A quarentena e uma nova ordem mundial

Coronavírus e a quarentena.Estamos todos confinados. Distantes, mas juntos. Um paradoxo com o qual devemos viver por um tempo que nem se sabe a duração. A expectativa de voltar à rotina de que tanto nos queixamos diariamente é aquilo que mantém a sociedade viva e sobrevivendo a essa pandemia.

Esse vírus veio colocar em prática o conceito de globalização de que tanto os economistas, cientistas políticos, geógrafos e demais pesquisadores vêm nos alertando. Não vivemos mais em ilhas isoladas. O problema do outro também nos afeta. Uma lição de empatia e de cristianismo forçada. De repente, as pessoas percebem que as relações devem ser reais e não fluídas. Um organismo social nos afeta diretamente e o autocuidado é um gesto concreto de amor ao próximo também.

Distantes daqueles que mais amamos, nossos entes mais velhos da família, sentimo-nos sem chão. As crianças não compreendem essa distância e os idosos acreditam haver um exagero na mídia sobre essa pandemia e saem às ruas como se fossem fugitivos da polícia que aliás pretende penalizar aqueles que forem pegos sem motivo justo nas avenidas e praças da cidade. Um medo de um inimigo oculto. Aliás, esses são os piores. Aqueles que não vemos e não sabemos como podem nos atingir. Eles esperam o momento de fragilidade humana que sempre vem.

As pessoas estão apavoradas. O direito de ir e vir está em xeque. Não é possível sair por aí num fim de semana de muito calor ou numa noite estrelada como hoje. Em casa. Todos juntos com suas neuroses, suas falências financeiras e emocionais num espaço delimitado em metros quadrados. Nessa hora, o dinheiro ainda dá o tom. Ficar confinado em grandes casas e apartamentos com muito conforto e luxo não parece ser as piores coisas da vida. Penso naqueles que se amontoam em barracos em comunidades carentes sem espaço de um metro de distância conforme prevê as instruções da OMS. Amotinam-se crianças, jovens, idosos num ambiente onde nem caberia direito um casal.

Mas não importa. A ordem é ficar em casa. Campanha #ficaemcasa. Esperar a tempestade passar para sair da arca em que fomos colocados. Mortes anunciadas na tevê e pacientes hospitalizados reforçam a necessidade de manter todos em casa. E ficamos. Home office, o momento em que lar e trabalho tornam-se um único lugar. E como é difícil lidar com essa nova experiência para tantos trabalhadores. Autodisciplina, filhos em idade escolar disputando a atenção e os computadores com os pais para realizarem as tarefas escolares numa educação EAD, com atividades on-line e distantes de amigos e professores, universo necessário para sua formação. O tédio que os toma repentinamente e os obriga a se ficarem conectados aos celulares e tablets como forma de minimizar a separação.

Que mundo é esse que nos chega tão rapidamente e nos pega de surpresa e de calças curtíssimas? E, em meio a toda essa situação, as autoridades vêm às emissoras solicitar que as rotinas de ficar em casa devem ser mantidas, ao mesmo tempo em que apresentam infográficos desastrosos de que, apesar de nossas prisões domiciliares, os casos de contaminados vêm crescendo. Não assistir à tevê pode ser um caminho para o não alarmismo que poderá afetar nossa saúde mental.

Terapeutas vêm alertando sobre como manter a calma e não se deixar adoecer pelo caos que se vive atualmente. A desesperança de muitas pessoas demonstra que não sabemos lidar com a mudança. E realmente não é fácil sair da zona de conforto nem que seja só pra dar um espiadinha muito menos sem um tempo determinado de retorno. Um BBB real, involuntário e sem câmeras.

Estamos reféns de um inimigo maior ainda que o egoísmo humano que se inflama em muitos grupos sociais. Pessoas correm e enchem os seus carrinhos de mercado, levando tudo o que seu dinheiro pode comprar inadvertidamente como se não houvesse amanhã. Pior. Como se não existisse o outro que também precisa garantir seu abastecimento doméstico. E a desigualdade social fica marcada nas atitudes desse tipo.

Parece que o novo vírus aponta uma nova ordem mundial. Não sabemos o que vai acontecer nos próximos dias e nem quanto tempo essa quarentena vai durar. A escassez financeira preocupa os economistas, os comerciantes, empresários e os trabalhadores em geral. Queremos segurança de que tudo voltará à rotina. Se já não estávamos bem antes, agora parece que a inquietação é maior agora nessa incerteza. Desemprego, instabilidade econômica, saúde mental prejudicada, os casamentos podem ser afetados.

Esse tipo de relacionamento tem sido objeto de pesquisa para alguns estudiosos do comportamento humano e os advogados podem esperar pedidos de divórcio caso o confinamento estenda-se por muito tempo. Os atritos viraram temas para memes e conversas entre especialistas que apontam para essa questão urgente. Se sobrevivermos a esse inimigo desconhecido, venceremos os relacionamentos conturbados? Claro que isso não pode ser uma regra e muitas famílias estão encontrando o caminho para lidar com todas essas preocupações que se apresentam como desafios.

Em meio a tudo isso, a fé aparece como uma saída. Nunca se ouviu falar tanto de pessoas rezando, orando e pedindo em preces uma solução para tudo o que estamos vivendo e que se assemelha historicamente ao que aconteceu entre 1918 e 1920 no mundo quando a gripe espanhola, conhecida como a gripe de 1918, causada pelo vírus influenza, infectou e matou 500 milhões de indivíduos. Depois disso, a única ameaça com a qual aprendemos a lidar foi a iminência de um ataque por armas nucleares.

Agora o oponente, apesar de diminuto, é resistente e propenso a mutações as quais desconhecemos. Pouco sabemos sobre sua capacidade de destruição, mas o tememos exatamente por isso. Não se trata de uma luta justa. Muito pelo contrário, a vantagem está do lado dele. Na sua invisibilidade. E somos apenas um mero adversário.

SUELY ROMERO
Enviado por SUELY ROMERO em 29/03/2020
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