TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS DA LIJ


                                                                   Camila Maria Silva Nascimento
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
 
A cognição e a aquisição leitora da criança, em estágio inicial, envolve  três tipos de problemas significativos na aprendizagem e na alfabetização das crianças: dificuldades para aprender a ler; as que leem de forma passiva e aquelas que têm dificuldades de compreensão. O trabalho com as obras literárias pode entrar nesse contexto processual, ao facilitar o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita. Ele oferece possibilidade de novos olhares e gestos que podem causar transformações afetivas, bem como efetivas no trabalho do docente. Para isso, ele precisa escolher textos que interajam, por exemplo, com a literatura, a cultura e a realidade do aluno, levando em conta a linguagem, em sua face artística, simbólica e metafórica que falam à imaginação.
Márcia Leite, escritora, educadora e diretora da Editora Pulo do Gato, que há seis anos pauta suas publicações, também, em livros com temáticas sociais,  temas sobre os refugiados ou as tragédias, assim expressa: “entendo que literatura não é para ensinar a ser assim, a pensar assim, a fazer assim. O texto literário não pode estar associado ao propósito do didatismo. Querer ‘ensinar’ pela literatura é dar a ela uma atribuição que não lhe compete e que a reduz”. Nesse sentido, entendemos que o trabalho com a literatura deve ser de pura gratuidade, de puro entretenimento e muito, mas muito lúdico.

E SOBRE OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS DA LIJ?
Ainda que considerados difíceis, temas como o preconceito, a separação dos pais e outros como os que tratam das guerras e dos refugiados, das tragédias ambientais, do trabalho infantil, dos novos formatos de famílias são abordados por autores que escrevem para crianças e jovens.
Para a sorte desses, muitos autores e editoras com foco nessa faixa etária têm olhado,com muito cuidado, para tais temas. Contrapondo a uma onda de superproteção, eles fazem questão de usar caminhos poéticos por meio de narrativas ficcionais para tocar em assuntos considerados tabus, sem deixar transparecer um discurso didático ou moralizante. Por mais que encontremos, hoje, dezenas de livros nacionais e estrangeiros que toquem em questões contemporâneas de nossa sociedade não é de agora que a prática faz parte da literatura para essa clientela.
Monteiro Lobato, no Brasil, foi o precursor de um tipo de literatura infantil mais questionadora. Ele levava às narrativas do Sítio do Pica-Pau Amarelo reflexões que, na maioria das vezes, não faziam parte das conversas com as crianças. Ainda em 1942, o escritor registra em A Chave do Tamanho as percepções do menino Pedrinho que começa a ler, no jornal, e para a sua avó Dona Benta, notícias de novos bombardeios em Londres  – "Novo bombardeio de Londres, vovó. Centenas de aviões voaram sobre a cidade. Um colosso de bombas. Quarteirões inteiros destruídos. Inúmeros incêndios. Mortos à beça”. (LOBATO, 2008, p. 15)
Quando se quer ensinar ou sensibilizar as crianças sobre determinado assunto, o adulto (autor ou mediador do livro) se vê em um dilema. Seria necessária a verdade crua e nua, tal qual uma notícia de jornal? Ou teria um efeito melhor e uma delicadeza mais adequada abordá-la de forma poética e criativa? 

O PROCESSO DE CRIAÇÃO NO BRASIL

Questionamentos desse tipo alimentam o processo criativo de alguns escritores, a exemplo disso, Eva Furnari que, para confeccionar o livro Drufs passou por um longo período de experimentações de diversas técnicas visuais e textuais, uma sucessão de tentativas e erros que foram configurando o que a obra se tornaria. E se as crianças, em uma prática de redação na escola, pudessem descrever as características físicas e emocionais de suas próprias famílias? Por meio do humor e da irreverência que marcam as produções de quase 40 anos de carreira, Eva apresenta personagens particulares que falam de conflitos e diferenças próprias de todos nós.
´´E a própria Eva quem afirma: “o tema dos diversos tipos de família apareceu naturalmente. Quando a mente está ocupada com criança e educação, o tema brota não de maneira didática, mas simbólica”. Segundo a autora, o enredo principal do livro foi a última ideia a surgir. Ela foi descrevendo e criando as famílias e sempre sentia que estava em lugar de julgamento. Um dia, ela teve um estalo e pensou na ideia de as crianças falarem sobre suas famílias. Depois, imaginou que isso pudesse ocorrer em forma de redação. Só no final surgiu a irreverente professora Rubi, que pede a tarefa no início do livro. “Foi do fim para o começo”, fala Eva.
Essa forma de criação não é por acaso. Faz parte do processo de um artista em diálogo com o que uma sociedade apresenta e precisa veicular. Não precisa ter a intenção pedagógica, muito menos de provocar uma única interpretação. A boa literatura infantil não pode ser diferente.
Leo Cunha, escritor mineiro e autor de dezenas de livros para crianças, fala que: “felizmente está longe o tempo em que predominava (na poesia e na prosa) um tom edificante e didático, com temas e enfoques que favorecessem o ensino de lições de moral, de bons modos, de civilidade, civismo”. Ele acrescenta que “não conseguiria fazer um livro eminentemente informativo, ou de denúncia, ou que buscasse uma lição de moral. Para mim, um tema impactante – política, social ou eticamente – não se sustenta por si só”. Cunha também assina uma das obras mais impactantes do segmento no Brasil: Um dia, um Rio, com André Neves.
A obra aborda, com texto e imagens, a tragédia de Mariana de forma enfática e sensível, sem concessões à criança, embora dê um tom de esperança no final da narrativa. “Em uma obra que se quer literária, a forma também deve ser marcante. Quando digo forma quero dizer as opções dos autores (escritor, ilustrador e editora) quanto à linguagem, à estrutura, ao ponto de vista, ao que se mostra e o que se deixa para a imaginação, intuição ou sensibilidade do leitor”, afirma Cunha.
Roger Mello, um dos mais importantes autores de literatura infantojuvenil – único brasileiro a vencer, como ilustrador, o Prêmio Hans Christian Andersen (espécie de Nobel do livro infantil), publicou vários livros com temáticas fortes sobre o lugar da infância em nossa sociedade, utilizando sua habilidade bem particular de contar histórias potencializando textos e imagens. Carvoeirinhos, de 2009, é um deles. As páginas pretas que ocupam quase todo o livro alternam-se com tons de cinza, referentes à fumaça e fuligem, e outros em rosa e laranja, simulando um fogaréu no meio do livro. O cenário é uma carvoaria onde crianças trabalham. O narrador é um marimbondo que ronda o lugar e se compara ao ser humano e sua vida.
Mello trata da falta de opção da criança, sugere corrupção na fiscalização do trabalho infantil. O autor trabalha com a poesia e as suas representações para fugir do discurso direto, o que faz com que a leitura seja mais interessante e provoque reflexões. Diz ele, em uma entrevista ao jornal O Estado de São Paulo: “é minha maneira de não tornar esses textos panfletários e ir além do bem e do mal. É pensar que muitas vezes existe uma criança que não é passiva, para não transformá-la em estatísticas. No caso do trabalho infantil é muito difícil não cair no panfletário, mas ser panfletário é a morte da ficção”.

O PROCESSO DE CRIAÇÃO NO MARANHÃO

Precisamos colocar em pauta a leitura de obras literárias que elencam o folclore e a cultura maranhense. Nesse sentido, temos a vasta coleção de livros de Wilson Marques e de Lenita Estrela de Sá, com destaque para A Filha de Pai Francisco.
Falar de lendas é falar de história, de literatura, de cultura. É relembrar os momentos de infância, nas rodas de conversa em noites de lua cheia, com uma pitada de medo para dar veracidade aos fatos narrados. Muitos se dizem vítimas ou testemunhas das histórias sobrenaturais, em que os personagens eram/são seres estranhos, raros, cujo desejo era cometer a maldade.
Conforme esclarece Barbosa (In: CASCUDO, 2002, p. 7), “as lendas existentes no mundo, os apólogos, costumes, superstições, tudo está unido à tradição popular, fazendo parte da alma e da essência de um povo, princípio de suas aspirações, base de sua literatura”. E a contação desses fatos maravilhosos fazem parte da tradição popular, pode-se dizer, patrimônio imaterial da história da humanidade, pois, no panorama cultural há um agrupamento de manifestações de natureza intocável, que misturam fatos históricos, naturais e sobrenaturais, e que se exprimem nas reminiscências como preservação e, na oralidade, como meio de propagação.
Desse conjunto imaterial surgem os mitos e as lendas, que compõem traços característicos de um povo, porque fazem parte do seu folclore. Cascudo (2004, p. 11) lembra que: “nenhuma ciência possui maior espaço de pesquisa e aproximação humana. Ciência da psicologia coletiva, cultura do geral no Homem, da tradição e do milênio na Atualidade, do heroico no cotidiano, é uma verdadeira História Normal do Povo”.
Encontramos no universo infantil farto esteio de magia, portanto, se esse material for bem trabalhado em um livro, seja entre rimas de um poema ou entre as linhas de uma boa narrativa em prosa, ele, decerto, contribui bastante para a formação de pequenos cidadãos, bem como para desenvolver o seu potencial leitor. Pensando assim, alguns maranhenses descobriram esse nicho, dedicando-se à literatura infantil e publicando livros em poesias ou prosa, que trazem temas voltados para o universo da criança, não somente ligados ao folclore e à cultura, e, também, sobre a inclusão social.

VAMOS CONHECER ALGUMAS PUBLICAÇÕES

Coleção Incluir – Sharlene Costa. Esta conta com quatro livros que trabalham a educação inclusiva e a conscientização humanizada. “em cada livro em que venho trabalhando eu abordo um tema, como deficiência visual, auditiva, intelectual e física. Esses temas são de extrema importância para o desenvolvimento das crianças, perante todos esses assuntos”, fala Sharlene. As obras são: Olhando com Ritinha (Deficiência Visual), Ouvindo com Vitória (Deficiência Auditiva), Caminhando com Paulo (Deficiência Física) e Aprendendo com Biel (Síndrome de Down).
Com ilustrações da própria escritora, os livros de Cléo Rolim, também trabalham a inclusão social, valores e respeitos, ensinando crianças desde cedo como proceder com o próximo. “Nos meus livros trago lições, principalmente a de que não precisa ser igual para ser amado”, explica a escritora.
O gato que queria ser sapo – Cléo Rolim. É a história de
Gatusco, o gato malabarista, criado no circo e rejeitado por seu avô. Ele sai pelo mundo em busca de sua identidade e tenta se tornar aquilo que não é para ser aceito e agradar aos outros.
Miguel na terra das cores – Cléo Rolim.
“Como seria um mundo todo amarelo?” Essa é uma pergunta que sempre vinha à mente do Miguel. Aos seis anos de idade e uma personalidade forte de quem sabe o que quer, o menino é um garoto que só gosta do amarelo. Ele vai viver uma experiência em vários mundos, sob o viés de uma única cor que o faz repensar sua forma de ver seu próprio mundo.
As aventuras de uma gotinha d’água – Natinho Costa Fenix. A narrativa é sobre uma gotinha d’água que nasceu no ribeirinho, mas tem um projeto de vida ambicioso e grandioso: largar o ribeirinho e morar no oceano. Ela inquieta o Criador com os seus questionamentos, chegando ao ponto de ser transformada em um peixinho. Em sua chegada, no oceano, ela vai viver os apuros da vida e passar pela famosa cadeia alimentar. Ela se arrepende e volta novamente a inquietar o Criador: quer novamente ser uma gotinha d’água e viver feliz em seu oceano.
O livro é um paradidático que pode ser adotado para trabalhos individuais ou em equipe nas disciplinas Educação Ambiental, Educação Religiosa e Filosofia nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
O pequeno Poeta – Neurivan Souza. Uma seleção caprichada de poemas dirigidos a uma faixa etária que gosta de poesia. Explana o escritor que: “a ideia de trabalhar o gênero poesia é formar pequenos leitores, já que existem poucos. É algo que deve ser trabalhado principalmente nas escolas”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há uma plêiade de poetas como Cecília Meireles, Mario Quintana, Vinicius de Morais José Paulo Paes, Ferreira Gullar, e, romancistas como Rachel de Queiroz, Érico Veríssimo e Josué Montello que, também, escreveram legítimas joias em versos e prosa para o deleite da garotada infantojuvenil.
Isso porque as imagens que os textos desenham, sejam em versos que brincam, rimam e sonorizam as palavras ou em narrativas que falam de aventuras, experiências, medos, viagens... Todos eles contam e humorizam, pela linguagem em sua forma artística, autênticas brincadeiras que alimentam a alma.

REFERÊNCIAS

https://www.recantodasletras.com.br/artigos-de-literatura/6654910/
https://imirante.com/namira/sao- luis/noticias/2018/03/04/ https://oimparcial.com.br/noticias/2017/07/maranhenses-se-dedicam-a-livros-voltados-para-a-lieratura-infantil/
https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,o-contemporaneo-na-literatura-infantil,70002045151
Camilamsn
Enviado por Camilamsn em 11/06/2019
Reeditado em 22/08/2019
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