Reflexões sobre a Revolução Francesa

A história da Revolução Francesa é complexa, como aliás toda a tentativa de recriar eventos políticos do passado. Estamos muitas vezes perdidos na análise de motivações, sendo muitas vezes obrigados a fazer suposições que não correspondem necessariamente à realidade dos fatos ocorridos. Mais que outros fatos históricos, a Revolução Francesa é vista de modo diferente conforme a tendência política do historiador.

A Revolução Americana decerto inspirou a Revolução Francesa na formação de seus princípios, quando afirma que “todos os homens são criados iguais”. Contudo, a Revolução Americana não recebeu o mesmo crédito que a Revolução Francesa, que ficou mais conhecida e lembrada pelos principíos que enunciou, e que são reconhecidos até hoje, notadamente a “Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão”. Na realidade, na época em que foi enunciada, essa declaração pouco serviu ao homem comum Por exemplo, “todos os homens nascem livres e iguais nos seus direitos”. E como isso foi então aplicado na época? Não foi! A escravidão francesa no Caribe prosseguiu. E quanto a anunciar que a a lei passa a ser a expressão da vontade geral – e não de um só homem, o rei - , quem garante que a lei será mesmo expressão da vontade geral. Princípio que também não foi aplicado na prática, uma vez que só podia votar quem pagava uma certa quantia de impostos, o que garantia que só as pessoas com posses podiam participar do processo político. Data da mesma época lei que proibia reunião de operários interessados em defender seus direitos.

De fato, a Revolução francesa traz para a cena política a chamada burguesia, que por intermédio de atividades produtivas passa a ser uma potência econômica e reclama, como parece ser natural, uma parcela de poder, que a nobreza detém de modo exclusivo. A burguesia é composta de profissionais liberais, comerciantes, banqueiros, donos de manufaturas. A nobreza, proprietária de terras, não paga impostos. Certas posições na burocracia e no exército são reservadas exclusivamnte para os nobres. O clero, também detentor de grandes propriedades, cobra dízimo, que na realidade se eleva a 20%, o que faz da Igreja uma instituição riquíssima. Toda o peso da taxação recai sobre a burguesia e o grande povo. O chamado Terceiro Estado na realidade é composto de dois Estados diferentes, o Terceiro, que compreende a Burguesia, e o chamado Quarto Estado, na época não reconhecido oficialmente então, que compreende trabalhadores de manufaturas e camponeses que trabalham por jornadas. Assim, os interesses dentro do chamado Terceiro Estado não só são distintos como antagônicos.

A famosa queda da Bastilha não teria sido um movimento popular expontâneo de revolta, mas um movimento impulsionado pela burguesia, após ter o Rei demitido o Ministro responsável pelas finanças, Necker, e inaugurado movimento reacionário destinado a bloquear a idéia do estabelecimento de uma constituição que limitaria seus poderes. Necker era popular, e o povo viu em sua demissão um ato contra seus interesses. O que não era o caso, foi uma percepção equivocada, pois Necker estava mais ocupado a emprestar dinheiro ao Rei por intermédio de seu banco. A burguesia distribuiu então fusis e pólvora ao povo, a Bastilha caiu, e o Rei apavorado voltou atrás.

Os historiadores dizem que nenhuma revolução surge do nada. O fato é que nas últimas décadas do Século XVIII as revoltas populares se multiplicaram na Europa, incluindo a própria França, Paises Baixos, Inglaterra e Suiça, motivadas por condições muito precárias de vida. Não revoltas fomentadas pela Burguesia, mas revoltas populares que a própria Burguesia via com indisfarçado temor.

Mas a Burguesia de alguma forma percebeu que poderia usar a insatisfação popular para seus fins, pois o povo já estava descontente com o preço do pão que, em 1789, já não deixava sobras no orçamento para o trabalhador adquirir roupas ou até mesmo pagar um lugar onde morar. O que nós estamos assistindo é a luta de uma nova classe, a Burguesia, para, pelo menos, compartilhar o poder com o rei e a nobreza. Mas a Burguesia não consegue fazer isso sozinha. De forma que vai usar a classe proletária e camponesa para suas finalidades, criando nelas a ilusão de que, ao final de uma revolução, teriam uma vida melhor.

Muitos historiadores consideram que a chamada “Revolução” de 1789 não foi efetivamente uma revolução, mas uma revolta burguesa que impôs uma constituição limitadora dos poderes reais. Limitadora porque o rei ainda seguia possuindo poder de veto que só depois de certo tempo poderia ser derrubado. A verdadeira revolução ocorrerá em agosto de 1792, com a abolição da monarquia e criação do Tribunal Especial, que posteriormente transformado no Tribunal Revolucionário. A Revolução é completada em janeiro de 1793 com a execução de Luís XVI, símbolo vivo do regime descartado.

Foi o Ano I da República. A partir de 1793, a Revolução dá uma quinada para a esquerda, adotando medidas como a lei do preço máximo para o pão e outros produtos de primeira necessidade, abolição dos direitos feudais, criação do Comitê de Salvação Publica e venda dos bens dos emigrados. Mas em julho de 1793, uma outra lei contraditória a essa tendência é aprovada, limitando o valor dos salários, medida, que se entende, compensatória da limitação de preços. Em setembro de 1793 começa o chamado período do “Terror”, sobre o qual Robespierre, agora no Comitê de Salvação Pública, com composição predominnate de esquerda (“Montagnards”), é visto como principal responsável. Como parte do “Terror” foi vitíma Maria Antonieta.

O ano de 1794, assiste ao fim de período em que abrange a Revolução Francesa, com o acirramento do “Terror”, liquidação de Herbert e seus seguidores, e de Danton. 1794 também assiste a uma abolição tardia da escravidão, que não foi contemplada pela Declaração de Direitos do Homem. Finalmente, os deputados conservadores, em oposição às medidas de Robespierre em favor do povo, espalham lista falsa de políticos da Convenção a serem guilhotinados pelo “Terror”, o que leva ao movimento do 9 Thermidor (27 de julho), em que Robespierre e seus amigos mais próximos são presos em plena sessão da Convenção. Depois de breve tentativa de resistência na Prefeitura de Paris, Robespierre seus seguidores mais próximos são guilhotinados. O povo reclama, e o “Terror” chega ao fim.

Em conclusão, a Revolução Francesa teve uma fase em que prevaleceu os interesses da burguesia, que utilizou a massa popular para atingir seus fins. Posteriormente, a burguesia mais conservadora foi reprimida (“Girondinos”) e a Revolução adquiriu uma postura que hoje seria vista como de esquerda com ênfase no apoio às reivindicações populares, com Robespierre e Saint Just. O "Terror", dirigido a supostos "contrarevolucionários", terá sido uma maneira de Rosbepierre impor idéias que hoje seriam consideradas como de proteção social a uma burguesia que não estava preparada para aceitá-las. Rosbepierre, que se considerava discípulo de Rosseau, é acusado de ter tentado impor sua orientação política à sociedade por intermédio da liquidação física de seus opositores na guilhotina. De outro lado, Danton, grande líder popular da Revolução, é acusado de ter sido nada mais do que um corrupto - como ficou depois provado - personagem que, embora recebesse dinheiro de Luís XVI, cada vez mais voltava o povo contra a monarquia, segundo dizem, para aumentar o seu preço.

Ugly
Enviado por Ugly em 28/02/2019
Reeditado em 04/09/2022
Código do texto: T6586357
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