Ana Paula de Oliveira Gomes
Professora, jurista e escritora
@engenhodeletras

 
Estas linhas intencionam recordar a vida e obra do poeta francês Arthur Rimbaud, que viveu de 1854 a 1891. Aos 37 anos, padeceu de câncer na perna em seu país natal. Não se tem qualquer pretensão de enveredar pelo universo de sua genialidade, o que seria impossível e arrogantemente inútil.

O que se pretende: a partir de lembranças pontuais biográficas e literárias, trazer ao debate o que ele deixou perceber, sobretudo, seu silêncio eloquente, além, claro, de herméticos versos. Rimbaud foi um dos grandes nomes da poesia mundial. É difícil enquadrá-lo em escola literária. Talvez, aproxime-se do Simbolismo em razão dos jogos de sinestesia articulados. Influenciou consideravelmente o movimento da contracultura no século XX.

Nasceu em Charleville. Aos 16 anos, foi incentivado por seu professor Georges Iszambard a estudar a literatura do porte de Victor Hugo e Baudelaire. Sua mãe, assaz conservadora, reprovou amizade do filho com o docente.

Iszambard foi a primeira pessoa a perceber a diferença de Rimbaud no mundo da alta cultura, tanto é que o estimulou a estudar nomes imortais da humanidade. Interessante registrar que Victor Hugo associava o poeta a um caçador de palavras. Rimbaud, por seu turno, mais se encontrava para um vidente de palavras. Fugitivo do próprio destino de escritor, a empreitada não logrou êxito. Por sorte!

De espírito rebelde, entre várias fugas de casa, conheceu Paul Verlaine, a quem remetera seu “Soneto de Vogais”. Verlaine o acolheu em casa. Iniciou-se, assim, conflituosa relação a escandalizar a sociedade francesa do século XIX. A produção poética de Rimbaud se deu dos 16 aos 20 anos de idade (quando parou de escrever). Aos vinte anos, aventurou-se pela África. Tornou-se andarilho na Abissínia.

Três anos antes, em 1871, apresentou a proposta pessoal mediante carta dirigida a Paul Démeny: uma literatura nova, o que nominou salmo da atualidade. Anunciou: “[...] Eu é um outro [...]”. A conjugação verbal, nesse caso, falou e fala por si. Rimbaud se colocou em terceira pessoa para enfrentar, impessoalmente, a fugaz e intensa missão poética abraçada.

E mais: “Se os velhos imbecis não tivessem encontrado apenas o significado falso de EU, não teríamos que limpar esses milhões de esqueletos que, desde um tempo infinito, acumularam os produtos de sua inteligência caolha, clamando que eram os autores!”. O poeta, no século XIX, denunciou literariamente o que, filosoficamente, Nietzsche denominou efeito de rebanho.

Nesse diapasão, o primeiro estudo do homem – aspirante a poeta – é conhecer a si por inteiro, buscar a própria alma, observar, intentar, aprender, instruir. Clamou: “Eu digo que é preciso ser vidente”. Fazer-se vidente eis a palavra de ordem. Caminho: longo e pensado desregramento de todos os sentidos. Dito isso, agora, examine-se o trabalho por ele escrito (pelo que se tem notícia) aos 18 anos – nada é tão nítido e sereno quando se trata da pena de Rimbaud:

 
L’Eternité

Elle est retrouvée.
Quoi? - L’Eternité.
C’est la mer allée
Avec le soleil.

Ame sentinelle,
Murmurons l’aveu
De la nuit si nulle
Et du jour en feu.

Des humains suffrages,
Des communs élans
Là tu te dégages
Et voles selon.

Puisque de vous seules,
Braises de satin,
Le Devoir s’exhale
Sans qu’on dise: enfin.

Là pas d’espérance,
Nul orietur.
Science avec patience,
Le supplice est sûr.

Elle est retrouvée.
Quoi? - L’Eternité.
C’est la mer allée
Avec le soleil.

 
Observe-se a repetição dos versos a dialogar sobre o retorno da eternidade. Terá ela voltado de fato se o mar partiu com o sol? A simbologia do ocaso consiste em traço marcante do poema. Eis a tradução livre proposta:

A Eternidade

Ela foi reencontrada.
Quê? A Eternidade.
Este mar se vai
Como o sol.

Alma sentinela,
Murmura a confissão
Da noite tão fria
E do dia em chamas.

Humanas escolhas,
Laços comuns
Aí te desenganas
E voas conforme.

Desde que sozinho,
Brasas de cetim,
O Dever se esfuma
Sem que digam: finalmente.

Não há esperança,
Inexiste norte.
Ciência com paciência,
A tortura é certa.

Ela foi reencontrada.
Quê? A Eternidade.
Este mar se vai
Como o sol.

 
Se a noite inexiste, o dia transcorre em chamas. A metáfora do fogo persegue e é perseguida por Rimbaud. Sua “Carta do Vidente” e “A Eternidade” dialogam: o poeta é um ladrão do fogo. Os versos exprimem a necessidade de solidão, o contraste com a realidade e a imprescindibilidade de transcender. Interessante registrar ser o cetim tecido luxuoso mais usado à noite. Sua leveza e suavidade contrasta com a intensidade das brasas. Os versos revelam impaciência, de certa forma, desesperança com o nominado normal.

O mais, em se tratando de Arthur Rimbaud, será menos pois se está diante de um gênio da literatura universal. O certo é que ninguém permanece o mesmo ao lê-lo. Finalmente, ousa-se a expressá-lo em poema autoral:
CAMINHANTE NA ABISSÍNIA

Por Ana Paula de Oliveira Gomes

Poeta, apreciador das pedras do caminho
No Império Etíope, fugir do próprio destino.
Andarilho, marchava… E a sorte o enlaçava…
Mais e mais vontade de matar a desdita dava!

Olhar manso, coração sedendo de palavras
Falar? Os olhos: celestes, indecifráveis lavras.
Batalhas mil no peito, angústia a destruir
Na enigmática dança do porvir e do devir.

Arthur Rimbaud, de ti, não conseguiste
Escapar. Teu talento: nem tu ruíste!
Vate, que foste tu, lavrador, guerreiro
Inconteste fato: do verbo, jamais prisioneiro.

Fotografia tua, o meu ser inebria…
Olhar para luz. Sim, o abstrato reluz!
Áurea concretude, aurora, similitude.
Fenômeno físico? Quiçá metafísico!

Em sã consciência, ousarão responsabilizar-te?
Se é que algo ou alguém, a esmo, deixaste!
Quem afirmará o que a vida reserva a cada um?
Poeta fugido em vão de si, ventura incomum.

Mais que poema, foste poesia que acena
Literatura, música e arte em viva cena.
Tentaste olvidar a sagrada ode da poesia
Mas o místico hino sempre foi teu guia.

Conseguiste, enfim, precocemente,
Bruma tanto mais que de repente,
Abrir-te ao curso do denso rio infinito…
Livrar-te do rebocador da vida: grito!

Inebria meu ser tua fotografia…
Sim, o abstrato reluz! Olhar para luz
Aurora, similitude. Áurea concretude.
Fenômeno físico? Por certo, metafísico!
 
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Professora Ana Paula
Enviado por Professora Ana Paula em 03/10/2020
Código do texto: T7078768
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