A UTOPIA
A ideia da utopia
A utopia se define como sendo um lugar ou estado ideal, de completa felicidade e harmonia entre os indivíduos. Ou seja, um paraíso terrestre, que se subsume á qualquer descrição imaginativa de uma sociedade ideal, fundamentada em leis justas e em instituições verdadeiramente comprometidas com o bem-estar da coletividade. Portanto, é uma idealização político-sociológica, que tem raízes nas primeiras manifestações de organização social pensadas pela humanidade, no seu desejo de encontrar uma forma perfeita de convívio social.
A realização fática de um estado utópico é um arquétipo que habita no inconsciente coletivo da humanidade desde os primeiros momentos de sua experiência civilizatória. Iremos encontrar esse conceito em praticamente todas as civilizações antigas, como um ideal a ser atingido, seja em um contexto puramente espiritual, como nos sugere a Bíblia, com a sua descrição de um paraíso terrestre, ou a República de Platão, idealizada estrutura de um estado perfeito, seja numa concepção político-sociológica, como foram desenvolvidos em vários estados antigos, como o Egito dos faraós, antes da conquista de Alexandre, as cidades gregas, principalmente a de Esparta, e especialmente o estado israelita idealizado por Moisés e construído pelos heróis bíblicos em séculos de lutas e perseguição desse sonho.
Todas as concepções utópicas têm em comum uma base religiosa, como veremos, mas no fundo, objetivam uma formulação real, que às vezes se efetivam em estruturas políticas e sociais, outras vezes não. Algumas, como a já citada República de Platão, a Utopia descrita pelo humanista Thomas Mórus, a Cidade do Sol, de Tommaso Campanella, as visões de Voltaire em sua obra “Cândido”, são apenas visões quiméricas de filósofos, que jamais saíram do papel. Outros, como o sonho americano dos pioneiros que colonizaram a América do Norte, o delírio de Hitler com o seu nacional-socialismo, ou a quimera comunista idealizada por Marx e Engels, tão elogiada por poetas como Pablo Neruda e Maiakovski, tornaram-se realidade como realizações políticas, como no caso da Alemanha nazista e da Rússia socialista, ou a Cuba de Fidel Castro, embora seus resultados, na prática, tivessem sido bem diferentes daqueles que seus idealizadores sonharam. Nesse contexto podemos colocar também antigos estados, como o Egito faraônico, a Israel bíblica, a Esparta dos tempos clássicos, e a própria Atenas dos primeiros filósofos, que agasalhava, em seu modelo de estado, um conceito de ordem ideal, que aliás, foi o embrião da chamada democracia, que ainda hoje impera na consciência popular como a forma mais perfeita de organização sócio-política que a humanidade conseguiu engendrar.
As utopias são arquétipos que afloram no imaginário popular, especialmente em épocas de grande tensão social. O desejo de viver em um estado perfeito de ordem, progresso e paz social não é privilégio de indivíduos em particular, nem de um povo em especial. É um anseio de toda a humanidade. O paraíso terrestre não foi inventado pelos rabinos israelenses que escreveram a epopéia bíblica. Eles apenas popularizaram uma ideia que já medrava no inconsciente da humanidade há muitos milênios antes do surgimento do povo de Israel. Egipcios e mesopotâmeos já cultivavam a noção da existência de paraíso terrestre muito antes dos israelitas. Os hindus e chineses igualmente, muito antes dessa ideia ser popularizada pelos redatores da Bíblia, já tinham noções muito desenvolvidas desse estado ideal, onde o ser humano alcançava a perfeita felicidade.
A utopia sempre foi um refúgio onde um espírito torturado pelos conflitos que assolam a espécie humana na sua luta pela vida, pode encontrar a paz. Quem não deseja encontrar um lugar desses depois de atravessar um campo de batalha onde seus sonhos foram desmentidos, suas crenças desafiadas, suas esperanças e suas conquistas “nadificadas” pelo processo de transformação a que o mundo nos submete a todos?[1]
Não é sem razão que as primeiras décadas do século XVII, logo após a eclosão da reforma protestante, tenham sido fartas na publicação de trabalhos abordando esse tema. Um mundo que fora construído em cima de crenças e valores que começavam a ser desmentidos e contestados deixava um grande vazio no espírito das pessoas mais sensíveis. Isso sempre acontece nas épocas de grandes transformações sociais e políticas, quando a moldura do quadro onde nos movíamos desaparece e a sensação de ausência do sentido pelo qual nos movimentávamos naquele quadro é tudo que resta. Platão, por exemplo, escreveu a sua obra “República” arquétipo fundamental citado como modelo da utopia, na década de 380 a C. quando Atenas, derrotada na Guerra do Peloponeso (431-404 a.C), passava por profundas transformações em sua estrutura social e política. Também a Bíblia, com a descrição do utópico estado de Israel, simbolizado especialmente pelo reinado de Salomão, segundo alguns autores, teria sido compilada e redigida no reinado do rei Josias, que reinou em Israel entre 640 e 609 a.C, logo depois das catastróficas invasões assírias, que arrasaram toda a região da Palestina.[2]
Já citamos vários autores dessa época que trabalharam com a ideia da utopia, mas poucos foram tão pródigos e incisivos quanto os rosa-cruzes e os seus sucessores, os chamados “maçons aceitos” que compraram a ideia da “fraternidade mundial que reuniria os homens de saber em todo o mundo, para trabalhar pela libertação do homem de seus erros e vícios mortais”. Pois foi exatamente a Maçonaria, como instituição organizada em todo o mundo ocidental, que iria levar a cabo a realização dessa ideia. E sua realização transparece exatamente na maior de todas as realizações que os maçons fizeram: Os Estados Unidos da America. Foi sobre as raízes do pensamento iluminista que os líderes americanos ergueram as bases que até hoje, informam a vida daquele povo. Com efeito, o conceito da utopia iluminista que informa o pensamento de Voltaire em Cândido, está na origem do sonho americano e transparece na redação da sua Constituição, como veremos logo adiante. [3]
(continua)
A ideia da utopia
A utopia se define como sendo um lugar ou estado ideal, de completa felicidade e harmonia entre os indivíduos. Ou seja, um paraíso terrestre, que se subsume á qualquer descrição imaginativa de uma sociedade ideal, fundamentada em leis justas e em instituições verdadeiramente comprometidas com o bem-estar da coletividade. Portanto, é uma idealização político-sociológica, que tem raízes nas primeiras manifestações de organização social pensadas pela humanidade, no seu desejo de encontrar uma forma perfeita de convívio social.
A realização fática de um estado utópico é um arquétipo que habita no inconsciente coletivo da humanidade desde os primeiros momentos de sua experiência civilizatória. Iremos encontrar esse conceito em praticamente todas as civilizações antigas, como um ideal a ser atingido, seja em um contexto puramente espiritual, como nos sugere a Bíblia, com a sua descrição de um paraíso terrestre, ou a República de Platão, idealizada estrutura de um estado perfeito, seja numa concepção político-sociológica, como foram desenvolvidos em vários estados antigos, como o Egito dos faraós, antes da conquista de Alexandre, as cidades gregas, principalmente a de Esparta, e especialmente o estado israelita idealizado por Moisés e construído pelos heróis bíblicos em séculos de lutas e perseguição desse sonho.
Todas as concepções utópicas têm em comum uma base religiosa, como veremos, mas no fundo, objetivam uma formulação real, que às vezes se efetivam em estruturas políticas e sociais, outras vezes não. Algumas, como a já citada República de Platão, a Utopia descrita pelo humanista Thomas Mórus, a Cidade do Sol, de Tommaso Campanella, as visões de Voltaire em sua obra “Cândido”, são apenas visões quiméricas de filósofos, que jamais saíram do papel. Outros, como o sonho americano dos pioneiros que colonizaram a América do Norte, o delírio de Hitler com o seu nacional-socialismo, ou a quimera comunista idealizada por Marx e Engels, tão elogiada por poetas como Pablo Neruda e Maiakovski, tornaram-se realidade como realizações políticas, como no caso da Alemanha nazista e da Rússia socialista, ou a Cuba de Fidel Castro, embora seus resultados, na prática, tivessem sido bem diferentes daqueles que seus idealizadores sonharam. Nesse contexto podemos colocar também antigos estados, como o Egito faraônico, a Israel bíblica, a Esparta dos tempos clássicos, e a própria Atenas dos primeiros filósofos, que agasalhava, em seu modelo de estado, um conceito de ordem ideal, que aliás, foi o embrião da chamada democracia, que ainda hoje impera na consciência popular como a forma mais perfeita de organização sócio-política que a humanidade conseguiu engendrar.
As utopias são arquétipos que afloram no imaginário popular, especialmente em épocas de grande tensão social. O desejo de viver em um estado perfeito de ordem, progresso e paz social não é privilégio de indivíduos em particular, nem de um povo em especial. É um anseio de toda a humanidade. O paraíso terrestre não foi inventado pelos rabinos israelenses que escreveram a epopéia bíblica. Eles apenas popularizaram uma ideia que já medrava no inconsciente da humanidade há muitos milênios antes do surgimento do povo de Israel. Egipcios e mesopotâmeos já cultivavam a noção da existência de paraíso terrestre muito antes dos israelitas. Os hindus e chineses igualmente, muito antes dessa ideia ser popularizada pelos redatores da Bíblia, já tinham noções muito desenvolvidas desse estado ideal, onde o ser humano alcançava a perfeita felicidade.
A utopia sempre foi um refúgio onde um espírito torturado pelos conflitos que assolam a espécie humana na sua luta pela vida, pode encontrar a paz. Quem não deseja encontrar um lugar desses depois de atravessar um campo de batalha onde seus sonhos foram desmentidos, suas crenças desafiadas, suas esperanças e suas conquistas “nadificadas” pelo processo de transformação a que o mundo nos submete a todos?[1]
Não é sem razão que as primeiras décadas do século XVII, logo após a eclosão da reforma protestante, tenham sido fartas na publicação de trabalhos abordando esse tema. Um mundo que fora construído em cima de crenças e valores que começavam a ser desmentidos e contestados deixava um grande vazio no espírito das pessoas mais sensíveis. Isso sempre acontece nas épocas de grandes transformações sociais e políticas, quando a moldura do quadro onde nos movíamos desaparece e a sensação de ausência do sentido pelo qual nos movimentávamos naquele quadro é tudo que resta. Platão, por exemplo, escreveu a sua obra “República” arquétipo fundamental citado como modelo da utopia, na década de 380 a C. quando Atenas, derrotada na Guerra do Peloponeso (431-404 a.C), passava por profundas transformações em sua estrutura social e política. Também a Bíblia, com a descrição do utópico estado de Israel, simbolizado especialmente pelo reinado de Salomão, segundo alguns autores, teria sido compilada e redigida no reinado do rei Josias, que reinou em Israel entre 640 e 609 a.C, logo depois das catastróficas invasões assírias, que arrasaram toda a região da Palestina.[2]
Já citamos vários autores dessa época que trabalharam com a ideia da utopia, mas poucos foram tão pródigos e incisivos quanto os rosa-cruzes e os seus sucessores, os chamados “maçons aceitos” que compraram a ideia da “fraternidade mundial que reuniria os homens de saber em todo o mundo, para trabalhar pela libertação do homem de seus erros e vícios mortais”. Pois foi exatamente a Maçonaria, como instituição organizada em todo o mundo ocidental, que iria levar a cabo a realização dessa ideia. E sua realização transparece exatamente na maior de todas as realizações que os maçons fizeram: Os Estados Unidos da America. Foi sobre as raízes do pensamento iluminista que os líderes americanos ergueram as bases que até hoje, informam a vida daquele povo. Com efeito, o conceito da utopia iluminista que informa o pensamento de Voltaire em Cândido, está na origem do sonho americano e transparece na redação da sua Constituição, como veremos logo adiante. [3]
(continua)
[1] Aqui o verbo “nadificar” é empregado no sentido usado por Sartre, em sua obra “A Náusea”, na qual o filósofo discute a angústia do ser que se constrói em busca de um sentido para a vida e depois se descobre dentro de um vazio (nihil) percebendo que tudo que o cerca desaparece (nadifica= nadafica) quando a relação entre a intenção que o move e a realidade não mais existe.
[2] Cf. A Bíblia Não Tinha Razão- Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman, Ed. Girafa, 2001.
[3] Sobre o sonho americano, vide a interessante obra de David Ovason, A Cidade Secreta da se Maçonaria, publicada no Brasil pela Ed. Planeta, que discorre sobre o simbolismo maçônico presente na capital americana, Washington, e o empenho dos maçons que lideraram a luta pela independência e para fazer dos Estados Unidos a sonhada utopia maçônica.