Tempos sombrios ou à sombra da árvore

Toda experiência comunitária parece-nos um Tratado sobre Doxa. - Movimentos de palavras meticulosamente pronunciadas ao crível de verdade, raciocínios de uma ciência da experiência de vida, imprecações às autoridades governamentais, etc.; enfim, um conluio de estimas, confissões interiores que se elevam como fumaça, porque procede de um fogo inextinguível dentro do ímpeto de cada um.

Nesses casos, cabe ressaltar uma pergunta um tanto vertiginosa, endossada por um senso crítico: "onde está a verdade nesse imbróglio"? Devemos analisar a resposta num ponto específico, mesmo porque o famoso jargão, "ele que tem razão, etc." faz parte de um discurso, per si, cuja estrutura é do privilégio. Com isso, a verdade não pode ser comunicada através da doxa, como já anunciava os filósofos gregos, mesmo porque o "sarau de achismos" está vinculado à despreocupação com os silogismos, e sua consequência geradora de verdade. - A propensão, nesses espaços comunitários, é creditar, ao grito, o discurso, e não somente a verdade! Como num cenário de guerra - o discurso que é analisado para se criar o pavio da pólvora, para então vociferar o contraste de forças. Dessa forma, a verdade não reside no lucro derivado do discurso, na hermenêutica "bem elaborada", etc., antes a verdade só pode ser definida na análise dos termos cooptada à realidade em supura. E aqui retomo Aristóteles, para quem a verdade era um tipo de informação intrínseca ao objeto - o definindo autenticamente, através de silogismos.

E assim é configurada o romance de Álvares de Azevedo, Noite na Taverna, onde convivas emprestam seus lábios para ludibriar a realidade através da poesia, do amor ao ódio, do real ao místico/exotérico; e, a pergunta, "onde está a verdade?", parece soar com ecolalia, nos recintos etéreos dos cenários, como uma voz virtual sem corpo (conforme Deleuze e Guatari: Órgãos Sem Corpo), e induz o caráter filosófico até a última gota: não é a poesia que é o esconderijo da verdade, mas ela mesma cria uma ilusão para supura verdade. Percebe-se a sutileza do sofismo cujas coordenadas implicam o produto - a "poesia" das rodas de conversas (basta analisar o contexto da música Conversa de Botequim, de Noel Rosa e perceber que a poesia das letras escondem uma vida experimentada, como na música Garçom de Reginaldo Rossi), não são toda uma mentira mascarada de doxa, mas, inversamente, expressam o Real nos moldes melífluos da poesia/mito.

Então como discernir entre poesia e seu conteúdo mítico sempre-já ocultando a verdade? Esse processo gera sua própria metonímia, construindo um tecido perigoso, digno de discursos presunçosos eivados de privilégio elitista. Tomemos como suposição o seguinte fato: Numa roda de conversa conversa-se sobre política, e esculacham todo o sistema deficitário e corrupto, e sempre existe uma opinião que converge naquele político (fictício) de cunho ilibado. Nesse ponto já não é uma defesa, mas uma utopia mítica poética, tentando privilegiar um partido, mesmo uma pessoa, etc. O caso aqui é metonímico, fazendo do discurso poético a expressão da verdade. Para discernir é preciso, analisar em amiúde, o fato real ao poético quimérico, denunciar junto aos fatos a moldura da hermenêutica (analisar os pormenores, o contexto que rodeia a defesa: p. ex.: no caso da pessoa que defende certo partido, pessoa políticas, sempre encontrará um antecedente de uma doação: ou recebeu uma quantia, uma viagem, cestas básicas etc).

Celso Júnior
Enviado por Celso Júnior em 31/12/2018
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