E VOCÊ, O QUE PENSA SOBRE ISSO?

Desmonte, remonte e se encontre!

Breve comentário sobre a arte de pensar.

*Por Antônio F. Bispo

Quase uma década atrás quando finalizava meu curso de teologia, conheci um jovem muito “louco das ideias” tão quanto eu.

Ele viera de outra cidade e havia estudado em outra instituição. Assim como eu, ele gostava de filosofia, sociologia, história e outros campos das ciências humanas. Já tinha lido a bíblia várias vezes, bem como o básico de todos os pensadores cristãos e filósofos importantes mesmo antes de ter feito o curso. No campo das pesquisas, sempre íamos além da bíblia e de qualquer outro cercadinho imposto pelos “sábios da igreja”. Estudar para ele (assim como para mim) não era uma tortura e sim um prazer.

Quando conversávamos, não queríamos competir ou medir força um com o outro.

Falávamos sobre absolutamente tudo, principalmente sobre assuntos polêmicos ou proibidos pela igreja, do tipo que todos dizem: “se a bíblia se cala você deve se calar também!”

Assuntos que além de serem tabus, eram as principais causas de rupturas, revoltas e assassinatos dentro da igreja desde a sua fundação. Motivos também pelos quais os principais charlatões manipulam as massas e fazem fortuna explorando o inexplorado, deturpando-o ao seu bel prazer, usando puramente a má fé para tirar proveito da ignorância e do medo alheio.

Assuntos capaz de tirar qualquer crente do estado de torpor, trazendo-os de volta à realidade do mundo “com ou sem deus”. Gostávamos de beber de tais fontes como se fosse um tipo de antídoto precoce contra gente louca com ares escravocratas. Desse modo lapidávamos um ao outro como fazem diariamente os praticantes de artes marciais.

Não queríamos nos tornar bons para fins exibicionistas, de vangloria ou para humilhar quem quer que fosse. Queríamos apenas liberdade de ação, expressão e pensamento. Desejávamos parar de agir feito ovelhas, deixarmos de ser tratados como gente sem cérebro, obrigados a ser e fazer tudo o que os outros fazem ou dizem por mera conveniência.

O medo de pensar por si próprio é algo tão comum que nem nos damos conta e quem o faz, logo se tornará objeto de escárnio ou de bajulação pelos ainda são medíocres em seu estado de ver o mundo.

Nenhuma estrutura de igreja se baseia nesse princípio (do pensar, refletir, ponderar...). O oposto disso é o que predomina e sem este (a fé cega e a proibição do pensamento) nenhuma religião prevaleceria.

Não custou muito para que nos rotulassem de hereges e o “olho que tudo vê” dentro das igrejas (crentes fofoqueiros) nos delatasse aos “guardiões da sã doutrina”.

Lançávamos ao ar (só entre nós) tudo aquilo que o “povo de deus” dizia ser sagrado, descontruíamos tal ideia para depois reconstruí-la, levando-se em conta quem, o por quê, ou onde essa “verdade” fora dita, comparando com os recursos tecnológicos e científicos que dispomos hoje e o que seria feito em tal situação. Os ditos milagres costumam sempre desaparecer sob essa visão e todo e qualquer assunto pode ser revisto sob uma ótica mais racional.

Nesses encontros, aos poucos fomos selecionando que deveria (poderia) ouvir nossas conversas, não por que temíamos retaliações, mas pelo fato de notar que baseados apenas em seus achismos e na cega fé, um crente comum só fazia desferir palavras de ódio e nos jogar maldições por desmitificarmos certos ritos e tirar deus e o diabo das “cagadas” que os homens fazem, pondo-os em seus devidos lugares. Eles diziam que de nossas bocas só saiam “asneiras” e “blasfêmias contra o espirito santo”.

Quem dera fosse...

O fato é que é inútil medir esforço com gente assim. Não há espaço para diálogo ou conversa racional. Há apenas gritos, ameaças, xingamentos e intimidações usando a bíblia ou frases de efeito como pano de fundo. Algumas destas ditas por celebridades chulas do mundo gospel.

Não há modo gentil de dizer para uma pessoa cega pela fé que ela está cega. Também não há modo pacífico de você (você mesmo) dizer que antes era um iludido e quer deixar (ou deixou) de ser. Uma vez iludido, iludido sempre serás! Esse é o lema oculto de todo religioso comum.

Eles não aceitam deixar as próprias paranoias e ainda por cima querem te proibir que você deixe as suas. Não querem que você recobre sua sanidade e viva sua própria vida longe do balir do rebanho.

Ninguém convence um crente a pensar de outro modo a menos que ele mesmo queira buscar a razão longe do dualismo e antagonismo em que vive. É perca de tempo insistir.

Nesse interim, não precisávamos expulsar ninguém de nossa roda de conversas. Era só não “bater palma pra maluco”. Passamos a deixar que eles divagassem em suas próprias fantasias, fazendo de conta que concordávamos com eles meneando a cabeça como sinal de aprovação ou dizendo “um-hum”.

O tolo saía triunfante, achando que tinha ganhado todas, doido pra chegar no outro dia e contar vantagem na igreja. Contar como deus o usara para fazer calar “hereges e pecadores”. Era de dar pena...

Entre tantos paranoicos que dispensamos, permitimos que um deles permanecesse conosco ouvindo o que falávamos e de vez em quando fazendo perguntas que demonstrava um real interesse numa evolução própria. Os olhos deste rapaz parecia saltar das órbitas. Ele parecia ser transportado para outra dimensão quando nos via (ouvia) falar. Ficava maravilhado pois nunca em toda sua vida e em nenhum lugar tivera a chance de ser inserido numa conversa daquele tipo. Tinha apenas a quarta série do ensino fundamental mas gostava de ler e se permitia ouvir coisas além de sua compreensão.

A coisa começou a mudar quando este (o jovem leigo), após participar de nossa roda de conversa, saía todo saltitante e alegre como um mensageiro de luz, tentando reproduzir (de boa-fé) tudo o que falávamos.

Lógico que ele não tinha estrutura para isso. Sua pouca escolaridade, seu pouco tempo de crente, sua estrutura familiar decadente e sua vida anteriormente pregressa o descreditava para tal ofício. Não pedíamos e nem precisávamos que ele se tornasse nosso porta-voz, mas como toda pessoa bem intencionada quando sai do atoleiro, deseja que outros saiam também.

Nessas tentativas ele levava uma “surra de bíblia” (na verdade uma surra de doutrinação) e voltava com os rabinhos entre as pernas, tonto, perdido, sem saber em quem acreditar.

Tentava outra vez beber de nossa fonte, ficava renovado e ao tentar de novo, apanhava outra vez e voltava ainda mais deprimido.

Chegou o ponto em que tivemos de cortá-lo, impedindo que ele não mais interagisse conosco de forma nenhuma, pois depois de tanto apanhar, ele estava gerando aquele sentimento de espectador de luta livre, que depois de perder uma boa grana apostando sempre no perdedor, agora só queria ver “sangue no ringue” não importando de quem fosse...

Parecia que ele queria nos ver debatendo ou saindo no tapa com as lideranças das igrejas para provarmos o quanto éramos bons ou para sermos humilhados por eles.

Dissemos: “Ouça fulano: estamos aqui desse lado, livres e desimpedido, tentando encontrar por meio da lógica, da razão e de ciência o entendimento sobre o mundo, a mente humana e as religiões. Do outro lado estão os pastores e os santarrões hipócritas que arrotam santidade e dizem estar e viver a verdade, fazendo justamente o oposto do que pregam. Estamos bem resolvidos e decididos do que queremos e eles também, porém você é o único aqui indeciso que está se colocando sem necessidade sob fogo cruzado. Você é o único sem rumo e sem um norte, esperando apenas um dos lados vencer para se aliar. Você está perdendo o seu tempo e poderá criar inimizade de ambos os lados. Você espera que pensemos por você e te demos a receita pronta para a vida, mas não existe receita pronta. Ela acontece de acordo com a nossa ação ou nossa inercia. Ao invés de seguir apenas o que outros pensam ou dizem, me diga você mesmo, o que você pensa sobre isso tudo?”

Essa última pergunta foi como se um raio lhe atravessando todo o seu corpo. Ele se deu conta que ele não pensava, era apenas um reprodutor de pensamentos, ações e ideologias alheias. Percebeu que era capaz de mudar de lado a qualquer instante para o time que estivesse “vencendo” um debate. Achava isso normal. Sempre fizera isso e nunca se dera conta que era só um espectador, sem controle da própria vida ou destino.

Ele nunca mais nos procurou após esse diálogo.

Achei que ele fosse o único assim de “cabeça oca” e que sua pouca escolaridade, sua “família louca” e seu passado devasso fosse o motivo de sua cuca não funcionar bem. Porém pouco tempo depois conhecemos um outro jovem “santo desde o nascimento”, muito estudioso, já cursando uma segunda graduação superior, muito dedicado aos livros e aparentemente muito inteligente.

Digo aparentemente por que depois de algumas conversas percebemos que este (apesar de boa escolaridade), era apenas mais um incapaz de pensar por conta própria. Alguém profundamente desejoso de impressionar seus pais, seus líderes religiosos e seus professores reproduzindo frases de efeitos e procurando ser politicamente correto de acordo com a moda do momento.

Em nossas conversas com ele, em qualquer enunciado tínhamos de citar o autor da frase ou pensamento que abordávamos, para que desse modo ele pudesse convalidar a “verdade” de tal citação. Era um baita pé no saco repetindo sempre a mesma frase: “quem disse isso?”

Se Sócrates, Euclides, Einstein, Moisés, Jesus ou qualquer grande personagem bíblico, pensador ou cientista do passado ou do presente não tivesse dito tal frase, de nada serviria para ele. Ele a desprezava ou levava para os seus professores de faculdade avaliar.

Depois de avaliado ele vinha nos dá o veredicto (como se precisássemos disso): se o professor concordasse com o que havíamos proferido ele dizia ser verdade, se não, ele dizia que estávamos delirando (para não nos chamar de mentirosos).

Ele não estava disposto a pôr em prática as verdades que acreditava ou que outros pensadores afirmava ser. Era apenas um inquiridor besta, pronto para dar o seu “selo besta de garantia” a tudo o que as pessoas diziam, não segundo ele mesmo, mas segundo uma citação famosa ou frase de para-choque de caminhão bem conhecida.

Pobre de bolso e de alma, mas se portava como um imperador do passado em seus dias de glória. Um verdadeiro mau exemplo da aplicação do saber acadêmico. Sentia o maior prazer em exibir seu certificado universitário quando sentia perder a razão em um debate. Sempre dizia: se eu não fosse bom o bastante, jamais teria meu TCC aprovado nem estaria onde hoje estou....

Não era um ser didático (capaz de pegar na mão de um leigo e ensinar-lhe os primeiros passos em algo).

Era apenas um sujeito chato, insuportável que esperava alguém falar “algo errado” para vangloriar-se corrigindo. Lembrando que em seu modo de ver o mundo, certo ou errado sempre dependia de algum tipo de citação conhecida, como se pudesse conter em si mesmo todas as biografias do mundo e de todas as épocas. Entre os lacradores de plantão, esse espécime é do pior tipo. Nada faz, nada produz mas está o tempo todo segurando um tacape para marretar a cabeça de quem não faz o seu tipo.

Em uma dessas conversas ele tentou nos intimidar enquanto comentávamos sobre determinado assunto. Prontamente usou seu velho jargão: “quem disse isso?”

Dissemos-lhe então: “olhe fulano, quem disse ou deixou de dizer não nos é importante nessa ocasião. Gostaríamos de saber, o que você pensa acerca desse assunto?”.

Bummm!

Foi como se ele tivesse levado uma pancada na cabeça. Ele ficou desnorteado, confuso, sem saber o que dizer, como se tivesse na “cachola” um cérebro novinho que nunca fora usado antes. Como se esse mesmo (cérebro) tivesse dado a partida pela primeira vez na vida e agora estava tentando fazê-lo pegar no tranco devido a atrofia de tantos anos. Como se ele nem soubesse que fosse capaz (ou tivesse a liberdade) de pensar por si mesmo.

Ele gaguejou, passou a mão na cabeça, depois no queixo, coçou o nariz, remexeu os olhos para a direita e para esquerda, depois fixou no infinito em tom muito nervoso disse: “eu não sei o que dizer sobre isso!”

E nunca mais nos perturbou em ocasião nenhuma.

Soube também que desde esse dia ele está sendo cada vez menos chato e arrogante e cada vez menos se intromete em assuntos alheios.

Perguntam o que demos a ele para que ele mudasse tanto assim. Então recitamos as palavras mágica que repele chatos desse tipo: “o que você pensa sobre isso?”; “o que você faria se estivesse no lugar de tal pessoa?”; “para quem, por quê e em qual situação essa frase foi dirigida?” ...

Frases desse tipo evita desgastes desnecessários. Se mesmo assim o que dialoga contigo quiser usar do artefato Ad Hominem (fazendo ataques pessoais quando deveria atacas as ideias), o meu conselho é que não vale à pena se rebaixar a tanto. Deixe-o sentir-se vencedor e logo a própria realidade em que vive o mostrará o contrário.

CONTINUAREMOS EM UM TEXTO. ATÉ BREVE

Texto escrito em 18/7/21

*Antônio F. Bispo é graduando em jornalismo, Bacharel em Teologia, estudante de religiões e filosofia.

*contatos, sugestões, elogios ou outras solicitações podem ser feitas pelo e-mail: revejaseusconceitos@outlook.com

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 18/07/2021
Reeditado em 18/07/2021
Código do texto: T7302006
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