Esquizoanálise: A Botânica Bio-Afetiva do Rizoma

e a Filosofia em Suas Hastes Intercomunicantes.

Cadeira de Introdução à Esquizoanálise.

Universidade de Pernambuco(UPE).

Prof. Responsável: Djailton da Cunha.

Texto sintético por: Raul Magalhães Brasil

Resumo: Este ensaio procura introduzir o conceito de “Rizoma”, muito presente na filosofia de Deleuze e Guattari e fortemente revisitado em seu livro conjunto: O “Mil Platôs”. Não se limitando ao conceito em si, buscar-se-á a demonstração de diálogos entre o conceito de “Rizoma” e os conceitos de “Duração” em Bergson e “Anarquismo Epistemológico” em Feyerabend, procurando assim, demonstrar uma figuração do Rizoma na perspectiva possível de mundo, manifestando a sua pragmática ética, estética e política.

I. Introduzindo: O Rizoma.

Certa vez me disseram: “Deleuze e Guattari dormiam e acordavam pensando no Rizoma” e, confesso, eu não duvido. Costumo dizer para mim mesmo sobre o Rizoma: “que corpo melhor para exemplificar o conceito do que próprio livro do Mil Platôs?”. A própria (des)estrutura do livro e sua técnica de escrita foram composições marcadamente rizomáticas.

Mas o que é um Rizoma? — Antes de responder a essa pergunta é necessário esclarecer a gênese do conceito —. Na botânica, o Rizoma é uma espécie de caule que cresce horizontalmente, geralmente subterrâneo, apresentando raízes comunicantes e um crescimento que não possui um direcionamento estabelecido. Transferindo esse conceito para a filosofia, o Rizoma foi cunhado visando combater a estrutura do pensamento “arborescente”, que domina a filosofia e a epistemologia. O pensamento arborescente tem um direcionamento específico, tem início, meio e fim, é previsível, ordenado, adequado, disciplinar, separa o uno do múltiplo e está impregnado nas diversas áreas do conhecimento e no próprio psiquismo humano. Deleuze e Guattari enxergam essa concepção arborescente sobre o conhecimento e sobre a vida como um erro e diante disso, apresentam-nos o Rizoma. Sem direcionamento, sem início nem fim, apenas meio. Sem previsibilidade, desordenado, inadequado, transdisciplinar, ingovernável, onde o uno e o múltiplo não necessariamente se separam pois o uno — dirão Deleuze e Guattari — é múltiplo.

Foi, portanto, de suma importância iniciar o Mil Platôs com o platô do Rizoma, pois suas hastes, suas raízes intercomunicantes serão alicerces fundamentais da obra. Rizoma é uma nova forma de produzir e de pensar a vida e assim, dialoga com a filosofia e a psicologia da diferença da proposta deleuze-guattariana. Mais do que dizer que o rizoma é fundamental, arrisco mais: o Rizoma é indispensável, umbilical à esquizoanálise. Isso pois, é ele sua pragmática. A esquizoanálise tem um único imperativo, sendo ele: faça rizoma!

[...]sempre n-1 (é somente assim que o uno faz parte do múltiplo, estando sempre subtraído dele). Subtrair o único da multiplicidade a ser constituída; escrever a n-1. Um tal sistema poderia ser chamado de rizoma. Um rizoma como haste subterrânea distingue-se absolutamente das raízes e radículas. (DELEUZE & GUATTARI, 2000, p 13-14)

Em pouquíssimas palavras: o pensamento arborescente é reducionista, ele reduz conceitos, pensamentos, ele reduz a vida, ele a simplifica e assim sendo, não dá conta de sua multiplicidade. Ele é limitante, limita o conhecimento, limita a vida, limita o pensamento. O rizoma faz-lhe contraste, mas não se opõe a ele(pois aqui não existem dualismos, onde há rizoma, há também raízes fasciculadas) o rizoma procura expandir o horizonte de mundo possível, procura não ser redutivo e sim expansivo, produzindo a n-1, criando platôs diferenciados, ou seja: O rizoma não quer limitar, não quer estruturar, não quer reduzir, o rizoma está sempre se perguntando “isso funciona?”, “aonde isso vai dar?” ele expande os limites epistemológicos da produção de conhecimento, assim como expande os limites bio-afetivos da concepção sobre a vida.

Se o pensamento arborescente é previsível e reduz a potencialidade dos corpos no plano de imanência ao crescimento linear de uma árvore, mutilando a produção desejante dos corpos através de máquinas sociais e burocráticas. É somente através da máquina abstrata do rizoma que as máquinas desejantes poderão encontrar sua máxima potência, sua vociferação esquizofrênica do desejo. É rizomaticamente que o desejo quer acontecer, e dado rizomaticamente é que os agenciamentos do desejo elevam-se a sua enésima potência.

II. Um Diálogo entre Deleuze e Bergson.

Um leitor mais ávido perceberá: Deleuze é marcadamente bergsonista. Os conceitos desse filósofo, suas reflexões sobre tempo, duração, atualidade e virtualidade são de extrema importância para a composição filosófica deleuze-guattariana. Bergson não fica muito atrás de Nietzsche, Espinoza e Foucault no jardim de filósofos de Deleuze. Deleuze, por sua vez, faz Rizoma com esses pensadores, faz com que se comuniquem, com que interajam, com que se completem.

A filosofia Deleuziana é uma espécie muito sóbria de necromancia: Deleuze faz renascerem esses filósofos mortos e faz sentarem-se nas cadeiras de uma cafeteria, todos ao seu lado — e então começam a conversar despretensiosamente —. Seus pontos notáveis se conjugam, suas singularidades se sobrescrevem e desse ritual rizomático e singularizante nascem entes simbiônticos, filhos dessa feitiçaria filosófica. Deleuze, como o feiticeiro que é(DELEUZE & GUATTARI, 2004, p 16) evoca golens, sentinelas conceituais a partir desses filósofos, estendendo seus pensamentos. É desse modo que comunicam-se os conceitos de Devir em Nietzsche, Afetos em Espinoza, Rizoma em Deleuze e Duração em Bergson.

Procurarei ser breve ao enunciar as intercomunicações dessas hastes rizomáticas: O Devir é Rizoma. O Devir pode ser entendido como uma expansão dimensional de intensidades dentro da Multiplicidade do indivíduo, o sujeito está sob devires constantes. No momento em que escrevo, sou um Devir-Escritor, visto que minhas intensidades encontram extensão ao escrever, sou também um Devir-Máquina, visto que, enquanto escrevo em frenesi, mal se notam a diferença entre o autor e seu notebook, afinal, compartilhamos afetos em comum. Sou ainda uma infinidades de outros Devires, Devires-Imperceptíveis. Os Devires se organizam em Blocos de Devires, o indivíduo nunca deixa de vir-a-ser, de se compor, o indivíduo em sua singularidade é uma hecceidade constante, através da diferenciação, da repetição diferida, do ritornello, nunca se é algo que já se foi, sempre se é algo inteiramente novo, totalmente individual e diferenciado. Os devires são acumulativos e estão acontecendo no corpo inscrito no tempo, são inúmeros, imperceptíveis, e denunciam um dinamismo da uno-multiplicidade, apontam sempre para um n-1, para um uno diferenciado. Ora, não é isto um rizoma?! Os devires — quando não são arborescentes — são máquinas de guerra nômades, rizomáticas, que se diferem absolutamente dos corpos disciplinares dos exércitos. A conjunção dos blocos de devires que acontecem no indivíduo é o que se chama de uma rizofesra, ou ainda, de uma mecanosfera. Nada mais são do que a acumulação dos dinamismos e dos vir-a-ser desse indivíduo, que compõe sua singularidade e suas possibilidades de ser. Dialogando com o que Bergson entende por duração e sobretudo, duração interior. Nas palavras do autor:

A duração interior é a vida contínua de uma memória que prolonga o passado no presente, seja porque o presente encerra distintamente a imagem incessantemente crescente do passado, seja, mais ainda, porque testemunha a carga sempre mais pesada que arrastamos atrás de nós à medida que envelhecemos. Sem essa sobrevivência do passado no presente, não haveria duração, mas somente instantaneidade. (BERGSON, 2009.).

Os blocos de devires, a máquina abstrata, são duração interior, acumulação de duração do passado que constrói um vir-a-ser presente, possibilitando um horizonte de devires possíveis no futuro. Não existe instante, não existe momento, toda imagem de tempo no corpo é ilusória. Tudo o que há é duração de devir em constante acontecimento e produção de si.

III. Um diálogo entre Deleuze e Feyerabend.

Foram contemporâneos o feiticeiro Deleuze e o dadaísta Feyerabend, porém, é desconhecida qualquer interação ou comunicação entre os pensadores. O que é curioso, pois seus pensamentos, em determinado ponto, se sobrescrevem e se encontram sobre um mesmo plano de crítica e reflexão. Claro, Deleuze se preocupa com a ética, com a política e com a vida não-fascista, Feyerabend se preocupa com o método, com a epistemologia e com a ciência. Estamos falando de um feiticeiro e de um dadaísta, mas ao mesmo tempo, falamos de um filósofo e de um físico. Onde se encontram então? Onde está o ponto notável?! Eu te respondo: está no Rizoma.

Feyerabend denúncia o método científico, mostra a sua ineficiência para dar conta da arte, da filosofia, da vida, e, sobretudo, da própria ciência. Ele faz uma bricolagem com o dadaísmo e disso, cria algo, um rizoma: o anarquismo epistemológico. Conceito que conversa com o rizoma deleuze-guattariano. Ambos são contra a arborescência, a linearidade, a academia, a forma vigente e instaurada de pensar, que é reducionista, limitante e que não dá conta de nada. Feyerabend critica a epistemologia, mas sobretudo, critica a ciência. Nas palavras do autor:

Vocês são cientistas. Isto não significa que vocês sabem tudo. De fato, vocês com freqüência cometem erros, especialmente em áreas como a filosofia, que vocês olham com desprezo e, no entanto usam constantemente, embora de maneira desavisada.

(FEYERABEND, 1996, p 110)

Ambos inspirados por Artaud, propõem algo novo, novas formas de conhecer e novas formas de existir, uma nova perspectiva e um novo paradigma sobre a arte. Até mesmo suas perguntas dialogam-se, o “tudo vale” no anti-método de Feyerabend, soa como o “isso funciona?” da esquizoanálise. Portanto, é válido o que funciona, o que produz, o que gera produção, rizoma, intensidade, horizonte de possibilidade. É necessário uma transdisciplinaridade, uma intercomunicabilidade entre as hastes do conhecimento. É necessário tombar a árvore do método cartesiano e instaurar uma anarquia, uma anarquia epistemológica que, por excelência, é rizomática. É assim que se produz algo, é disso que nasce algo, segundo Feyerabend, é assim que se concebe qualquer progresso. Qualquer avanço, qualquer produção de conhecimento teve um quê de rizoma em sua arborescência. Como nos diz Feyerabend:

[...] o progresso foi conseguido exatamente pelo ‘vaguear por diferentes campos’, cuja feição hesitante, agora tanto perturba ao crítico: Aristóteles viu o mundo como um superorganismo, como entidade biológica, ao passo que um elemento essencial da ciência nova de Descartes, Galileu seguidores em medicina e biologia, é o caráter exclusivamente mecanicista. Devem esses desenvolvimentos ser proibidos? (FEYERABEND, 1977, P 411)

IV. Conclusão.

Como o próprio Deleuze nos aponta em sua literatura filosófica: é preciso instrumentalizar conceitos. O Rizoma é uma máquina de guerra, devemos pilotá-lo. É produzindo a nós mesmos numa cartografia de afetos possíveis que seremos rizomáticos. Levemos o imperativo esquizoanalítico aos nossos afetos de vida: tombe a árvore do conhecimento dialético e produza rizoma; produza agenciamentos, criações, experimentações, extencionamentos, bons encontros. Produza a ti mesmo num devir-intenso, molecular e revolucionário. Subverta Platão, torne-se um cínico e assim sendo: antes mesmo de procurar conhecer a ti mesmo procure tornar-se quem tu és! É num agenciamento rizomático de si consigo mesmo que o indivíduo consegue produzir-se em realidade e produzir a própria realidade na multiplicidade dos horizontes de mundo possíveis.

Referências Bibliográficas.

BERGSON, Henri. A Energia Espiritual. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2009.

COELHO, J. G. Ser do Tempo em Bergson, Interface - Comunic., Saúde, Educ., v.8,n.15, p.233-46, mar/ago 2004.

DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, Vol. 1, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2000.

DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, Vol. 4, Tradução de Suely Rolnik. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2004.

FEYERABEND, Karl Paul. Contra o Método. Trad. O. Mota e L. Hegenberg, Rio de Janeiro: Ed.Francisco Alves, 1977.

FEYERABEND, Karl Paul. Matando o Tempo. Trad. Fiker R. São Paulo: Ed. Unesp, 1996.

PINTO, I. V. G. O progresso de Ciência e o Anarquismo Epistemológico de Karl Paul Feyerabend. Dissertação de Mestrado para a PUC-Rio. Rio de Janeiro. 2007.