(DO LIVRO SOMENTE E TÃO SOMENTE AMAR)
  
O primeiro mistério que atormentou minha alma tem como a imagem principal o de uma caneca gravada com o nome “Maria” mais o meu nome com uma estranha letra no meio.
Minha mãe dizia que eu tinha ganhado aquela caneca de porcelana, com algumas rosas em volta do nome, do meu tio, irmão do meu pai, no dia do meu nascimento.
- Mas, por que o meu nome tem Maria nessa caneca e está escrito com um H no meio do nome?
Sempre pegava minha mãe de surpresa com minhas perguntas. Ela ficava tão impressionada que respondia sem pensar.
- Ah! O seu tio queria que seu nome fosse registrado dessa forma.
Lembro bem do meu tio. Ele era muito agitado e tinha os cabelos pretos, lisos e cheios. Gostava de colocar brilhantina, porque era a moda na época.
Lembro que minha mãe gostava de bagunçar o cabelo dele, logo que ele acabava de arrumar.
Ele não parava quieto e parecia estar sempre com muita pressa.
Mas não ficou muito tempo conosco. Casou-se e foi morar em um bairro próximo de casa. Era um dos tantos irmãos mais novos do meu pai.
Minha mãe falava muito mal da mulher com quem ele se casou. Dizia que “aquela negrinha feia e velha” fez alguma macumba para segurar ele e leva-lo embora.
A lembrança que tenho dessa mulher é que era uma morena, de cabelos nos ombros e, não parecia ser tão velha assim, muito menos feia.
Essa caneca era meu objeto de estimação. Sempre usava ela para tomar o café com leite pela manhã e no lanche à tarde.
No dia que indaguei sobre o nome que estava gravado, estava tomando o meu último café com leite naquela caneca. Foi pela manhã, antes de ir à escola.
Quando cheguei da escola e procurei o objeto estimável para o lanche da tarde, não encontrava em lugar nenhum e pedi para minha mãe ajudar a procurar quando, surpreendentemente, ela disparou:
- Aquela caneca quebrou e eu joguei no lixo!
Lembro, como se fosse hoje. Fiquei paralisada. Depois comecei a chorar e andar de um lado para outro, sem acreditar. Fui para o quarto, ajoelhei na beira da cama. Chorei muito naquela noite. Consigo sentir a cachoeira de lágrimas escorrendo pelo rosto.
Era uma criança chorando com sentimento. Tinham muitas lágrimas com uma respiração sufocada pelo medo de ser castigada sob a acusação de estar fazendo pirraça.
Ninguém me deu a mínima atenção. Fiquei até o anoitecer, sozinha, chorando no quarto.
No dia seguinte, não houve satisfação de nada e parecia que nada tinha acontecido.
Carreguei essa tristeza no coração por um longo tempo. Tentei substituir essa caneca por várias outras, mas nenhuma podia decifrar o enigma outrora desenhado.
E muitas dúvidas martelaram em minha cabeça:
Por que dentre os filhos de minha mãe, somente eu havia ganhado uma caneca personalizada e tão bela do tio?
Foi essa pessoa que escolheu o meu nome?
Por que não me registraram da forma que ele imaginou que seria?
Por que só a minha certidão de nascimento foi averbada no cartório dois anos depois que eu nasci?
Minha mãe ficou preocupada ou zangada?
Ela quebrou, propositalmente, um objeto que eu estimava tanto?
Mas, o mistério da caneca quebrada e desaparecida, era só um dos quebra-cabeças de outros mistérios que me rondavam.
Certo dia, eis que eu estava sozinha com o meu pai, pegando um trem; depois um ônibus. Chegando em prédios desconhecidos; encontrando pessoas estranhas para mim.
Mas, meu pai conhecia tudo e todos muito bem.
Eu estava muito tensa naqueles ambientes desconhecidos.
Meu pai estranhou quando percebeu que, sempre que uma pessoa aproximava de mim, eu me escondia atrás dele e segurava sua mão com força, como se estivesse sentindo que alguém iria me carregar para longe.
Nunca havia me comportado dessa forma. Eu mesma não compreendia o porquê desse meu comportamento.

Até que ele foi a um apartamento muito luxuoso. Ali fui apresentada a uma menina linda, ruiva.
Ela era muito simpática e me convidou para brincar em seu quarto.

Finalmente, senti que estava em um ambiente amigável e consegui brincar com essa menina sem sentir medo.
Ficamos muito tempo lá, brincando.

Depois ela me pegou pela mão e me levou para fazer um lanche na cozinha.
A menina era muito parecida com sua mãe, que era uma mulher esbelta e muito elegante.
- Tudo bem com vocês? Vamos fazer um lanche agora?
A menina olhava para mim com os olhos brilhantes, pegou minhas mãos e disse:
- Olha para essas unhas, precisamos apará-las.
Perguntou para sua mãe se podia cortar minhas unhas e lixar. Logo surgiu a tesourinha e a lixa. Eu gostei de todo tratamento e já estava começando a acostumar com o luxo.
Mas, de repente, meu pai me puxou pela mão e despediu-se de todos.
- Vamos filha, já demos muito trabalho.
Lembro bem de todo o percurso até chegar em casa. Meu pai conversava tudo comigo, como se eu fosse a conselheira dele. Isso me fazia sentir importante. Lembro de acariciar suas mãos como se estivesse grata por aqueles momentos.
Logo que chegamos, minha irmã foi até a janela gritando:
- Pai! O tio veio aqui e estava barbudo e esquisito, falando coisas estranhas.
Eu ouvi claramente que o tio que meu deu a caneca, chamava por mim e dizia que queria me levar. Pela narração, ele estava transtornado e muito zangado.

Minha mãe, logo surgiu na cena, pedindo para ela se calar. Então trancou-se no quarto com o meu pai e nunca mais foi permitido falar sobre o ocorrido.
Quando eu perguntava, minha mãe fazia gestos de que estava muito nervosa e mudavam de assunto imediatamente.