Chá da Cesta – 8: Quando de passou também a cultivar chá ?

Quando de passou a cultivar chá em vez de o colher da natureza?

Observações no terreno, levadas a cabo por Hasimoto, dizem-nos que uma das primeiras espécies sobreviventes reconhecidamente cultivadas pela mão do homem se situa na China e tem mais de 1700 anos, ou seja, virá do século III d.C. Tom Standage, sem adiantar quaisquer provas, aponta o século IV d.C. Diz ele: “Pelo século IV d.C., o consumo do chá tornara-se a tal ponto popular na China que se julgou necessário recorrer ao seu cultivo em vez de apenas se recolher as folhas dos arbustos selvagens.” É possível. Pelas provas de que se dispõe, é admissível supor que o chá entrara no uso corrente no século III d.C., ao ponto de merecer lugar de destaque num dicionário. É também admissível que o início do seu cultivo tenha ocorrido por volta do século I a.C., tendo-se verificado um aumento da produção no século IV.

Mais uma vez, se deve ter bastante cuidado na apreciação, pois, podemos estar perante a versão do vencedor do Norte. De que maneira a cultura vencedora veiculou correctamente a cultura do vencido ou de outros povos limítrofes, não chineses, que tinham chá? Não se sabe. Além do mais, tendo em conta as provas escritas, não é possível apontar, sem equívocos, a data do início do cultivo e do consumo de chá, pois o carácter Mandarim para chá só foi fixado no século VII d.C.

Página de Lu Yu Classic of tea (escrito entre 760-762 d.C.) https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=10541065

Consumo, conhecimento e comércio do chá

Na Ásia, antes da chegada dos Europeus

Ao perguntarmos quando começou a ser fervido o chá, referimo-nos ao chá que era colhido na natureza. Uma resposta mítica, sem nenhuma base documental, aponta para anos muito recuados: “De acordo com a tradição Chinesa, a primeira chávena de chá foi fervida pelo Imperador Shen Nung, cujo reinado data tradicionalmente de 2737 a 2687 a.C.” Aqui estaremos ainda perante não só a versão chinesa, veiculada pelos vencedores da unificação de 221 a.C. como também perante a cultura do chá que desenvolveram, a qual foi, inicialmente, imitada por povos vizinhos, admiradores do nível cultural, económico e social da China. Tal foi o caso da Coreia, do Japão ou do Tibete. Porém, com o tempo, estes povos criaram as suas próprias vias.

Apesar de a opinião não ser universalmente aceite, crê-se que tenha sido no Yunnan, que “(…) se começou a ferver as folhas do chá para consumo, produzindo um líquido concentrado.” A infusão daqui resultante, sem adição de outras folhas ou ervas, passa a ser usada como bebida amarga mas estimulante, deixando de ser uma mistura medicinal, como fora até então.

Primeiramente, o chá espalhou-se pela China “(…) convertendo-se na bebida nacional na dinastia Tang (618-907 d.C.) (…). Por que razão se teria implantado neste período? Uma possível resposta poderá ser que, em 610 d.C., ao concluir-se o canal que uniu a China do Norte à do Sul, foi criado um mercado de âmbito nacional. Mas, ainda assim, por que razão ou razões terá o chá sido adotado como bebida nacional na China em detrimento de outras bebidas? Eis uma das razões possíveis:

“As suas potentes propriedades antissépticas garantiam que era mais seguro preferir o chá à cerveja de arroz ou de milho; mesmo se a água não fosse bem fervida durante a preparação.” Acresce ainda outra ponderosa razão: “Monges budistas e taoístas haviam concluído que beber chá era uma valiosa ajuda para a meditação, porque aumentava a concentração e afastava a fadiga.”

Neste contexto, o chá terá sido adoptado pelo Budismo, Taoísmo e Confucionismo durante a dinastia Zhou, estendendo-se até ao final da dinastia Han, e, rapidamente, se terá tornado uma bebida popular, considerando que o reconhecimento da importância do chá terá acompanhado o aumento da popularidade daquelas três filosofias. Seria, porém, no reinado do primeiro imperador da dinastia Qin (221-210 a.C.), durante o qual a China se unificou, que a maioria dos Chineses ouviu falar deste tónico.

Wilson, ao explicar as mudanças ocorridas nos hábitos de consumo do chá na China, ajuda nos a perceber a sua aceitação: “(p. 2) Em finais do século VI, os Chineses começaram a olhar para o chá de uma forma diferente, já não apenas como bebida medicinal, mas também como bebida refrescante.” Mais tarde, segundo este autor, a célebre e clássica dinastia Tang tornou requintado e sofisticado o acto de beber chá, perdendo este a “anterior conotação popular de infusão rústica e amarga” e transformando-se o acto, “num ritual social culto”. Foi então que o erudito Lu Yu (conhecido frequentemente como o pai do chá Chinês) sistematizou os rituais que considerava fundamentais para uma correcta preparação do chá. Mais importante ainda, advogava que “(…) se poderia alcançar a harmonia interior através da preparação cuidada e atenta do chá.”

Não restam dúvidas de que o acto de beber chá se generalizara na China quando Lu Yu escreveu o Classic of tea, entre 760-762 d.C. Contudo, em bom rigor, acerca deste ponto e dos precedentes, Sen Soshitsu XV sintetizou bem a situação: “(…) a História dos primeiros tempos do chá contem muitos pontos obscuros que não podem ser esclarecidos por ora.”

Mário Moura

Doutor em História do Atlântico

Universidade dos Açores

Lugar Areias, Rabo de Peixe, Setembro de 2019

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 03/02/2020
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