Sexta feira do meu coração

Não podia ser melhor, não. Optei por ficar em casa nesta sexta feira, sem duvida, a mais aconchegante dos últimos anos. Acordei leve, meio que nostálgico, quase sem querer deixar a cama. Mas segui meu instinto ético de não quebrar as regras matinais de levantar e exercitar minhas articulações antes do café. Parecia ser um dia como os outros, porem o tempo mudou imediatamente após alguns minutos.

O sol radiante deu lugar a grossas nuvens e fortes rajadas de ventos, seguidas de chuva forte. Uma chuva inesperada para este momento, quando normalmente o máximo de se esperar era garoa, ou chuviscos contínuos para o inverno amazônico. Mas não foi isso que ocorreu. Imediatamente o tempo fechou e o vento forte bateu portas e janelas me obrigando a vestir um blusão que há anos estava lá, encalacrado no fundo do baú. Fiquei comovido pelo inesperado fenômeno que, se ocorresse frequentemente, me trazia muita alegria e felicidade. Porem não é isso que ocorre. Confesso que em quase quarenta anos nesta cidade, nunca havia experimentado coisa mais agradável.

Que experiência boa! Como é bom ver, sentir e tocar algo novo ocasionalmente! Daí corri pro pátio pra ver melhor aquela paisagem romântica de nuvens escuras, encharcadas quase que encerrando o dia que acabara de amanhecer. Notei também que tudo havia se modificado ao meu redor. Percebi que fiquei mais elegante e inspirado ao verso no mesmo compasso das ocorrências climáticas da região. Nada igual ao alvorecer desta sexta feira que não relutou em atender meus apelos de uma quase primavera tropical. Mudei os planos e deixei ela me contagiar mais ainda retomando a leitura íngreme de Emily Bronte, sobre as travessuras de Cathy e Heachtcliff, narradas por Nelly ao sr. Loockood.

Sexta feira do meu coração não deixe apagar da minha alma tamanha satisfação. Queria está contigo sempre, mesmo que fosse somente na minha imaginação. Volte quando puder trazendo consigo o que tiver de mim em você, mesmo que seja impressão, venha me dizer alguma coisa, que não seja segredo, nada que me ponha medo, uma verdade apenas, mesmo que seja passageira, mas que seja verdadeira...

Milton Nascimento
Enviado por Milton Nascimento em 29/09/2020
Reeditado em 02/10/2020
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