A Amputação da Patologia Social — Crítica à Cultura

A produção intelectiva é patológica. Não deveria ser, mas está sendo. Se eu fosse apontar um sintoma da imbecilização da cultura e da sociedade, atentaria à produção intelectiva nas prateleiras das livrarias. Estas, coitadas, deixaram de ser estantes de conhecimento e passaram a ser estantes de farmácia, as livrarias, hoje, são farmácias, e os livros são paliativos. E essa metáfora aparentemente louca e equivocada faz todo o sentido quando percebemos a patologia social e o escoamento do conhecimento, a sociedade está doente, intermitentemente doente e ela busca seus remédios.

Suas doenças não são poucas, dentre tantas eu posso apontar a infelicidade, o desespero, a pobreza, o desemprego, o niilismo político, a perca da identidade, o medo. Percebendo tantas doenças, os nossos Médicos da Peste, trajando em seus rostos a máscara negra de um Urubu — pois é isso o que são: carniceiros — fingindo serem médicos de verdade decidiram inventar os remédios(ou melhor, os paliativos.)! E vendem nas farmácias do conhecimento a cura para tanta doença social: Está desempregado? Compre um livro de finanças! Está triste? Um livro de auto-ajuda! Desamparado? Um romance água-com-açúcar! É um imbecil? Então compre qualquer coisa da vitrine.

Como dito, o que vemos nas vitrines são paliativos e não remédios. Isso por uns tantos motivos, a começar pelo fato de que aqueles amontoados de folhas de papel — que me recuso a chamar de “livros” — não passam em seu âmago de um conhecimento regurgitado, algum guru querendo dinheiro vomitou um pouco de enganação e falsas esperanças em duas centenas de páginas e decidiu vender isso em uma livraria, a maioria desses livros que vemos não passa disso: vômito de quem acha que sabe alguma coisa. O propósito desses livros, perceba, não é ajudar o leitor, é gerar capital para quem o escreveu! Você não acha conveniente demais existir um livro com a proposta de resolver o que é exatamente o seu problema, ou o que é exatamente o problema de toda uma camada social? É conveniente demais sim, e por isso foi escrito, percebendo a demanda e necessidade de todo um público social sôfrego alguns autores decidiram vender a “resolução” para esses problemas sob a máscara de oferecer ajuda, no entanto, ajuda não se vende. Aquilo não é ajuda, não é resposta, aquelas produções, em sua grande maioria, são tentativas de ganhar dinheiro. E o público sedento, doente, cansado e desesperado corre para as livrarias comprar ajuda, comprar a resposta de seus problemas, e compram! O público cria o monstro que chamamos de best-sellers.

E podemos notar que não estou equivocado com o produto do conhecimento desses livros: nada. Nunca vi em minha vida uma única pessoa que teve sucesso nas finanças através da leitura dos livros de finanças que prometiam conhecimento sobre o assunto. Nunca vi, em minha vida, um leitor de auto-ajuda que não precisasse desesperadamente fazer terapia. As pessoas lêem esses livros incansávelmente, por anos e anos, páginas e páginas e nada em suas vidas muda de fato, eles sentem a ilusão de uma mudança, a ilusão de um conhecimento, mas é tudo miragem, é tudo um paliativo para suas dores, embora os livros que compram consigam convencê-los de que estão bem, eles não estão. Continuam doentes, e os livros em suas cabeceiras não são seus remédios, são o sintoma de suas doenças intelectivas.

5 passos para a felicidade, 6 passos para o enriquecimento, 7 passos para a espiritualidade, 8 passos para o conhecimento. São tantos “passos” vendidos por aí — dando a entender que qualquer tipo de conhecimento possa ser adquirido de maneira simples, o que não se pode — que ao menos um deveria ajudar de fato. Ah! Queria eu amputar as pernas desses autores para mostrar o que são de verdade! Assim quando um pobre coitado fosse em busca de conhecimento nas prateleiras de sua farmácia bastaria olhar para os pés do autor e notar: “Ele não tem pés! E… não tendo pés, como pode me vender seus passos?”.