Livro: Mongolia, de Bernardo Carvalho

Resenha do livro: Mongólia, de Bernardo de Carvalho

Pretendemos através desta pesquisa uma comprovação para a hipótese levantada durante as aulas de Narrativa Brasileira ao longo do primeiro semestre de 2006. A proposição norteadora das leituras foi à busca de uma forma híbrida no romance, principalmente, nos livros Nove Noites e Mongólia de Bernardo Carvalho, ao quais me couberam para pesquisar. O trabalho será composto de introdução, em que são delimitados os objetivos, o corpus e os teóricos usados para a investigação, desenvolvimento em que se explicitam a recuperação biobibliográfica do autor e da narrativa do livro Mongólia, assim como os elementos comprobatórios do hibridismo no romance analisado e a conclusão proposta a partir das considerações feitas.

Dentre os teóricos que nos apropriamos para essa pesquisa foram Zila Bernard , essencialmente, no terceiro nível de hibridação, em são discutidos os textos em que se misturam diferentes gêneros com ficção metadiscursiva, ensaio, autobiografia, romances históricos, formas teatrais, ao mesmo tempo a autora mostra que há um desaparecimento do conhecimento de fronteiras entre os gêneros, um entrelaçamento de diferentes sistemas de significação, bem como uma total despreocupação com as tradicionais categorias de alto, médio e baixo que costumavam gerir as manifestações culturais.

Do mesmo modo, nos voltamos para Peter Burke nos artefatos híbridos em relação aos gêneros literários, também o autor Nestor Garcia Canclini no capitulo Descolecionar quando fala sobre a fragmentação nos videoclipes. Segundo o autor seria um dos gêneros, basicamente, pós-moderno pelo intergênero que demonstra na variedade de mesclas de música, imagem e texto, ao mesmo tempo é transtemporal, pois reúne melodias e textos de várias épocas, também cita despreocupadamente fatos fora de contexto. Também, usamos o ensaio de Nelson H. Vieira para entender a alteridade na literatura e, principalmente, na obra de Carvalho. Para os conhecimentos de literatura em relação aos termos paratextos, intertextualidade, metatextualidade, metaficção, níveis e categoria da narrativa usamos a obra de Carlos Reis . Também para entender que se vive em um tempo de confluências em tudo se mistura, por exemplo, num mesmo livro temos Barroco, Romantismo e Realismo.

1- Recuperação biobibliográfica de Bernardo Carvalho

Assim para darmos continuidade ao nosso trabalho, avançamos para uma recuperação biobibliográfica de Bernardo Carvalho, com o intuito de resgatar essa voz que nos guia durante a análise investigativa do livro Mongólia, que se constitui no objeto de nosso estudo. Bernardo Carvalho nasceu em 1960 no Rio de Janeiro, possui Mestrado em teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, é escritor e jornalista. Foi repórter, editor e correspondente da Folha de São Paulo em Paris e em Nova York. Assina uma coluna, a cada quinze dias, no caderno Ilustrados da Folha. Possui os livros Aberração e Os Bêbados e os Sonâmbulos publicados na França pela editora Rivage. Em 2003, ganhou dois dos principais prêmios literários no Brasil; o prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte, na categoria romance, com o livro Mongólia e o Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira, com a obra Nove Noites. Além disso, foi homenageado com o prêmio literário Machado de Assis. Possui as seguintes obras: Aberração (contos)1993, Onze 1995, Os Bêbados e os Sonâmbulos 1996, Teatro 1998, As Iniciais 1999, Medo de Sade 2000, Nove Noites 2002, Mongólia 2003.

2- Recuperação da narrativa do livro Mongólia

Mongólia, o último livro de Bernardo Carvalho resultou-se dos dois meses em que o escritor passou naquele país e de 5000 quilômetros de viagem, com uma bolsa oferecida pela editora portuguesa de Livros Cotovia pela Fundação Oriente. Bernardo Carvalho escolheu a Mongólia, por causa da sua predileção por desertos. Durante dois meses percorreu cinco mil quilômetros pelo interior da Mongólia. Levava a idéia de que não queria escrever um diário de viagem, mas sim um romance. Contudo, não desperdiçou a oportunidade de ir recolhendo as suas impressões da viagem, que posteriormente aproveitou para base de dois diários ficcionais que vão sendo expostos ao longo do livro. O resultado é um romance que cruza narrativas de viagem, trabalho de pesquisa sobre a história e a realidade econômica e política da Mongólia, e o suspense dos policiais, já que o móbil é uma busca de um fotógrafo que desapareceu no interior da Mongólia, levada a cabo por um diplomata, dois brasileiros. Ambos os personagens vão escrevendo um diário com os desabafos de cada uma das aventuras, e apontamentos socioculturais, arquitetônicos e naturais do país estranho que é o cenário de viagem.

Mongólia constitui-se numa narrativa composta de três narradores e cada narração aparece de uma forma no livro, são autônomas, mas, se interligam para justificar o final proposto pelo autor. A narrativa inicia-se numa escrita objetiva, mas fragmentada com a letra em times new roman ao qual um narrador autodigético atravessa experiências, uma espécie de narrador-personagem porque participa e reflete a situação da narrativa. Do mesmo modo, nota-se nesses relatos a mistura dos narradores, na primeira, ”Tentava criar uma rotina”.(p.10), quando explica sua condição de cônsul aposentado, morador do Rio de Janeiro e na terceira.”A policia alega que ele foi imprudente.”(p.10) quando reflete ao ler a notícia da morte do ocidental (vice-cônsul) que na tentativa de salvar o filho de um seqüestro, morre. A partir daí o narrador, uma espécie de autor empírico , vai analisando sua vida e lembra que o ocidental deixou-lhe algumas cartas, uma espécie de diário.

Então começa uma narrativa na primeira pessoa (homodiegético) que seria uma narrativa epistolar em forma de diário escrito pela ocidental enquanto estava em Pequim e na Mongólia para sua mulher no Brasil. Essa narrativa está em letra itálico parece ser mais subjetiva, possui um certo tom de desespero e urgência. São cinco cartas descritivas, ao término de cada missiva, entra o narrador autodigético (cônsul), em que são analisados os escritos. Nesses escritos do ocidental aparecem análises sobre a cidade de Pequim, também mostra que a literatura na China não saiu do romantismo, pois as palavras pareciam estar sempre num sentido figurado, o que segundo ocidental, não haveria chance de evoluir para a escrita contemporânea, como no excerto citado, “...possui excesso de metáforas que em essência é inadequado à criação da prosa moderna”.(p.24)

A partir da página trinta dois, retorna o narrador na terceira pessoa explicando as razões pela quais o ocidental é mandado para Mongólia, era uma missão oficial com o objetivo de procurar, um fotografo desaparecido no Monte Altai, filho de um figurão de Brasília. Mesmo a contragosto, o vice-cônsul ou ocidental, recém chegado à cidade de Pequim, parte para Mongólia onde encontra a bagagem do fotografo ou o desaparecido. Então começa uma narrativa centrada nas cartas do fotografo, constitui-se numa escrita em letra versal com uma linguagem seca, em forma linear e descritiva sobre tudo que o personagem vivencia través de suas fotografias. Aparecem descrições minuciosas dos costumes mongóis, por exemplo, vivem em iurtas (tendas), são nômades mudam-se conforme as estações. Também é relatada a história da Mongólia, o domínio dos lamas e do partido comunista. Ao mesmo tempo, o narrador em terceira pessoa tece comentários sobre esse povo dominado, porém doce sem interesses consumistas e eternamente felizes. O livro é composto de três capítulos, o primeiro chama-se Pequim -Ulaanbaatar, o segundo Os montes Altai e o terceiro e último O Rio de Janeiro.

O último capítulo retorna ao Rio de Janeiro em que o Cônsul aposentado diz que escreveu o livro em sete dias, ou transcreveu os relatos de viagens dos dois personagens: “ Até ontem á noite, depois de quarenta anos adiando o meu projeto de escritor. A bem dizer, não fiz mais do que transcrever e parafrasear os diários, a eles acrescentar a minha opinião.”( p.182). Assim, revela-se aos leitores e ao narrador (cônsul) que o fotógrafo, na verdade, era meio irmão do ocidental, e segundo autor empírico, “ A gente só enxerga o que já está preparado para ver”.(p.184).

3 Elementos comprobatórios de hibridismo na forma narrativa do romance Mongólia:

Partimos da proposição que há hibridismo na forma literária do livro Mongólia, sendo assim vamos especificar alguns itens para defesa da suposição.

a- Elementos paratextuais: Há um mapa antes do inicio do livro mostrando todo o percurso que o ocidental fez e também o caminho feito pelo fotógrafo. Não existe prefácio no livro. No final consta uma carta de agradecimentos para as pessoas que o ajudaram na construção do livro.

b-Metatextualidade: O livro é produzido a partir de outros textos, noticia da morte do ocidental no jornal e das cartas do ocidental e do fotógrafo.

c)- Intertextualidade: A narrativa é construída com série de referências a outros textos no decorrer da história, são relatadas as formações sociais da Mongólia, o budismo, o modo de vida nômade dos mongóis e o domínio do comunismo nos anos setenta. Enfim toda a formação do povo mongol aparece no livro.

d- Metaficção: A metaficção se dá no texto quando o cônsul preocupa-se com o fato de não ter escrito um livro: “Não me resta muito a fazer senão protelar mais uma vez o projeto de escritor que venho adiando desde que entrei para o Itamaraty aos vinte e cinco anos...” (p.11). No final do livro: “Escrevi este texto em sete dias, do dia seguinte ao enterro até ontem à noite, depois de mais de quarenta anos adiando o meu projeto de escritor.” (p.182). Discute-se na narração que a literatura na China não saiu do romantismo, uma vez que as palavras pareciam estar sempre num sentido alegórico, o que segundo ocidental, não existiria oportunidade de evoluir para a escrita contemporânea, como no excerto citado, “...possui excesso de metáforas que em essência é inadequado à criação da prosa moderna”.(p.24)

e- Gênero narrativo literário: Há uma relativação, uma espécie de desaparecimento nas fronteiras dos gênero literário narrativo, pois o autor combina textos de história, geografia, religião assim como usa cartas descritivas, um tipo de diário de viagens para compor a narrativa do romance. Ao mesmo tempo, apresenta-se uma fragmentação na estrutura narrativa dimensionada pelo uso de três formas de narração apresentado diferenças em relação às letras, narradores e linguagem. Por outro lado, A narrativa de carvalho não instaura uma dinâmica de sucessividade, porque as cartas, os relatos históricos e as intervenções do autor empírico não se sucedem, são quase independentes no livro.

f- Alteridade: Em toda narrativa de Mongólia constrói-se uma relação de alteridade entre os três narradores. O cônsul coloca-se no lugar do ocidental quando começa a ler as suas cartas. Ao mesmo tempo, ao ler as cartas do desaparecido (fotografo), o ocidental sente o que o outro sentiu ao percorrer os confins da Mongólia.

Deduzimos que os elementos citados acima podem nos levar a uma forma híbrida de romance no Brasil. O livro Mongólia de Bernardo de Carvalho constitui-se, ao mesmo tempo, num diário de viagem quando percorremos a Mongólia pelos caminhos trilhados do Ocidental e do desaparecido e um romance histórico nos relatos da vida dos nômades no deserto de Gobi, também a história do comunismo e do budismo na Mongólia e ficção quando interliga todos os relatos, assim criando uma brilhante narrativa que nos leva a crer que: “A gente só enxerga o que já está preparado para ver”.(p.184).

Referências bibliográficas

BERND, Zila. Estruturas híbridas - estudos em literatura comparada interamericana. Porto Alegre: Ed. da Universidade / UFRGS, 1998. p. 265.

BURKE, Peter.Hibridismo cultural. São Leopoldo: Unisinos, 2003. p.27

CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para pensar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 2003. p.305

CARVALHO, Bernardo. Mongólia São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

REIS, Carlos. O Conhecimento da literatura. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.

VIEIRA, Nelson.Hibridismo e Alteridade: estratégias para repensar a historia. In: MOREIRA, Maria Eunice (org.). Histórias da literatura: teorias, temas e autores.Porto Alegre: Mercado Berto, 1978.