LIVRO O ARCANJO, CAP. 1

De repente, como num espanto, me deparei com mãos rústicas apertando fortemente meu pescoço. Seus dedos longos se punham contra mim em movimentos agressivos, apertando meu gargalo, enquanto sentia a forte pressão com que suas palmas se impunham sob minha garganta.

O desespero por não saber o que estava acontecendo emaranhava-se à falta de ar e ao forte anseio por liberdade - naquele momento, daria tudo por me ver livre de suas mãos e poder sair correndo pelo mundo afora, desfrutando do horizonte que me aguardava. Os movimentos frenéticos de suas palmas estremeciam todo meu corpo, que aos poucos tornar-se incapaz de reagir. Sentia seu torso grande, disforme e pesado sob o meu e, com ele, a impossibilidade que tinha de retirá-lo de cima de mim.

Os ponteiros do relógio marcavam meu desespero - minha alma aos poucos fugia de meu corpo.

Em meio caos, ofuscado pela neblina do desespero, os olhos de meu assassino apareciam nitidamente, como a luz que se acende em meio à escuridão. Seus lindos olhos verdes reluziam beleza sem igual. A entonação esverdeadeada tendendo levemente ao azul, fez-me lembrar dos céus, no momento de aurora, refletindo as cachoeiras em sua aquarela de cores. No entanto, a beleza de seus olhos estava profundamente marcada pelo ódio, sentia uma forte sede que saia dos seus olhos penetrando em minha alma.

O silêncio ensurdecedor daquele momento, tinha uma entonação que se elevava a cada instante, a cada momento que demonstrava minha impossibilidade de falar meus sentimentos, temores, desespero e inquietação, amarrado por suas mãos que apertavam meu pescoço. Mas olhava em seus olhos turvos e logo acreditava que fossem campos de rubis, florescendo vida e beleza a todos que o veneram.

Sabia que a morte se aproximava a cada instante. Começo a ter sérias dúvidas sobre a realidade daquele momento. Minha mente esquizofrênica não é capaz de diferenciar o real do ideal. Em instantes, comecei a pensar a vida que estava fluindo, indo para algum outro lugar.

Em minhas últimas energias, uso o limiar da força que ainda me resta, que aos poucos se esvai, tentando esbofeteá-lo enquanto falta-me ar em meus pulmões. Interessante pensar que meu assassino também vivia a experiência da morte - éramos dois lados da mesma moeda, vivendo a mesma experiência de forma antagônica. Ao término, trilharíamos caminhos opostos.

Enquanto a vida se vazia, reparamos que morte não é tão assustadora assim. Como em Sísifo que se põe a levantar sua pedra mesmo tendo consciência de sua descida. Assim também somos nós, comemorando vividamente os aniversários da vida que nos aproximam dia-á-após dia da morte - mesmo assim, vivemos!

A morte traz consigo seu grande lamento - ela é simplesmente o fim. É o epílogo da esperança e desespero, sonho e desilusão, alegria e tristeza, dor e prazer, paixão e ódio, dos mais bonitos aos mais feios sentimentos e sensações... a morte é simplesmente o fim, nada mais ... acaba tudo, põe termo a tudo que somos....

Mesmo assim, nossa maior angústia é o medo do esquecimento. Temos medo que com o passar das gerações não se lembrem mais de nosso nome, que nossa história seja desconhecida. Tememos que nossos filhos ou netos não nos carreguem mais em seus corações - seria como se nunca tivéssemos existido, caindo no vazio eterno do esquecimento.

Naquele momento, comecei a me sentir absolutamente só - nunca pensei que face à morte houvesse também a solidão. A solidão é como uma sombra, nos acompanha durante todo o trajeto.

A calmaria começa a tomar conta mim, o cheiro na neblina que paira sob o ar. O emaranhado de cores de belas tonalidades que brilham o horizonte do seu rosto. A sensação de flutuação como se pudesse voar entre as mais altas nuvens, com o cheiro do céu azul tocando em meu rosto. O pôr-do-sol se esvai, as luzes se apagam, a noite cai.

É o fim!

Douglas Rocha
Enviado por Douglas Rocha em 30/05/2020
Código do texto: T6962876
Classificação de conteúdo: seguro