Discurso de Ivan Amaral Chigamanhane Mazanga (BPR)

Neste discurso, o orador começa por um ato de cortesia institucional, cumprimentando os seus colegas parlamentares, tratando-lhes cortesmente através do uso de expressões qualificativas honoríficas, como “Senhora presidente”, “Excelência”, “Excelsos” (Cf. 22).

22. Senhora Presidente da Assembleia da República, excelência

Excelsos Deputados, Meus pares

(AR, 2019:87)

Depois apresenta uma pequena narrativa, que cruza situações político-sociais (“dívidas inconstitucionais, ilegais e odiosas”) e militares (“massacres hediondos em Cabo Delgado”) com catástrofes naturais (“Ciclone IDAI que fustigou a zona Centro do país”) que assolam o país (Cf. 23a). Esta narrativa é um argumento fundamentalmente patético (orientado para o pathos). Contudo, no plano argumentativo, a coda desta sequência afigura-se como um argumento ético (Cf. 23b). Por um lado, esta narrativa tem como desígnio gerar, nos paradestinatários, um sentimento de decepção e indignação pelo governo; e por outro, intenta gerar um sentimento de respeito e admiração pelo orador, já que se apresenta sensato e solidário. A construção de ethos de sensatez e solidariedade é reforçada na passagem subsequente (Cf.23c), na qual o orador declara a intenção de “condenar com veemência” alguns actos “criminosos”, eticamente deselegantes” e “ moralmente deploráveis”, revestindo-se, com estas declarações, de uma imagem de “defensor público” da moral e justiça.

23. (a) O país está a atravessar mais um momento doloroso dos seus últimos tempos, as dívidas ilegais, inconstitucionais e odiosas. Acoplados aos massacres hediondos em Cabo Delgado, juntou-se o ciclone IDAI que fustigou a zona Centro do País, (…) deixando um rasto de concidadãos desaparecidos e uma destruição atroz, que com muito sacrifício os nossos patriotas construíram.

(b) Às famílias enlutadas vão os nossos maiores sentimentos de pesar, aos que tudo, ou quase tudo, perderam vai a nossa solidariedade.

(AR, 2019:87)

(c) Queremos condenar com veemência os actos de desvio de ajudas canalizadas para as vítimas […]. Isso é criminoso, eticamente deselegante, moralmente deplorável e nos retira o pouco de honra que sobrou depois das dívidas inconstitucionais, ilegais e odiosas.

(AR, 2019:87)

Par além da criação de tensão e desconfiança entre os paradestinatários e os contradestinatários, e da garantia de uma relação de simpatia e confiança entre o orador e os paradestintários, observam-se também certos actos de intensificação da simpatia dos prodestinatários. Pois, o orador declara o apoio aos ideais do líder do seu partido e apela aos outros a aderirem também a esses ideais (Cf. 24).

24. Juntemo-nos ao reiterado apelo feito pelo presidente […] Ossufo Momade, aquém saudamos efusivamente e encorajamos os seus esforços em busca da paz efectiva e definitiva.

(AR, 2019:87)

Esta digressão permite perceber que, nestas discussões, o informe não é o único alvo dos parlamentares (o informe é refutado fundamentalmente para afectar negativamente o seu proponente e a sua formação política, pois ele é usado como ponto de partida para a apresentação de acusações e denúncias dos actos negativos dos adversários políticos bem assim para conquistar simpatizantes para o orador e para o seu partido.

Importa-nos também analisar o comentário meta-discursivo diafónico, que o orador usa neste discurso. De facto, retomando uma das passagens do discurso da Procuradora-Geral da República, o orador faz uma observação que incide na forma como aquela se posiciona enunciativamente (Cf. 25a) e propõe alguma correção enunciativa e conceptual (Cf. 25c).

25. (a) Dizeis que o estado moçambicano está a ser internacionalmente processado no âmbito das dívidas, inconstitucionais e ilegais. Devido a seriedade e gravidade do assunto, consideramos que a Digníssima deviria se ter dignado a fazer uma adenda a este informe, explicando aos moçambicanos em pormenores esta situação.

(b) [...] Porque é ultrajante para todos os moçambicanos saber que estamos a ser processado como estado pela incúria de um punhado de gente.

(c) Refere no seu informe que não faz distinção entre a grande a pequena corrupção, mas devia fazer. Porquanto grande corrupção é mais propensa a destruição do tecido social […].

(AR, 2019:88)

Este comentário meta-discursivo diafónico parece ser interpelação à procuradora, mas é, no fundo, um acto de controlo das emoções dos paradestinatários (os cidadãos), pois o orador procura ressaltar que se trata de uma forma de injustiça ao povo, o que se notabiliza na selecção de expressões atributivas e predicativas negativas, e.g. “ [dívidas] inconstitucionais e ilegais”; “é ultrajante para todos” (Cf. 25b). Veja-se também que a passagem aqui transcrita como (25b) comporta uma forma de impolidez ou descortesia, intensionalmente instituída para mostrar certa indignação e transmiti-la aos paradestinatários.

A semelhança dos seus homólogos deputados da oposição, este orador também apresenta alguns actos de acusação de inoperância, procrastinação da justiça e cumplicidade contra a PGR (Cf. 26a). Porquanto, Tenta mostrar uma possível contradição no pronunciamento da procuradora-Geral, no qual esta refere que não tem competência para intervir em actos de corrupção ocorridos no estrangeiro, tendo, no entanto, dificultado a extradição do deputado do seu partido, Manuel Chang, acusado externamente de corrupção.

26. (a) Ou ficaria realizada Digníssima Procuradora se os prevaricadores ficassem impunes? Porque o processo foi arquivado, porque aguarda a produção de melhor prova?

(b) […] Pode haver incompetência da nossa parte na tramitação processual para esses Estados.

(AR, 2019:89)

(d) […] assistimos erros crassos que os nossos órgãos de administração da justiça cometeram e recorrentemente corrigidos pelas autoridades sul-africanas.

(AR, 2019:89)

Os enunciados transcritos como (26a) veiculam uma acusação codificada em perguntas retóricas, por que se tal acusação fosse apresentada em frases assertivas, o orador revestiria uma imagem grosseira e anti-diplomática, havendo (em casos extremos) o risco de ser sancionado por ofender a dignidade da Procuradora-Geral da República, em quanto colega parlamentar. Já em (26b), a grosseria na acusação é diluída pelo verbo epistémico “poder” que, neste contexto, insere um valor dubitativo, acto que se configura como uma marca de cortesia – o facto de se tratar de um posicionamento radical e sensível (que favorece os Estados alheios em detrimento do seu próprio Estado) determinou o uso da cortesia estratégica neste enunciado. Por seu turno, o enunciado apresentado como (26c) é uma evidência empírica para sustentar a acusação de incompetência dirigida aos órgãos de justiça moçambicanos. Por esta acusação não incidir directamente sobre a figura da PGR e por ser um facto passível de provar, é apresentado numa asserção directa.

No final do seu discurso, o orador faz uma acusação séria, que dá conta de que o partido no poder construiu uma escola com um dinheiro de corrupção, aventando também a possibilidade de essa mesma escola servir de lugar de aprendizagem e organização de práticas criminosas (Cf. 27).

27. (a) […] é que eles tem uma escola na Matola construída com o dinheiro da corrupção e pode ser lá onde esta corrupção é ensinada, ou a associação para delinquir é engendrada.

(b) Digníssima […] se o problema for o endereço dessa escola, eu ajudo a obter.

(AR, 2019:90)

O deíctico pessoal “eles”, presente no enunciado (27) acima, exclui a Procuradora-Geral do grupo anteriormente referido como “os corruptos envolvidos nessa dívida” (apesar de isto se referir ao seu partido), favorecendo assim a construção irónica do enunciado subsequente, aqui transcrito como (27b). Na verdade, este enunciado está carregado de uma ironia eufémica tendenciosa, por quanto o enunciador quer dar a entender que a Procuradora detém conhecimento suficiente de todo o esquema de corrupção ai referido, mas (por alguma razão) não quer intervir. Na verdade, ao reconfigurar a Procuradora-Geral da República como quem não conhece o endereço da escola do Partido no poder, o orador empreita um jogo de polifonia, em que que o sujeito empírico (tem uma mensagem oculta), mas institui um enunciador fictício a dizer o seu contrário, deixando a situação (conhecimento partilhado) como a única pista para a descodificação da mensagem real.

Mutxipisi
Enviado por Mutxipisi em 16/07/2021
Código do texto: T7300583
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