Exílio
Permaneço acorrentado aos conflitos.
Internos e externos.
Busco refúgio no lar. Que não tem endereço e nem local físico.
Minha única mansão é a minha memória.
Meu exílio.
Local que guarda meu vasto passado de defeitos e imperfeições.
Lugar que me abraça nos momentos de caos.
Busco nas caixas da minha consciência o momento que comecei a caminhar de forma transversa.
Em meio a essa procura, paradoxalmente, tento esquecer o passado.
Cada passagem de filme, uma angústia.
E um motivo para esquecer.
Quero deletar.
Mas reflito.
E vejo que apagar o passado não deixa de ser uma forma de suicídio.
Sou o que sou em razão de tudo que fiz e causei.
Preciso me reconstruir lutando contra o caos que criei.
Atravessar o inferno.
Que não é um lugar. Mas uma condição do ser.
Um estado da alma.
Que, no fim, pertence a cada um de nós escolher sair ou se manter.
E, nessa cruzada, carrego a dor. E o gosto salgado que o mar de mim deixa no rosto.
Mas, no fundo, cada lágrima lava alguma coisa.
É isso.
Em meio à travessia da memória, medito.
Me impressionando de como consegui passar a vida inteira viajando.
Vivendo no piloto automático.
Assumindo compromissos que tratei como folhas em branco.
As quais eu apenas manchava com a minha assinatura.
Sem ler o teor e a consequência.
Apenas viajando. Sem parar. Sempre procurando a ascensão profissional.
Sem olhar para os outros. Apenas mirando você.
Até que a roda parou.
E os destinos das viagens deixaram de ser os mesmos.
A pandemia redefiniu itinerários.
E o destino mais buscado foi o meu próprio eu.
Olhar para dentro e buscar se encontrar.
Tentar parar, pelo menos um momento, de escrever o texto da vida.
Colocar um “ponto”, ou talvez uma vírgula.
Redefinir.
Perceber que consegui cruzar tantos desertos.
E observar que, mesmo assim, não consegui tirar o Egito de dentro de mim.
Ter tudo. Mas ver que o tudo não me completa.
Sucesso, dinheiro, amigos e família.
De que adianta?
Permaneço acorrentado.
Sigo com o vazio semeado.
Abro as caixas da minha mansão e procuro algo para me preencher.
Mas não encontro. Porque o que mais me falta é a alegria dos outros.
Meu maior sonho? A liberdade.
E a coragem para conseguir quebrar as minhas correntes.
Deixar as máscaras de lado.
Estar nos lugares por inteiro.
No final das contas, amar é arriscar mais do que se consegue suportar.
Esse é o conteúdo da caixa que não encontro.
Sento no meu exílio e fecho os olhos.
Apenas espero.
Quero voltar a ouvir o vento passar.
E conseguir sentir que, só de ouvir ele passar, a vida valeu a pena.