Perfect Blue - Encontro

A primeira vez em que Alessandra viu Gustavo fora da escola, talvez por coincidência, mas foi também sozinho.

Na verdade, eles moravam bem próximos um do outro, mas nunca se esbarravam. E toda vez que Alessandra via Gustavo, ele estava introspectivo ou sozinho em algum lugar. Essa estranha coincidência criou na mente dela uma espécie de imagem deprimida a respeito dele, o que não era totalmente verdade.

Ela estava passando pela rua que dava até a escola, e viu ele sentado no monte, que por sua vez era alto o suficiente para ver boa parte da cidade.

As pessoas não costumam ir para aquela parte onde ele estava, mas ela não estranhou já que estava acostumada com o fato de Gustavo sentar em qualquer lugar pra ficar pensativo.

Ela parou seu caminhar e ficou observando estática a figura de seu colega de escola. Um sentimento impulsivo pedia para que ela fosse até lá pergunta-lo sobre o que estava acontecendo. Mas ela por si própria preferia continuar o caminho, afinal, os dois não eram sequer amigos mesmo.

Ela inconscientemente procurava um caminho para atravessar o cercado, e antes que desse conta seus pés a estavam levando sorrateiramente para direção a ele.

Quando estava bem perto, pisou mais forte na grama para que ele pudesse perceber sua presença, porém ele não demostrou reação.

Ela se sentou a uns 3 metros de distância dele evitando contato e ele apenas deu uma espiada para ver quem se aproximou mas não demonstrou nenhuma surpresa.

Ela o encarava sem tabu nenhum, na verdade ela queria que Gustavo notasse ela logo, assim ela poderia ir puxar assunto. Sem sucesso ela permaneceu assim por algum tempo, até que tomou certa coragem para sentar perto dele. Quando se aproximava, ele educadamente moveu para esquerda para que ficassem os dois na mesma pedra.

Ela se surpreendeu pois esperava certa objeção por parte dele, porém o que Gustavo demonstrou foi uma forma estranha forma de simpatia. Ele tinha aceitado a presença dela, e aceitado também que ela iria puxar assunto. Não tinha a intenção de evita-la, mas também não teve nenhuma iniciativa a mais com ela.

Os dois estavam ombro a ombro, e ele rapidamente puxou assunto, antes que ela pudesse falar algo:

- E ai? como está sua tarde? - Disse ele demonstrando já conhece-la.

- Eu vou bem, muito obrigada. E você? como está?

- Eu estou tranquilo, estou observando um pouco a paisagem. Eu realmente gosto daqui, tem uma vista bem bonita e dá pra se sentir bem relaxado... - Disse ele, sem ser totalmente sincero e mentindo para justificar seu isolamento. E continuou: - Você está curtindo bastante as férias?

Alessandra notou os truques que ele fazia para desviar do assunto e logo foi direto ao ponto:

- Eu estou gostando, mas não fiz nada de novo até agora. Só fico em casa mesmo... - Uma pausa e em seguida: - Mas aqui, por que você gosta de ficar tão sozinho? Eu estava passando ali agora pouco e vi você triste aqui e por isso vim conversar com você. Está tudo bem? Você quer desabafar ou falar sobre algo? Se quiser estou aqui a sua disposição...

As palavras dela vieram como um murro na cara dele.

Gustavo já esperava por essa pergunta, e já tinha até uma resposta que acabaria com a curiosidade dela e a faria ir embora. Porém, a verdade é que ele realmente queria desabafar...

Sem raciocinar, ele sussurra em uma voz manhosa:

- Eu não estou triste...

Os olhos dela que estavam atentos a cada expressão do rosto dele já captaram toda a mensagem, e agora não haveria mais volta. Ela iria insistir até ele contar tudo.

Se Gustavo tivesse dado a resposta pronta, havia 100 por cento de certeza de que Alessandra ficaria satisfeita e iria embora. Porém, se ela insistisse demais em saber o que estava acontecendo realmente com ele então Gustavo não se incomodaria em falar sobre a fossa que ele estava vivendo naquele momento.

Mas compartilhar seus sentimentos era algo muito frustrante para Gustavo, ele sempre sentiu que era impossível compartilhar laços com outro ser humano, e talvez ele estivesse um tanto certo. Todo interesse das pessoas sobre outras era extremamente superficial e pessoal, ninguém se importava realmente com o outro...

Nisso com um nó na garganta ele continua, tentando recuperar sua postura:

- Todo mundo diz que eu sou triste, mas na verdade não me considero assim. Eu só gosto de ficar sozinho por que não me enturmo muito com as conversas dos outros. Acho que os assuntos que tenho comigo mesmo são bem mais interessantes. Mas eu não ligo de ficar perto dos outros meninos, na verdade eu tenho alguns colegas na sala e me dou bem com todo mundo...

Para Gustavo, sua reposta foi perfeita. Mesmo estando um pouco intimidado pela beleza da Alessandra, ele se comportou normalmente e não deixou escapar nenhuma peculiaridade sua para ela.

Já para Alessandra, Gustavo se justificou demais. E ele ainda assumiu que havia algo de errado com seu comportamento. Mas ela não conseguia só através daquelas palavras cavar mais fundo em sua situação. Ele era simplesmente um gênio para se fechar.

Ela apenas aceitou que não conseguiria convence-lo a falar e disse:

- Ah taaa, mas todo mundo pensa que você é estranho por ficar lá sozinho. Que tal se você começar a andar comigo quando as aulas voltarem, eu também não tenho muita gente para conversar, ai é bom que a gente vira amigo. Mas sabe de uma coisa? Eu sinto como se você estivesse escondendo algo de mim. E desculpas por ficar insistindo tanto, as vezes é um assunto delicado e você não quer ficar falando com todos sobre isso...

Ela acabou sua frase e o abraçou simpaticamente e sem invadir o espaço pessoal dele, isso por profundo respeito a ele. Aquele abraço significava muitas coisas, porém o significado mais preciso seria algo como: "Pode confiar em mim e me conte tudo". Gustavo já estava realmente intimidado com a presença dela, ele queria que aquilo acabasse o mais rápido possível, mas ao mesmo tempo algo dentro dele queria que acontecesse algo a mais. ]

A última frase de Alessandra foi um truque psicológico infantil, porém Gustavo não o notou e caiu facilmente nele: "As vezes é um assunto delicado e você NÃO pode ficar falando com todo sobre isso". Era o truque da psicologia reversa em sua forma mais sutil e manipuladora... pode-se dizer que Alessandra era boa em manipular os outros.

Gustavo, desesperado por um pouco de atenção e querendo desabafar já estava até esse ponto da conversa com algumas lágrimas no rosto.

Até que ele perdeu sua postura e disse em uma voz manhosa:

- Eu não sei como explicar sabe, eu não acho que as pessoas consigam ser amigas umas das outras. Você acha que existem amigos de verdade?

Se existe, então por que algumas pessoas vão embora?

Eu não consigo assimilar essas coisas. E a vida por si só já é estranha.

Quantas pessoas continuaram conversando com você depois das férias?

Parece que ninguém ama ninguém de verdade, eu digo isso pois percebo isso também em mim. As vezes na minha casa nós sentamos mexendo no celular mas não na mesa. Preferimos estar mexendo na internet do que perguntar como foi o dia um do outro.

Se as pessoas vão embora, então por que criar laços?