Chá da Cesta - 11

A partir da década de vinte do século XVIII, avaliou-se a enorme potencialidade económica da importação do chá da China para a Europa.

Estando já enraizado o gosto pelo chá na Europa, aumentou bastante a importação do chá, o que agravou o problema da balança comercial com a China. Tentaram solucionar o desequilíbrio, primeiro com o aumento da venda de pimenta e estanho. Também “(…) por esta altura, o ópio viria a tornar-se na salvação do comércio de importações do sudeste Asiático, tal como décadas mais tarde viria resolver os problemas das transações comerciais com a China.” Apesar de todos os esforços para equilibrar as contas, de acordo com Christine Dobbin, “(…) ainda no século XVIII, a situação económica britânica e dos outros europeus na Ásia era frágil e a situação seria debelada com o aumento do consumo do chá no mercado da Europa.”

De facto, no espaço de um século, entre 1700 e 1800, as importações de chá de Cantão, na China, para a Grã-Bretanha, aumentariam de 50 toneladas para 15 000 toneladas. Em 1801, calculava-se que cada inglês consumia uma média de 2 ½ libras de chá [1,135 Kg] KG e 17 libras de açúcar [7,71 Kg]. Tais quantitativos expressavam, no século XIX, “5% do produto interno bruto inglês, e, no entanto, ninguém sabia como o chá se desenvolvia ou preparava.”

O reconhecimento do chá pelos primeiros Ocidentais na Ásia. No século XVI, já os Europeus estudavam o chá na Ásia, apesar de ele só se tornar, no século XVII, bebida de consumo na Europa. Maria Cândida Liberato elucida -nos que “no Ocidente não havia conhecimento da planta de onde provinha o chá (…).” Isabel Albergaria acredita que “(…) é em obras portuguesas que aparecem os primeiros testemunhos directos acerca da bebida. Não passariam, então, segundo a mesma autora “(…) de meras curiosidades relativas aos hábitos e costumes de um mundo estranho e exótico.” Será, porém, “(…) no primeiro quartel do século XVII que surgem as primeiras descrições e classificações botânicas desta theacea pela mão do helvético Gaspard Bauhin (1550-1624) e do português, seu contemporâneo, o jesuíta João Rodrigues (1562-1633).”

Contudo, em bom rigor, segundo José Duarte Amaral, a primeira referência ao chá no Ocidente será a que aparece na obra de Suleiman, um viajante árabe, obra datada de 879 e intitulada Relatos da China e da Índia. Aí fala de “uma erva que tem mais folhas que o trevo e também um pouco mais de perfume, mas é muito amarga; ferve-se a água que se lhe deita por cima.” Acrescenta ainda que a cidade de Cantão tem nas imposições sobre o sal e o chá as principais fontes de rendimento. O mesmo autor fala-nos de outra referência no século XIII. Trata-se da de Marco Polo, cujo Livro das Maravilhas relata a destituição de um ministro das finanças, em 1285, por haver “efectuado um aumento arbitrário dos impostos sobre o chá.” Dois séculos antes de Marco Polo, também o polígrafo persa al-Biruni demonstrara conhecer a planta.

Os primórdios do proselitismo católico no Oriente levam à Ásia os Jesuítas que iriam escrever sobre o chá: o concílio de Trento (1543-1563) e, sobretudo, os Jesuítas que primeiramente chegaram à Índia, em 1542, “compreenderam muito depressa a necessidade de conceber novos métodos de evangelização e de empreender um esforço de adaptação que lhes permitisse conquistar, aqui como na Europa, as elites regionais. (…).” Esses homens, como método de aproximação às novas culturas, procuraram integrar-se nas sociedades locais, adoptando numerosos costumes nipónicos e investigando dedicadamente os padrões mais salientes da sua cultura.

Sobre o chá na China, em 1556, Gaspar da Cruz conta-nos que

“qualquer pessoa ou pessoas que chegam a qualquer casa de homem limpo, têm por costume oferecerem-lhe em uma bandeja galante uma porcelana, ou tantas quantas são as pessoas, com uma água morna a que chamam chá, que é tamalavez vermelha e mui medicinal, que eles costumam beber, feita de um cozimento de ervas que amarga tamalavez. (…).”

Data de 1558 uma outra notícia sobre o chá, da autoria de Europeus, e que é atribuída a Giovanni Maffei (1533 – 1603). Maffei, na biografia que escreveu de Inácio de Loyola, referindo as actividades daquela congregação no Oriente, fala de chá. J.J. B. Deuss, um holandês que viveu no século XIX, escreve que o seu compatriota Ramusio refere essa bebida nas suas publicações, em 1559.

Quatro anos depois da carta de 1561, o padre Jesuíta português Luís Fróis refere-se de novo ao chá como erva proveitosa: “(…) lhes deo a beber chá, que se faz de água quente com os pós de huma certa herva muito medicinal e proveitoza para o estômago, da qual os japões usão.” Michael Cooper atribui ao Jesuíta português no Japão, Luís de Almeida, a mais antiga referência documental ao chá, o que se deverá ao seu conhecimento prévio, o qual lhe permitiu dar, segundo o autor, “a precise description of the brew, in a letter dated 25 October 1565.” Almeida identificou a “certain boiled herb, which is called cha and which is tasty to anybody getting used to drinking it.” Decorridas mais de duas décadas sobre as observações de Luís Fróis e de Luís de Almeida, Valignano retoma-as sem lhes acrescentar nada de novo.

O que levaria os Europeus a confundirem chá com água quente? Segundo Michael Cooper, “(…) The foreign guest might easily fail to notice the tea powder being spooned into his cup and would only see the boiling water being added; in any case, the hot, clear beverage might well appeared to the foreign palate as so much hot water with some slight flavouring added.”

João Rodrigues (Sernancelhe,1558, 1560 ou 1561 — Macau, 1633 ou 1634) vai muito além das primeiras descrições do chá apresentado como simples água quente. Rodrigues chegou ao Japão muito jovem, em 1577, aí permanecendo por mais de 30 anos: “He received most of his formal education there and learned to speak Japanese fluently – so fluently in fact that he became known Rodrigues, the interpreter.” Teve igualmente muito mérito pelo seu trabalho de explicar a cultura japonesa ao Ocidente: “(…) Certainly Europe´s appreciation of the way of tea had advanced a long way from the early descriptions of cha as hot water.”

Os diários de Matteo Ricci revelaram a China à Europa. Neles é frequentemente descrito “(…) the ubiquitous use of a drink called “cia” (that is, tea).” Ricci adianta que: “This beverage is sipped rather than drunk and it is always taken hot. It is not unpleasant to the taste, being somewhat bitter, and it is usually considered to be wholesome even if taken frequently.” Ainda em 1615, outro Jesuíta, Alessandro Valignano, via o chá ainda como uma infusão de ervas moídas:

“(…) Para lo qual es de saber que acostumbran universalmente en todo Jápon usar de una bevida hecha de água caliente y de uns polvos de hyerva, que chaman chàa (…) qui entre ellos es tenida en grande cuenta, y todos los senores tienen en sus casas un lugar particular onde hazen esta bebida (…).”

Também no século XVII, o holandês Philip Balde (c. 1632 -1671) socorre-se do método comparativo, para confrontar o chá com o café, a outra bebida exótica do momento, bem como para comparar o chá chinês com o japonês, revelando a sua preferência por aquele. Outro europeu a referir como transmissor do conhecimento sobre o chá é o Padre Martini, que escreveu o Novus Atlas Sinensis, impresso em Amesterdão em 1655. Além do mais, Martini foi uma das bases utilizadas por Kircher para descrever a planta e o processamento das suas folhas. Depois, Kircher publicou na sua China Illustrata, publicada em 1667, uma das primeiras imagens da camellia sinensis conhecida na Europa. Outro dos pioneiros na divulgação científica do chá na Europa foi Jacob Bondt. Este médico residiu em Batávia (atual Jacarta) e aí se informou sobre o tema, no seio da comunidade chinesa, para além de ter tido acesso à descrição que Jacob Specx fizera da camellia sinensis. A obra de Bondt, De Medicina Indorum libri IV, foi publicada inicialmente em 1642, onze anos depois da sua morte. Havia uma “(…) relativa abundância de tratados médicos, na segunda metade de Seiscentos, sobre os benefícios destas três bebidas (chá, café e chocolate).” As suas qualidades eram estudadas e divulgadas em textos, tais como “o de Nicolas de Blégny (1687), retomado por Leonard Biet, exclusivamente no caso do chá.”

Em jeito de súmula, concluímos as linhas gerais atrás referidas: Muito antes de o chá ser bebida de consumo no século XVII na Europa, já os Europeus o estudavam (e bebiam) na Ásia no século XVI. Será, porém, no primeiro quartel do século XVII que surgem as primeiras descrições e classificações botânicas desta theacea pela mão do helvético Gaspard Bauhin (1550-1624) e do português, seu contemporâneo, o jesuíta João Rodrigues (1562-1633).

Mário Moura

Doutor em História do Atlântico

Universidade dos Açores

Lugar Areias, Rabo de Peixe, Maio de 2020

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 09/05/2020
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