Utopias Desobedientes 


Este texto surgiu de uma discussão online onde as pessoas argumentavam sobre Henry David Thoreau e sua utópica, porém não menos valiosa, obra. Li dois de seus trabalhos: Walden e A Desobediência Civil. Gostei de Walden, pois fala da vida entre as belezas da natureza e as importantes reflexões que momentos de solidão e contemplação podem nos trazer.

Porém, temos que levar em conta dois fatores:

-A propriedade rural na qual Thoreau construiu sua cabana minimalista para provar sua teoria, era emprestada do amigo Ralph Waldo Emerson. Finda a experiência, que durou dois anos, ele retornou para a cidade a pedido do proprietário da casa.

- Algum tempo depois de ir viver lá, ele foi preso por não pagamento de impostos ao Governo americano “opressor e capitalista”, mas teve sua fiança paga pela tia. Caso contrário, teria ficado na prisão durante bastante tempo, pois todos sabemos que sonegação de impostos nos Estados Unidos dá cadeia.

Ou seja: teorias bonitas e utópicas funcionam muito bem quando temos amigos e parentes ricos que as sustentem. Viver na natureza, em total desobediência civil, pode ser uma experiência enriquecedora que irá funcionar muito bem por algum tempo, mas não durante uma vida inteira, e jamais em larga escala. E mais enriquecedora ainda será tal experiência quando aquele que a desfrutou puder escrever livros e garantir sua sobrevivência através deles – Thoreau ganhava a vida como professor de Liceu, segundo consta em sua biografia.

As pessoas parecem pisar em nuvens de éter nos dias de hoje. Talvez devido ao mundo violento em que vivemos, aos problemas econômicos, políticos e sociais que enfrentamos, exista em todos nós um desejo de encontrar soluções rápidas e mágicas para nossos problemas. Daí surgem os gurus, as novas religiões e as novas práticas. Porém, tenho observado que todos os gurus têm vidas curtas – basta ver o que aconteceu recentemente em Abadiânia.

A teoria bonita e vazia de que o pensamento positivo tudo pode, tudo cura e tudo cria, morre no exato momento em que os gurus e líderes religiosos que as pregam precisam de tratamentos médicos em hospitais regulares, usando a medicina alopática. Ou então quando seu lado humano e imperfeito vem à tona – e ele quase sempre vem; quando não vem, é porque eles o souberam esconder muito bem, o que está ficando cada vez mais difícil em tempos de internet, celulares com câmeras e filmadoras que gravam tudo e postam em redes sociais.

Acredito piamente que o pensamento positivo e os tratamentos alternativos sejam essenciais para todo aquele que quer ter uma vida feliz e saudável, mas eles não resolvem problemas econômicos nem salvam ninguém de uma doença grave, embora possam ajudar-nos a enfrenta-la com coragem e até mesmo ajudar na cura.

Sejamos realistas: viver em meio à natureza pode ser bonito e mágico durante alguns dias, quem sabe, alguns meses, mas logo sentiremos falta de tudo o que o progresso pode nos fornecer: água corrente, eletricidade, conexão de internet, ar condicionado, aquecedores, etc... porque nós nascemos para progredir, e não para ficarmos estacionados no tempo.

Nossos espíritos querem fluir, mas ao mesmo tempo, para que isso aconteça, precisamos ter condições de bancarmos os nossos corpos. Ninguém será feliz dormindo em um buraco no meio de uma floresta.

A Bed Peace de John Lennon e sua histórica canção “Imagine” são lindas utopias que nos fazem lembrar de coisas essenciais ao espírito; mas não nos esqueçamos de que ele passou seus últimos dias em um país capitalista, desfrutando dos confortos de um apartamento luxuoso com vista para o Central Park.

Tudo é muito bom quando temos a cabeça nas nuvens e os dois pés bem plantados no chão.



 

 
 
Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 12/02/2019
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