FLUOXETINA

Comecei a tomar fluoxetina duas semanas antes do início da quarentena, mas somente comecei a tomar doses diárias quando começou esse caos todo da pandemia. Confesso que estava descrente no efeito do remédio, principalmente depois da primeira semana tomando, na qual eu não notei diferença alguma.

Tomo por causa da ansiedade. Minhas crises não eram habituais, eram raras, por assim dizer. Entretanto a ansiedade diária era forte, sempre foi, por isso o remédio.

Eu sou muito criativo e, creio que aqueles que também são irão entender a próxima frase; a criatividade em excesso é uma faca de dois gumes. Ela pode tanto te beneficiar fantasticamente como também pode ser o maior combustível para sua ansiedade. Antes de eu começar a tomar o remédio, eu tinha uma dificuldade enorme de separar as ideias e coloca-las no papel e isso se dava graças a enorme quantidade de ideias diferentes que surgiam em minha mente. Era muito difícil conseguir separar uma e disseca-la antes de coloca-la no papel, seja qual fosse a ideia ou a área destinada para aquela ideia. Não importava se era para a faculdade ou para algum hobby como desenhar, compor, etc. Quando eu conseguia finalmente separar alguma, a ansiedade fazia o seu papel; a já enorme, porém crescente vontade de ver projeto terminado do jeito que eu imaginei, atrapalhava a minha concentração no passo-a-passo da criação. E, como em todas as situações da vida, isso gerava uma reação em cadeia: eu começava o projeto, ficava ansioso pra terminar e ver o resultado do jeito que eu queria, o que me tirava a concentração da parte prática e, de certa forma, acabava estragando o projeto, fazendo com que o resultado final fosse abaixo do esperado e gerasse em mim um sentimento de incapacidade, o que me fazia desistir de tentar outros projetos do mesmo tipo.

A ansiedade, aliada com o excesso de criatividade, também era combustível para a criação de situações hipotéticas em relação a diversas áreas da minha vida como, por exemplo, a amorosa. Ah! A imaginação nos leva a áreas da nossa alma que jamais pensávamos que existisse! Bastava uma única faísca, minúscula, para criar o maior dos incêndios dentro da minha mente. Quantas vezes eu me senti insignificante, insuficiente, insuportável, irritante, somente por causa das coisas que eu imaginava que poderiam acontecer ou, ainda pior, os motivos criados, imaginados, julgados, para acontecimentos aleatórios da minha vida real, fora de minha mente. Isso me levou a desenvolver a baixa autoestima, foi também um dos maiores motivos que me levaram a finalizar tantas amizades e relacionamentos ao longo destes míseros 23 anos dos quais caminho sobre esta terra.

Entretanto, isso, de certa forma, acabou por enquanto. Costumo pensar que a primeira semana foi a última semana de confusão. Logo após essa primeira semana de descrença, percebi uma certa facilidade de organizar meus pensamentos, consegui realmente “ouvir” a minha consciência. Antes, eu agia muito por instinto, o que pra mim é não mais do que a atitude racional condensada, ou seja, antes de ser explanada pela mente para que assim possamos entender os motivos que nos levou a chegar nessa atitude. Ou seja, os padrões que eu seguia em relação as atitudes que eu tomava antes de começar com o remédio, não mudaram em nada. O que mudou foi o meu entendimento das minhas atitudes. Agora eu sei todos os motivos que me levam a tomar tais atitudes, independente de quais sejam elas. Não, meu raciocínio não se tornou mais rápido, mas sim mais controlado. Quando algo acontece, eu já não imagino as várias consequências que aquilo pode gerar de uma única vez, mas analiso uma por uma. Quero dizer que agora eu consigo organiza-las e isso me permite entender melhor as situações.

Esse controle, por mais simples que possa parecer, me trouxe uma melhora significativa em todas as áreas da minha vida. Por meus pais terem sido exigentes comigo desde sempre, eu estipulei um padrão de qualidade alto para tudo o que eu faço na minha vida e, por mais que fosse muito difícil chegar em tais padrões com essa quantidade absurda de confusão na minha mente, eu não falhava. Agora, isso que sempre uma das coisas que mais drenavam meu ânimo e me cansava, se tornou algo fácil e, por ter se tornado fácil, eu consegui aumentar ainda mais o padrão de tudo. A minha concentração agora está muito melhor do que antes, o que me possibilitou desenvolver ainda mais o prazer da leitura, que por sua vez fez com que eu me arriscasse na escrita também, coisa que eu jamais faria antigamente, não por medo de falhar e fazer algo ruim, mas por realmente não conseguir me manter focado nisso por muito tempo. Em seis meses de quarentena eu li mais livros do que tinha lido em todo o restante da minha vida, o que me fez melhorar ainda mais a minha escrita.

Minhas decisões, antes impulsivas e confusas, hoje são decisivas e lógicas. Se antes eu já era tido como manipulador, coisa que eu jamais concordei que fosse, hoje eu realmente mereço essa alcunha. Tudo o que eu posso controlar, eu controlo, afinal, se você possui o poder, porque não o exercer? Mas também não faço disso uma regra. Pouco me importa se as coisas saem como eu pensei ou não. Muitas vezes é até mais divertido quando acontecem de um jeito que eu não consegui imaginar.

Outra coisa que teve uma melhora significativa com o remédio foi o meu sono. Hoje eu realmente consigo deitar e dormir, sem ficar pensando em milhares de coisas enquanto a hora se esvai por entre meus dedos. Deixo esse terror para os pesadelos, que infelizmente aumentaram muito. É, no mínimo, um por dia, sem exceção. As vezes é de todo ruim, sem lógica, apenas um terror puro. Outras vezes, rende algumas boas histórias. O conto “A verdade por trás da guerra contra o Conde” foi um dos materiais aproveitáveis de um de meus pesadelos. Boa parte daquilo eu tirei de um pesadelo terrível em que eu era o Conde e, desesperado, via a traição daqueles pelos quais eu lutei e tanto fiz. Confesso que foi terrível pois acordei na hora da decapitação, mas veja, rendeu uma história muito boa, ao menos pra mim. E aqui, mais uma vez mostra o aumento da minha concentração pois, sem o remédio, eu jamais conseguiria lembrar do pesadelo tão detalhadamente a ponto de conseguir escrevê-lo.

Entretanto, por mais que o remédio me forneça várias coisas boas, não pretendo mantê-lo para sempre. Pelo contrário, quero parar de tomar assim que possível. Quero conseguir fazer tudo isso por mim mesmo, sem o auxílio de um comprimido. E sim, eu sei que consigo. Por enquanto, irei mantê-lo até o fim da pandemia. Depois, buscarei outras formas de esvaziar minha mente e lutar contra a ansiedade.

Quando isso acontecer, voltarei para contar a vocês como estará sendo. No mais, até a próxima!

Rian Vitor
Enviado por Rian Vitor em 01/10/2020
Código do texto: T7076729
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