Etimologia da Língua Portuguesa Nº162

Etimologia da Língua Portuguesa por Deonísio da Silva Nº162.

Chove não molha formou-se de chover, do Latim vulgar plovere, e de molhar, do Latim vulgar molliare. Miserável originou-se do Latim miserabilis, digno de compaixão, muito pobre, desgraçado, infeliz, a quem falta tudo, tendo também o sentido de desprezível, objeto, torpe.

Assar: do Latim assare, preparar a comida no calor do fogo, seja apenas expondo-a ao calor, as labaredas ou a uma temperatura muito quente, como se faz com a carne, seja colocando-a no forno: assar churrasco, assar vivos os condenados, como fazia a Inquisição. O fogo e a linguagem são tidos como os dois maiores inventos humanos. A fogueira e a comida partilhadas por várias pessoas levou a Humanidade a ser mais tolerante, solidária e compassiva.

Chove não molha: de chover, do Latim vulgar plovere --- no Latim culto é pluere ---, e de molhar,do Latim vulgar molliare --- no Latim culto é mollire. Antes do último Acordo Ortográfico, tinha hífen: chove-não-molha. O étimo latino está presente também no Francês pleuvoir, no Italiano piovere, mas no Português mudou a pronúncia inicial para “cho” e no Espanhol llovere para “llo”. Designa situação indevidamente prorrogada, que jamais se resolve, que utiliza o tempo como metáfora, pois, se chove, molhar; então, se choveu e não molhou, não resolveu, é como se não tivesse chovido. A expressão aparece nestes versos dos cantores sertanejos da banda Pedro Henrique & Tiago: “Sai desse chove não molha/ eu já cansei de papo, já cansei de história/ Você diz que me ama depois me ignora/ Mas sei que tudo isso é da boca pra fora”.

Da boca pra fora: de boca do Latim bucca, e de foras, formou-se esta expressão para designar o contrário do dito “a boca fala do que há em abundância no coração” (“ex abundantia cordis os loquitur”, dando conta de que há vínculos fortes entre o que se diz e o que se sente ou se pensa. Da boca pra fora é quando é dito o que não se sente nem se pensa , que pouco ou nada significa, sem sentido. O Latim diferenciava “ e este segundo ‘bucca”de “os” e este segundo étimo, como o genitivo é “oris”, resultou em palavras ligadas à boca, como “orare”, orar, sinônimo de rezar ( do Latim recitare) , fazer uma prece ( do Latim prex, declinado em prece, pedir, agradecer; “oral”, como em “prova oral”, em que o examinado comprova que sabe o que disse saber na prova escrita; e “oralidade’, sinônimo do que se fala coloquialmente, mas que tem versão diferente quando escrito.

Fora: do Latim foras, isto é, do lado exterior da casa, mas longe, além da porta, porta, não apenas fora do vestibulum, entrada, soleira, ou do ostium, entrada. Foras, cuja grafia foi mantida no Português arcaico com “s” final, era o lugar onde estavam os prédios públicos como templos, mercados e palácios com fins específicos, como o da Justiça e do direito. Pôr alguém para fora era enxotá-lo pra lá, pra longe da casa onde tinha entrado ou queria entrar. O étimo está presente em fórum, do Latim forum, praça pública onde ficava o Judiciário, presente também em desaforo, coisa indigna de ter foro, isto é, de ser discutida na Justiça, à luz do Direito, ou resolvida fora dos tribunais forenses, isto é, na via, rua, ou na platea, rua larga, que deu praça no Português. “Não levar desaforo para casa” é resolver nesses lugares eventuais litígios e conflitos, ainda que fora do fórum.

Miserável: do Latim miserabilis, digno de compaixão, pobre, infeliz, desgraçado, a quem falta tudo, tendo também o sentido de objeto desprezível. É do mesmo étimo de misericórdia e misericordioso. Os Miseráveis é o título de um dos livros referenciais do escritor, dramaturgo e estadista francês Victor Hugo (1802-1885), de grande atuação social e política, nascido em 26 de fevereiro, há 213 anos, cujos os 130 anos de morte foi celebrados em 2015. A obra, em cinco volumes, foi lançada em 1862, simultaneamente em Paris, Budapeste, Leipzig, Bruxelas, Milão, Varsóvia e no Rio de Janeiro. Muitas pessoas se chamam Vitor, Hugo ou Vítor Hugo porque seus pais, avós ou outros parentes foram leitores dele.

Tostar: do Latim tostare, levar ao fogo o alimento. Para comê-lo. De outra parte, em vez de mastigar cinco horas por dia, como fazem os chipanzés, bastou mastigar por meia hora, além de levar ao estômago alimentos já livres de toxinas, mais saborosos e mais nutritivos. O homem aprendeu a cozinhar há 2,5 milhões de anos, segundo os antropólogos.

Deonísio da Silva, da Academia Brasileira de Filologia, recebeu o Prêmio Internacional Casa de las Américas, em júri presidido pelo escritor português José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura. Escritor, professor e doutor em Letras pela USP, é professor (aposentado) da UFSCar (SP), curador de Língua Portuguesa da Universidade Estácio de Sá (RJ), onde ministra videoaulas, diretor-adjunto da Editora Unisul (SC) e colunista da Bandnews, com Ricardo Boechat e Pollyanna Bretas. Livros de sua autoria estão publicados também no exterior. É autor de De Onde Vêm as Palavras (17ª edição) . www.lexikon.com.br

Revista Caras

2015

Doutor Deonísio da Silva
Enviado por zelia prímola em 15/02/2019
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