Palacio dos Távora em Mirandela

Os Marqueses de Távora.
 
A madrugada do dia 13 de Janeiro de 1759 (dia aziago por natureza)  surgiu mais depressa do que de costume. Desde o primeiro cantar do galo, na escuridão do quarto ela se sentou na beira da cama para rezar a sós!.
- Era a sua última conversa com o Pai do Céu todo poderoso antes de comparecer, em pessoa, para pedir a benção e a absolvição Divinal.
As nuvens da aurora elevaram-se em castelos fantasmagóricos por entre os telhados da velha – agora em reconstrução total – capital do reino, e a Marquesa escolheu criteriosamente a sua melhor atitude para o encontro com o seu destino!.
Enquanto os carregadores na Nobre Casa dos Távoras de Mirandela aguardavam no pátio, começaram a cair uns aguaceiros glaciais que lhe distraiam a atenção momentânea das coisas terráqueas,  e ela se sentou na Cadeirinha que a transportou até ao Cadafalso que tinha sido construído durante a noite e porisso ainda estavam húmidos, escorregadios, as aspas e os tormentos gotejavam sobre as tabuas de pinho fresco. Às vezes, rajadas de ventos trazidos pela ruas de acesso ao Mar da Palha em pleno Tejo Lisboeta sacudiam ligeiramente os postes do altar de sacrifícios reais da Coroa de Sua Majestade o Rey Dom José I.
Uns homens da plebe que bebericavam uns goles de aguardente para espantar o frio, soltavam gargalhadas para espraiar o fervor da curiosidade da alma, e mais ainda para os deixar de sonhar, enquanto ti tiritavam de frio iam sacudindo ligeiramente os encerados enquanto uma falua descarregava barricas de alcatrão e cavacos de lenha, no cais que ficava em frente ao tablado mortal.
Por volta das 6 horas e 42 minutos, ainda mal se vislumbravam os contornos dos beirais dos telhados na contra-luz da aurora, um esquadrão de Dragões exibiam as espadas na cintura,  que cintilavam inquietantes raios de luz temerosa de aparecer para ver o espetáculo que se anunciava terrivelmente fúnebre!... numa majestosa nudez de sentimentos de qualquer espécie, a mostrar os rigores da Lei que nasceu para se cumprir ali naquele dia, áquela hora.
O patear dos cavalos nas pedras do calçamento “pombalino”  ecoava nos ouvidos da Marquesa que surgiu dentro da Caixa Preta, carregada em ombros de Gentis Pagens trazidos das Colônias e dela se apeou a Dama Imponente na sua Majestosa Figura de Mulher, e ela vinha amparada pelos ombros por dois Padres, que oravam em voz baixa, práticamente num sussurro.
-  Deus tenha piedade de Vossa Alteza Marquesa.
-  Deus Pai Nosso Todo Poderoso, criador do Céu e da Terra, tende piedade!
- A Marquesa dispensou o amparo dos dois Padres. Então apeou-se da Cadeirinha, e ajoelhou no primeiro degrau do Tablado onde já se encontravam em volta os Juízes Algozes do crime, alegadamente cometido pela Mulher, (anos mais tarde se concluiu que tudo não passou de uma bem engembrada alcovitice palaciana, perpetrada pelo Oponente do Primeiro Ministro do Reino mais poderoso da época no Reino de Portugal e dos Algraves D’Aquem e D’Além Mar em África America e Oceania. Rico, em bens materiais e não menos espirituais), e enquanto ela rezava ajoelhada, sempre acompanhada de perto pelos dois padres, martelavam-se os postes, aparafusavam-se as rodas, faziam-se os últimos ajustes! Pois que tudo tinha que sair prefeito! – A morte não admite falhas! ou é completa,  ou não é!  
- Trajava Cetim escuro, fitas nas madeixas de cabelo que lhe caíam pelas temporas, grisalhas, diamantes nas orelhas, e num laço de cabelos, envolta numa capa alvadia roçagante!... ela subiu os degraus com os olhos postos num ponto indefenido do horizonte,  que se vislumbrava além das tranqüilas águas remançosas do Tejo, a beijar a Barra de São Julião.
--- Assim ela tinha sido presa um mês antes, e jamais lhe tinha sido permitido trocar de camisa, nem o lenço do pescoço.
- No alto da escada receberam-na três Algozes que a mandaram fazer um giro no cadafalso, para ser bem reconhecida pela populaça que, a esta altura, já se aproximava... vinda das ruas vizinhas, na sua maioria para ver de perto a acusada de ser Amante do Rei...e de caminho assistir à sua execução macabra.
     Depois mostraram-lhe por miúdo os instrumentos que haveriam de, mais tarde, naquele mesmo dia, matar o seu Marido, os seus filhos e o Marido de sua Filha. - Mostraram-lhe o maço de ferro que haveria de matar-lhe os entes queridos, com pancadas na arcada do peito, as tesouras ou aspas que deveriam quebrar-lhe os ossos das pernas e dos braços, e explicaram a ela como era que as rodas operavam o garrote que apertava ao desancar o arrocho... então a Marquesa sucumbiu!
 - A Marquesa Chorou copiosamente e pediu que a matassem depressa.
O algoz mandou-a sentar num banco de pinho, no centro do cadafalso e horrorosamente, devagar, vagarosamente tirou-lhe a capa que dobrou muito vagarosamente.
Pôs-lhe uma venda na cabeça e ao afastar o lenço, a Marquesa ainda reclamou!... não me descomponhas! E antes de inclinar a cabeça que lhe foi decepada de um só golpe!.
Por entre as nuvens sobre o Céu do Mar da Palha, quase com vergonha de iluminar o espetáculo macabro que acabara de acontecer, tímidos Raios de Sol – do Astro-Rei – quiçás a Mando do Arcanjo Metatron apontaram por cima do corpo inerte da Marquesa e o POVO desandou na direcção do Cais da Ribeira para mais um dia na vida de cada um. 
Autor: Silvino Dos Santos Potêncio.   
 
Ensaio Literário de Silvino Potêncio
Fonte Bibliográfica : “Memórias Secretíssimas” do Marquês de Pombal (Sebastião José de Carvalho e Melo) – Primeiro Ministro de Portugal a Serviço do Rey Dom José I.



 
Silvino Potêncio
Enviado por Silvino Potêncio em 29/03/2019
Reeditado em 23/07/2020
Código do texto: T6610693
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