Os passos da cultura e da Indústria do Chá na Ilha de São Miguel: De ontem a hoje (subsídios) III

Por que razão Margarida escolheria o marido para administrador? Por que razão foi aceite pelos outros herdeiros?

Apesar de Artur ser umas mãos largas com o irmão Ernesto, Margarida conseguia controlá-lo. Além disso, Margarida desejaria alguém que conhecesse o chá e com quem pudesse partilhar e decidir sobre o chá. Além do mais, o pai não se lhe opusera em vida, antes a teria encorajado, pensou que seria a melhor solução. É certo que, como vimos, José do Canto tentara por mais de uma vez, sem êxito, dar sociedade a João Borges Cordeiro. Penso ainda que, para o fim, já com o seu projecto em andamento, José do Canto já não pensava em Borges Cordeiro. É possível que José do Canto, ainda que mantivesse acesa a esperança de que acontecesse o contrário, considerava os filhos homens pouco disponíveis, capazes ou fiáveis para prosseguirem com a administração da sua Casa - António e José, como sabia que as filhas, por serem mulheres, não o poderiam fazer directamente, mesmo se o quisessem. Guilhermina era pouco dotada, Margarida era outra história. Restava-lhe esperar algo dos genros? Os genros Guilherme e Artur Hintze. Não indicou no testamento a filha Margarida, mas, mantendo contacto epistolar ou visitando-a ou sendo visitada por ela, terá inteligentemente investido nela. E investindo nela, investia igualmente no genro Artur Hintze. Teria sido assim ou fruto apenas de uma coincidência? É bem possível que tenha havido uma acção de convencimento por parte de Margarida. Haviam casado com separação de bens e Margarida, saindo a ele em feitio e inteligência, decerto faria valer a sua vontade perante o marido.

A princípio, Artur e José do Canto nem se falavam, pelas circunstâncias em que ocorreu o seu casamento com a filha Margarida, depois, Artur era um homem prestável e experiente, porém, foram construindo uma relação sólida de respeito mútuo. José do Canto, não só em relação ao chá, abria-se com o genro, pedia-lhe apoios no Continente, enviava-lhe amostras de chá, pedia-lhe contactos com Macau. Além do mais, Artur tinha chá desde o início. José do Canto tentou convencer Artur a regressar à Ilha. Não o conseguiu. Ernesto Hintze tentou e conseguiu levar o irmão para o Continente. Mas, mesmo na eventualidade de Artur não regressar, tal como José do Canto fizera com a sua Casa, podia sempre geri-la de longe. Tinha-o feito quando esteve longos anos em Paris para acompanhar de perto os estudos dos filhos. Em 1898, porque existia o cabo submarino e os transportes eram mais rápidos e frequentes, era mais fácil gerir a Casa de fora. Afinal, José Bensaúde também o fazia em relação à Empresa Insulana de Navegação. Artur era hábil e insinuante. Ainda a presença física de Artur em Junho de 1899. José do Canto deixara tudo montado: João Jacinto da Câmara, na Caldeira Velha, André Vaz Pacheco de Castro, em Ponta Delgada, Manuel Pereira de Lima nos chás e matas. Os vendedores no continente e ilhas.

José do Canto tendo feito nascer o projecto do chá, se me é permitido a linguagem, deixou-o a ‘engatinhar.’ Nos anos em que esteve (mais os que Margarida viveu) à frente do empreendimento, seria Artur/Margarida quem levaria o projecto do chá à idade adulta. Claro, depois com a ajuda de Poças Falcão e da equipa que trabalhava na oficina/fábrica e nas plantações de chá.

Artur era um homem maduro de 51 ou de 52 anos quando pegou no chá. Enfermiço, mas extremamente competente. Hábil nas relações públicas, soube manter contente a esposa e os demais herdeiros. Artur aprendeu depressa o que não sabia e soube rodear-se de quem sabia: bons colaboradores de confiança. Sendo um estratego com visão, habituado a organizar campanhas, foi ele o responsável pelas campanhas do irmão Ernesto e das suas para Deputado, montou para o chá campanhas publicitárias, criou um nome, entrou em exposições de prestígio, ampliou a fábrica/oficina, equipou-a de mais e de melhores máquinas, introduziu a produção de chá verde, mandou vir um técnico inglês, para esse fim, montou uma inteligente rede de vendedores a nível das Ilhas e do Continente, estruturou uma contabilidade transparente e minuciosa, renovou e ampliou plantações, por exemplo, as Furnas. Sendo político, usou a política para atingir os seus objectivos, enquanto o sogro usava a política sem ser político. Movimentava-se bem nos círculos de poder da capital e da Ilha. Se calhar, parte dele a iniciativa da pauta alfandegária favorável de 1900. É bom ver, que é durante a sua administração que a concorrência dos outros chás da Ilha, se equipa e moderniza. Consegue aguentar e vencê-la. A primeira crise das exportações para o Continente e o impacto da I República, debilitado, já terão sido obra da esposa, do cunhado e dos colaboradores.

Sem adivinhar que o sogro morreria no dia 10 de Julho, tinha estado junto dele até pelo menos 24 de Janeiro último, mas prevendo que a sua morte estaria para breve, estaria a par da gravidade da doença dele, querendo que a filha e os netos, se possível, se despedissem mais uma vez dele, Artur Hintze Ribeiro fizera tenção de regressar à ilha no mês de Julho.

Quando Artur soube da morte do sogro, havendo, provavelmente, sido o essencial destinado meses antes, não terá receado o que o irmão Ernesto lhe avisara no tempo das partilhas por morte da sogra, em 1887. O tempo que poderia levar, numa situação em que todos estivessem de acordo: ‘(…) na melhor hipótese, quando todos estão essencialmente de acordo, basta o trabalho material de fazer as descrições e as avaliações, de fazer os lotes, as licitações e a partilha para com isso bastar bastante tempo, sobretudo tratando-se de um casal tão grande como o do teu sogro.’ O tempo que poderia levar, se não estivessem de acordo: ‘E se de permeio se meter qualquer quesito, por (…) (fl. 1v) que seja ou de simples detalhe, arriscas-te muito a vir daí sem estar levada a cabo a tua tarefa.’ Felizmente, em 1880’s como em 1890’s os cunhados estavam de feição: ‘Depois, por isso mesmo que os teus cunhados estão relativamente macios, convinha aproveitar a monção. ’

Afinal, chegara-se, talvez porque se colhera a experiência, com rapidez a um consenso. Não temos provas, porém, conhecendo a maneira como sempre ajudou o irmão José e vice-versa, sendo homem experiente e respeitado, foi por isso o primeiro Presidente da Junta Geral da Autonomia, é possível que o tio Ernesto do Canto, ainda vivo, tivesse dado a sua ajuda na solução. Nem que fosse a sua presença.

Artur mantivera-se a par e ajudara o sogro desde o início do chá e ele próprio cultivava e produzia chá na fábrica do sogro. Apesar de tudo, entre todos os herdeiros de José do Canto, Artur era o que mais percebia e se interessava pelo chá. Além do mais, sendo deputado e irmão do todo-poderoso Ernesto Hintze Ribeiro, era o mais bem relacionado em Lisboa. Quanto ao chá, estava, no entanto, a anos-luz dos conhecimentos do sogro. Mas o cunhado Guilherme Poças Falcão também tinha chá e estava em S. Miguel. Por que não ele? A questão de Poças pode ser explicada de outra forma. Ora, Poças Falcão (Ponta Delgada,11 de Novembro de 1855 — Ponta Delgada, 14 de Novembro de 1942), era advogado, estava ligado ao Movimento pela Autonomia. Além do mais, tinha outras ambições políticas, em 1902,1903 e 1904, seria Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada. Além do mais, e talvez seja a razão mais importante, era apenas genro de José do Canto há pouco menos de dois anos. Guilherme casou-se em Junho de 1896 com com Maria Guilhermina Brum do Falcão (nascida Canto), então com 44 anos de idade. Guilherme faria em Novembro, 41 anos.

Guilherme, em Ponta Delgada, junto à sede da Herdeiros de José do Canto, o advogado e político Poças Falcão, aprendeu depressa. Depois da Implantação da República, e com o agravamento da saúde do cunhado, longe, no continente, dedicou-se mais ao chá: ‘A implantação da República Portuguesa obrigou-o a afastar-se da actividade política, dedicando-se então exclusivamente à administração dos seus bens e a diversas obras de beneficência.’

Mário Moura

Doutor em História do Atlântico

Universidade dos Açores

Lugar das Areias, Rabo de Peixe, Setembro de 2019

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 24/10/2019
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