Um devaneio quase filosófico

Encontra-se, neste mundo, muita gente a almejar a leveza espiritual como forma de lograr a difícil felicidade. Encontra-se, outrossim, muita gente a confundir leveza de espírito com leviandade por este velho mundo afora. Esta leviandade atola. Cega e, em seguida, mata o homem.

A palavra responsabilidade soa, para alguns, como sinônimo de embargo à felicidade. O mundo hodierno tem, cada vez mais, solidificado essa idéia de oposição aos compromissos e a busca pela agitação incessante como forma de existir com gozo. A confirmar o que afirmo, deve-se observar o perfil alienado dos jovens modernos, bem como as conseqüências, a gritarem por todos os lados, provenientes de tanta ânsia por curtição exagerada, em detrimento da fidelidade aos compromissos devidos por cada um.

É medíocre não conseguir promover a coexistência das responsabilidades com o espírito de espontaneidade. Este deve ser ferramenta ao colimar do cumprimento daquelas. Quando o segundo passa a sufocar o cumprimento das primeiras, tem-se um estado que cá denominaremos de desvairamento. No desvairamento, o mundo parece ser tão efêmero que não chega a ser válido levá-lo a sério. É um sentimento praticamente equivalente ao que se encontra cravado no seio do homem primevo. A diferença é residente na questão da consciência do referido estado – existente tão-somente nos homens evoluídos. O primevo apenas o encara. O evoluído, por sua vez, analisa-o e, ao enxergá-lo como válido, encara-o. O primevo aceita aquilo que lhe é instintivo. O evoluído, portador de instintos tolhidos, sofre uma regressão ao fazer a adoção daquilo que já lhe fora retirado pela evolução.

A responsabilidade, não só pode, deve ser encarada como um pilar à consecução da leveza e, conseqüentemente, da felicidade. Curtir a vida sem vínculos pode ser bom. Curtir a vida com vínculos e respeitá-los para, após fazê-lo, espairecer tranqüilamente afigura-se como sublime (adiante). Isto configura fuga do temido estado de permanência, tão demasiadamente contrário ao espírito humano.

O estado de permanência é, naturalmente, desgastante. Como prova, encontra-se as alternativas de desleixo adotadas pelos seres humanos atuais ante o que eles enxergam como uma estagnação. O que não se percebe é que caem esses homens em uma incoerência, qual seja, a fuga de um aparente estado de permanência a um estado real de permanência, o qual lhes soa tão trágico.

O abster-se dos seus compromissos é um estado de permanência. O arcar com os seus compromissos é uma ferramenta ao conseguimento de um patamar de superioridade e gozo e, destarte, é uma fuga do estado de permanência; é o prosseguir da necessária evolução iniciada pelo homem primevo.

Ante o esmiuçado, pode-se compreender a angústia que acompanha o homem hodierno, claudicante por não enxergar que, ao fugir de um aparente estado de massacre, cai no real estágio classificado por ele dessa forma. Ocorre, em verdade, uma má leitura daquilo que se vive, do sistema em que se insere, e objetiva-se uma fuga desse contexto. Ao se buscar erroneamente fugir desse contexto, não obstante, chega-se a ele.

Para tornar sólido: o homem, ao fugir do que aparenta ser desgastante (e tal aparência existe por uma falta de sensibilidade ao sorver da existência), cai em um estado de verve alucinógena e maligna ao seu prosperar, o qual o conduz a um patamar de estagnação tão temível e do qual ele mesmo buscou se distanciar.

O sublime a que aludi acima é facilmente explicável: aquilo que não é permanente é mais prazeroso e, pois, o esforço ao conseguir aquilo que é saboroso passa a sê-lo igualmente. Com isso, atinge o homem dois êxitos: uma correria excitante e a fuga do temido estágio de permanência em cima do qual trabalhei. Aquilo que é constante passa a ser pouco valorizado. Se a vida se resumir a gozo, deixará esta de possuir vida, uma vez que aquilo que a existência possui de mais sublime tornar-se-á vulgar.

Marconi Lustosa
Enviado por Marconi Lustosa em 06/10/2007
Reeditado em 17/02/2008
Código do texto: T682856
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