Você é muito estranho!

Outro dia, estava conversando com minha mais recente namorada sobre assuntos variados. Sem mais nem menos, pelo menos para mim, ela fez a seguinte observação:

"Você é muito estranho. Você tem uns pensamentos estranhos e um comportamento estranho! Meu Deus você é todo estranho!!!"

Dei um sorriso breve e levei na esportiva. Cínica e ironicamente reclamei de um complô do mundo contra mim afirmando que está é a frase que eu mais ouvi por toda a minha vida, que eu era incompreendido e perseguido, enfim, fiz uma tragédia e um dramalhão, que se não a convenci de sua insatisfação, pelo menos pudemos dar boas risadas e desviar a conversa para outros assuntos.

De qualquer forma, isso pode me render uma série de pensamentos posteriores, pois de fato, aquela era a observação que diversas pessoas afirmavam sobre mim. Isso contudo rende algumas observações: O que vem a ser algo ou alguém estranho? Estranho é aquilo que não conseguimos definir e absorver por completo por falta de compreensão, entendimento, por ter uma realidade diferente de conceitos e padrões, por excentricidade, por posturas comportamentais culturais e até por que não dizer, por falta de empatia daquele que faz a observação. Devemos claro, ter em mente que a rotulação considera marginal a outrem que não têm estes mesmos padrões. As pessoas não estão preparadas para compreender o estranho correndo-se até o risco de que elas possam entrar em conflito com você.

Recentemente fui visitar as ruínas Maias no México. Foi muito interessante observar os traços de sua cultura que foram preservadas em pedra. Pode-se estudar sua cultura, observar seus costumes, ver seus deuses e o quanto devotos eles eram. Cultuavam, veneravam e tinham suas rotinas baseadas em seus dogmas, entre eles, até o sacrifício humano. Vimos que esta civilização sobreviveu por séculos e desapareceu, levando consigo seus conhecimentos, sua história, seus costumes e seus deuses. O mesmo aconteceu com os Sumérios, Egípcios, Gregos, Romanos e tantos outros povos. O mundo deu voltas, continuou e continuará por outras centenas, milhares e bilhões de anos. Assim como todos eles, nossa civilização tende a um declínio e extinção.

Nossa civilização moderna também deve entrar em declínio e talvez até se extinguir, isso é o natural tudo no universo tem seu começo, meio e fim. Até as estrelas, como o sol, tem sua vida útil.

Mas voltando ao planeta Terra e nosso dia a dia, também temos nossas rotinas, com conceitos, crenças e deuses. Estes preceitos todos estão enraizados na nossa vida e de um modo geral não são questionados, muito pelo contrário, procuram ser reafirmados para própria existência da civilização. Esse processo automático levam as pessoas por inércia. Muitos destes preceitos nada significam na essência da vida e nada mudarão quando nossa realidade mudar.

Nossos costumes e nossos deuses ficarão como traços que marcaram a nossa civilização, mas uma vez nossos visitantes do futuro verão que o mundo continuou apesar de nós e nossos deuses. Vemos como aberração os sacrifícios maias mas esquecemos que até hoje

mata-se, engana-se, trapaceia-se, golpeia-se o poder entre tantas outras coisas em nome de praticamente todas as religiões. É fácil contudo, criticar-se e abismar-se com o fato deste ou daquele povo ter cometido esta ou aquela barbaridade, mas não se enxerga hoje, que isso ainda ocorre. Difícil observar os fatos quando estamos dentro deles e se conseguimos nos desvencilhar deles, somos... Estranhos.

Não há contudo como não negar os benefícios que as próprias religiões trouxeram para a humanidade:caridade, humanismo, compreensão e até mesmo o senso de moral, mas indubitavelmente há como ser bondoso, amoroso e respeitador fora da religião. A afirmação "Sem deus tudo é permitido" é balela. A humanidade criou e criará barreira de organização social e hierarquia institucional para se proteger e se perpetuar.

Não há valores eternos ou universais. Os valores são criações humanas e históricas que possuem validade em um certo tempo e espaço. Algumas pessoas criam estes valores e transferem umas às outras mostrando-as como se fossem "naturais" ou "imutáveis" pois desejam sua permanência, mas estes valores são humanos, demasiadamente humanos. No mais, tudo o que veio a ser, tudo tornou-se e se transformará. Não há verdades eternas como não há verdades absolutas. Compreender isso nos torna modestos e abertos a aprender.

Mas sei que uma vez dentro destes dogmas não é fácil submergir. Cresci na religião católica. Tive aulas de religião e ainda jovem, foi muito difícil ver o mundo fora da própria religião, como se os muçulmanos, budistas, judeus, ateus e etc., fossem excluídos de qualquer senso racional que os diferenciasse dos seres comuns privilegiados que pudessem alcançar as beneficies de um deus amoroso e abrangente que os conduzisse ao paraíso.

Quanto ao meu comportamento...

Nasci com o "gene" da solidão, esta característica tão obscurantista para tantas pessoas. Com o tempo acostuma-se a tudo, até as coisas não tão boas. Sempre fui solitário e fiz minhas coisas tranquilamente, talvez com um pouco mais de dificuldade, o que colaborou para um amadurecimento e independência. Sabe que é curioso a reação de outras pessoas, por exemplo, quando se vai ao restaurante e se pede mesa para uma pessoa, ou em viagens quando você afirma ter ido sem qualquer outro alguém? As pessoas te olham diferente, medem de cima a baixo, espantadas. Parece que temos uma doença exótica, que talvez sejamos má pessoa ou insuportável pois ninguém nos tolera.

Provavelmente não se dão conta que há que ser muito profundo para ser só e que há muita coragem e muita força psicológica para romper rotulações e principalmente se encaixar nas dificuldades de se auto conhecer e se relacionar com o mundo. É um processo duro.

Não é a toa que no caminho do solitário, há muitas placas de desvio chamada suicídio. Obviamente há muitos outros motivos que conduzem a isso, que vão de questões passionais, frustrações, desesperos variados, depressão acentuada e outros tantos que a ciência estuda e tenda resolver na medida do possível, mas o povo no geral associa a isso a figura do doente, do fraco, do covarde.

Eu dou o direito de alguém com naturalidade e racionalidade chegar a conclusão de que não quer mais e simplesmente partir. Escolhas, são escolhas. Devemos respeitar.

Meu "gene" da solidão causa um distúrbio adicional que é a dificuldade de manter relações afetivas. As pessoas no geral interagem umas as outras, tal qual a orbita dos planetas em relação ao sol. Estáveis, quase circulares, mantém uma proximidade com pouca oscilação.

A minha em comparação, é como a dos cometas, muito elípticas com grandes aproximações e distanciamentos. Isso afasta as pessoas de mim e eu delas me levando a longos momentos sozinho. E, olha, isso não é ruim, para mim é natural e necessário.

Consigo excluir qualquer, sim, qualquer pessoa da minha vida com facilidade, o que tende, muito provavelmente a me levar no futuro à solidão absoluta. Muito estranho, não?

É um comportamento marginal, inerente, que faz parte da minha essência. Conheço uma ou outra pessoa com algumas características deste perfil. Talvez haja muitas outras que não consigam se exprimir ou que tenham coragem de se expor, mas no final das contas, quando alguém te chamar de estranho, talvez você realmente seja e para isso não exista empatia que dê jeito.

Minha mais recente ex-namorada tem razão.

Almeida Ricá
Enviado por Almeida Ricá em 29/12/2019
Reeditado em 02/01/2020
Código do texto: T6829599
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