não é arte digital, ele reconstrói momentos captados em sua existência, parte de snapshots colhidos alguns como simples registros, outros em que a visão artística de sua formação predominou. Continuando agora seu processo criativo pinça imagens, determina quais ferramentas irá empregar para enfatizar cores, acentuar contrastes, solarizar por inversão valores tonais. Se apenas se ativesse a isso faria o que inúmeros fotógrafos atuais o fazem, entretanto insuficiente para seu sonho, tem de criar espaços virtuais, recorre à collage como foi usada por Picasso e Braque, depois por inúmeros outros criando o inexistente como manipulador de símbolos visuais.

É arte fotográfica, é arte digital, é técnica mista quando colagem em sua essência, é Poesia. Folha, barco, rio, mar, onírica como o ar, pois sonhos são feitos de ar, experiência do inconsciente ou desejo reprimido, realização de apelo universal uma vez soltas as amarras, e la nave va.

Walter de Queiroz Guerreiro, Prof. M.A.
Crítico de Arte ( ABCA - AICA)
Walter de Queiroz Guerreiro
Enviado por Walter de Queiroz Guerreiro em 13/10/2018
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