Augusto dos Anjos

Biografia:

Em 20 de abril de 1884, no Engenho Pau D’Arco, na Paraíba, nasce Augusto Carvalho Rodrigues dos Anjos, filho do advogado Alexandre Rodrigues dos Anjos, a quem ele viria a tratar de Pai Ioiô, e de dona Córdula Carvalho Rodrigues dos Anjos a quem chamaria Sinhá-Mocinha (¹).

Aprende a ler e escrever com o pai e, em 1900, vai cursar Humanidades no Liceu Paraibano.

Seus primeiros versos, publicados nos jornais O Comércio e Diário de Pernambuco, datam de fins de 1900 e começos de 1901 (²) marcando a passagem do século XIX para o século XX.

Em 1903 matricula-se na Faculdade de Direito do Recife onde se forma bacharel em 1907. Por essa época dá aulas particulares e começa a lecionar Literatura no próprio Liceu Paraibano.

Casa-se com Ester Fialho em 1910 e parte para o Rio de Janeiro com a esposa já no terceiro mês de gravidez (³).

Em 1912 e 1913 nascem os filhos do casal, respectivamente Glória e Guilherme.

É em 1912, com a ajuda financeira de seu irmão Odilon, que o poeta publica seu único livro: “Eu” que mais tarde terá edições ampliadas e o título mudado para “Eu e outras poesias”.

Em julho de 1914 muda-se para Leopoldina, em Minas Gerais, sendo nomeado Diretor do Grupo Escolar Ribeiro Junqueira.

No final desse mesmo mês tem início a Primeira Guerra Mundial que iria se prolongar até 1918.

Ainda em outubro de 1914 o poeta adoece e no dia 12 de novembro vem a falecer de congestão pulmonar.

Notas:

(¹) Pai e mãe são referidos no soneto autobiográfico Ricordanza della mia gioventù:

A minha ama-de-leite Guilhermina / furtava as moedas que o doutor me dava. / Sinhá-Mocinha, minha mãe, ralhava... / via naquilo a minha própria ruína! // Minha ama, então, hipócrita, afetava / susceptibilidades de menina: / “ – Não, não fora ela !” – E maldizia a sina, / que ela absolutamente não furtava. // Vejo, entretanto, agora, em minha cama, / que a mim somente cabe o furto feito... / tu só furtaste a moeda, o ouro que brilha... // furtaste a moeda só, mas eu, minha ama, / eu furtei mais, porque furtei o peito / que dava leite para a tua filha!

(²) Considera-se Saudade como sendo o primeiro soneto composto pelo poeta:

Hoje que a mágoa me apunhala o seio, / e o coração me rasga atroz, imensa, / Eu a bendigo da descrença em meio, / porque eu hoje só vivo da descrença. // À noite quando em funda soledade / minh’alma se recolhe tristemente, / pra iluminar-me a alma descontente, / se acende o círio triste da Saudade. // E assim afeito às mágoas e ao tormento, / e à dor e ao sofrimento eterno afeito, / para dar vida à dor e ao sofrimento, // da saudade na campa enegrecida / guardo a lembrança que me sangra o peito, / mas que, no entanto, me alimenta a vida.

(³) A criança morre em parto prematuro e o poeta expressa a dor dessa perda com o Soneto (ao filho morto):

Agregado infeliz de sangue e cal, / fruto rubro da carne agonizante, / filho da grande força fecundante / da minha brônzea trama neuronial. // Que poder embriológico fatal / destruiu, com a sinergia de um gigante, / em tua morfogênese de infante / a minha morfogênese ancestral?! // Porção de minha plásmica substância, / em que lugar iras passar a infância, / tragicamente anônimo, a feder?! / Ah! Possas tu dormir, feto esquecido, / panteísticamente dissolvido / na noumenalidade do NÃO SER!

Vale observar aqui a etimologia de noumenalidade, termo que Augusto dos Anjos utilizará mais de uma vez em sua produção poética. Noúmeno ou númeno é palavra proveniente do alemão noumenon que na filosofia de Kant (1724 – 1804) entende-se como a essência de algo, aquilo que faz alguma coisa ser como é. No alemão, literalmente, ding an sich, ou seja, a coisa em si, ou, no francês, la chose ele-même.

Contextualização:

Por uma curiosa coincidência o poeta nasce em 20 de abril de 1884, precisamente no dia e ano em que o Papa Leão XIII publica a encíclica Humanum Genus, na qual condena severamente a maçonaria. O cardeal Gioacchino Vincenzo Raffaele Luigi Pecci fora escolhido para suceder o Papa Pio IX e exerce o Sumo Pontificado como Papa Leão XIII desde fevereiro de 1878 até sua morte aos 93 anos em julho de 1903.

Seu sucessor foi o cardeal Giuseppe Merchiore Sarto, como Pio X, cujo pontificado, iniciado em agosto de 1903 terminou em agosto de 1914 quando já tinham começado as batalhas da Primeira Grande Guerra.

É nesse ano de 1884 que Friedrich Engels publica A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado.

A partir das anotações críticas de Marx, (que havia falecido no ano anterior) nos estudos e pesquisas desenvolvidos pelo cientista e pesquisador americano Lewis Henry Morgan (1818 – 1881), mormente na obra Ancient Society, Engels demonstra que houve sociedades primitivas que não conheceram nenhuma espécie de Estado, ou seja, o Estado e seu poder não existiram desde sempre. A existência do Estado é cultural e não natural. O Estado teria surgido, na verdade, como resposta ao conflito de classes e, por seu intermédio, a classe mais poderosa e economicamente dominante passou a prevalecer também politicamente para melhor subjugar e explorar as classes subalternas.

É também em 1884 que Herbert Spencer lança The Man versus The State, ensaio de sociologia que consagra o chamado darwinismo social.

Herbert Spencer (1820 – 1903), filósofo positivista inglês considerado o pai fundador do darwinismo social segundo o qual são as classes elitizadas que determinam a seleção natural na evolução das sociedades.

Augusto dos Anjos faz referências expressas a Herbert Spencer no soneto Mater Originalis:

Forma vermicular desconhecida / que estacionaste, mísera e mofina, / como quase impalpável gelatina, / nos estados prodrômicos da vida. // O hierofante que leu a minha sina / ignorante é de que és, talvez, nascida / dessa homogeneidade indefinida / que o insigne Herbert Spencer nos ensina. // Nenhuma ignota união ou nenhum nexo / à contingência orgânica do sexo / a tua estacionária alma prendeu... // Ah! De ti foi que, autônoma e sem normas, / Oh! Mãe original das outras formas, / a minha forma lúgubre nasceu!

Idem em As Cismas do Destino, parte III, estrofe 28, primeiro verso:

O Espaço – esta abstração spencereana / que abrange as relações de coexistência / e só! Não tem nenhuma dependência / com as vértebras mortais da espécie humana! /

A leitura de Herbert Spencer, teria despertado no poeta a dúvida quanto à capacidade de se conhecer a essência das coisas e compreender a evolução da natureza e da humanidade. Assim como lendo Ernst Haeckel teria absorvido o conceito da monera como princípio da vida, e o entendimento de que a morte é um mero fato químico.

A realidade que Augusto dos Anjos percebia à sua volta – crise do modelo de produção, falências e escravos libertos, mas agora na extrema miséria – eram a representação de um mundo que vivenciava a tragédia do nascimento à morte.

O poeta não aceitava a religião como algo que pudesse explicar o mundo. Sua poesia, em que a morte é temática recorrente, tem fortes componentes de ironia contra o cristianismo e a religião em geral, ainda que em Engenho do Pau D’Arco tenha chegado a conduzir reuniões mediúnicas e sessões em que psicografava.

São de 1884 ainda algumas outras obras que viriam a se constituir em verdadeiros clássicos:

Nos Estados Unidos, Mark Twain, As aventuras de Hucleberry Finn;

Na França, Paul Verlaine, Les Poètes Maudits – Corbière, Rimbaud, Mallarmé;

No Brasil, Machado de Assis, Histórias sem data; Aloísio Azevedo, Casa de Pensão.

Augusto tem apenas quatro anos quando da abolição dos escravos e cinco por ocasião do golpe de estado encabeçado pelo militar alagoano Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, que depõe e expulsa do país o Imperador Pedro II e instaura provisoriamente a República.

É um período conturbado da História do Brasil.

Quando, em 1901, seus primeiros versos são publicados em jornal o presidente ainda é o paulista Campos Salles, cujo mandato expiraria no ano seguinte. Antes dele tivéramos ocupando a presidência da República dois militares, Deodoro e Floriano, e um civil, Prudente de Morais.

Em 1912, quando “Eu” é publicado, quem ocupa a presidência é o gaúcho Hermes da Fonseca, sobrinho de Deodoro.

Augusto dos Anjos morre no dia 12 de novembro de 1914. Três dias depois Hermes seria sucedido pelo mineiro Wenceslau Braz que ficaria no cargo até 15 de novembro de 1918. Durante todo o período de Wenceslau o país esteve sob estado de sítio em razão da Primeira Grande Guerra Mundial cuja duração foi de 28 de julho de 1914 até 11 de novembro de 1918.

luca barbabianca
Enviado por luca barbabianca em 26/10/2019
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