Confraria pela ética II - Compliance Clause

Como mudar uma cultura? Como quebrar paradigmas?

Durante esta semana, após intensos debates em reuniões para formação de consórcios de empresas, me deparei com um fato interessante.

Estavam ali reunidos vários representantes de pelo menos sete empresas, entre altos executivos e principalmente os assessores jurídicos. Estes últimos, de boa reputação no mercado e reconhecido trabalho pelas empresas transnacionais que representam.

Ali, junto com meus advogados, eu estava também, representando minha empresa, que por decisão corporativa e abrangência mundial, pediu para que as empresas reconhecessem a importância de se colocar em um dos contratos ali discutidos, uma cláusula de "compliance" ou de “conduta e ética”.

A nossa empresa, após ser envolvida e severamente punida na Europa por diversos fatos ligados exatamente à não observação de tais preceitos, abertamente se propôs a ser um modelo mundial nesses aspectos, varrendo de sua estrutura todos e quaisquer formas de relacionamento empresarial que se defronte com esses preceitos. Assim, estávamos ali, cumprindo essa vontade corporativa, que acreditamos ser realmente uma mudança de postura em relação à sociedade, representando uma quebra efetiva de paradigmas.

Lendo o texto dessas cláusulas, notava-se um visível incômodo aos presentes. Mas ninguém ousava dizer-se contra o que ali estava, posto que era a pura e simples coisa óbvia. Assim, se era óbvio e de simples dever de todos, porque não mencionar. Se mal não fazia, porque incomodava?

É lógico que, ali eu estava também defendendo uma posição e confesso, que internamente eu também me questionava. Estava ali sendo externada uma vontade empresarial, em colocar alguns itens de pura verdade e que, no âmago dos fundamentos dos presentes, totalmente dispensáveis de se externar, posto que é o mínimo que se espera do relacionamento entre pessoas e empresas.

Assim, pairava no ar por que mencionar ou porque não?

Meu também simples argumento fora de que deveríamos tê-las como uma manifestação de nossa vontade e o motivo era o mesmo: se forem coisas dignas e óbvias, que mal faria em externá-las? Não se poderia dizer aquilo que intimamente queremos, ou no decorrer do tempo poderíamos ser tentados a praticar exatamente o contrário daquilo? Funcionaria assim como aquele “Ato de Contrição” , no qual saímos do confessionário, pedimos perdão, recebemos nossa penitência de acordo com o grau ou gravidade do pecado confessado, e logo em seguida estamos praticando as mesmas faltas, quer por pensamentos, omissões, palavras e obras.

Afinal, quiçá em pensamentos ocultos se perguntavam: quem é essa empresa que agora quer posar como se fosse a única e última flor do pântano?

Naturalmente avesso a hipocrisias, e, nesses tempos onde vemos pulular a desfaçatez no cenário político nacional, questiona-se muito mais a necessidade de posturas e exemplos do que efetivamente se externar vontades.

Quando Julio César estava no Egito com Cleópatra, o senado romano exigia a presença de sua esposa legítima nas festas e cerimônias desacompanhada, como prova de fidelidade ao marido ausente. Tal fato deu origem ao ditado popular atribuído a Cícero: ‘a mulher de César não basta ser honesta, mas deve também parecer honesta’.

Mas, externar vontades nestes tempos, onde o justo, ético, honesto é tão cobrado, acredito que seja útil.

Há mais de cem anos atrás, nosso maior jurista e representante da diplomacia nacional, dizia :

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto. (Senado Federal, RJ. Obras Completas, Rui Barbosa. v. 41, t. 3, 1914, p. 86)

No final, tomada de maior coragem, a advogada de uma das empresas, a de maior peso nesse consórcio, pediu para que reconsiderássemos e reduzíssemos o texto em algumas poucas palavras, praticamente usando o primeiro parágrafo apenas, de forma que não fossem tão diretas.

Não concordei e não firmei o Acordo, prometendo levar de volta à minha empresa para uma maior avaliação.

Avaliado internamente, nossos jurisconsultos que haviam sugerido a cláusula, para não obstruirmos o andamento das negociações, achou por bem não manter a cláusula como originalmente proposta.

Mas acreditamos que a mensagem fora dada. Estamos numa luta desigual para resgatar o óbvio.

Apenas para que conheçam, o que pensamos corporativamente em nossa empresa, segue o texto da nossa cláusula de Compliance, e que nada impede que dela qualquer um faça uso.

“As Partes declaram que conhecem e comprometem-se a observar e cumprir, onde quer que seja e perante qualquer empresa, órgão, entidade ou terceiros, em que se apresentem em nome ou no interesse de qualquer uma das partes ou do Consórcio, as normas de conduta profissional abaixo definidas, que visam garantir que as partes conduzam seus negócios com ética e dentro da legalidade”.

Todas as regras e condições norteadoras da relação contratual estabelecida entre as Partes deverão estar reduzidas por escrito, devendo ser objeto de aditivo contratual quaisquer alterações que se façam necessárias.

As Partes, por seus sócios, diretores administrativos, executivos seniores, funcionários, representantes legais, terceiros que possam agir em seu nome, bem como quaisquer parentes próximos dessas pessoas não poderão manter relações, com quaisquer capacidades pessoais, comerciais ou de qualquer outra natureza, com nenhum funcionário público ou de empresa privada ou qualquer autoridade pública, pessoa agindo em capacidade oficial, partido político, funcionário de partido ou candidato a cargo político do Brasil, caso tal ato possa representar perigo de influência ilegal sobre os processos oficiais de tomada de decisões.

As Partes comprometem-se, ainda a:

a) prestar obediência às leis, ao sistema legal, às diretrizes e regulamentos aplicáveis, evitando violações puníveis, bem como aplicação de multas e outras penalidades;

b) preservar a imagem das Partes, comportando-se de maneira adequada e com urbanidade;

c) respeitar a dignidade pessoal, privacidade e os direitos pessoais de todos os indivíduos, com os quais mantenham relações;

d) não oferecer e nem receber vantagens monetárias ou de qualquer outro tipo a terceiros que não se justifique pela natureza da atividade desenvolvida;

e) agir com honestidade, lealdade, integridade, respeitando os princípios da boa-fé, evitando conflitos de interesse reais e aparentes, nos âmbitos pessoal e profissional;

f) elaborar relatórios e registros precisos e verdadeiros e de acordo com os princípios de contabilidade apropriados, se aplicável;

g) guardar confidencialidade em relação a assuntos empresariais internos que não tenham se tornado de conhecimento público, tais como informações quanto aos negócios, fabricação, pesquisa e desenvolvimento, aos quais tenha tido acesso;

h) não utilizar mão-de-obra infantil ou submeter seus empregados a condições de trabalho subumanas;

i) agir de forma responsável e de boa-fé, com o devido cuidado, competência, prudência e diligência, sem deturpar fatos ou permitir que seus próprios julgamentos e decisões sejam subordinados ou guiados por considerações diversas daquelas determinadas pelo presente termo;

j) promover o comportamento ético de forma pró-ativa, como parceiro responsável.”

Acaso seja encontrada nesse texto, alguma coisa que eventualmente possa conflitar com algum princípio de boa convivência ética e social, agradeceríamos a sua contribuição, no sentido nos ajudar em nossa contínua melhoria.

São Paulo, 15/09/2007

MARCO ANTONIO PEREIRA
Enviado por MARCO ANTONIO PEREIRA em 15/09/2007
Código do texto: T653398
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