ALBERTA HUNTER: ENFERMEIRA DO CORPO E DA ALMA

Ouvir Alberta Hunter é excluir-se totalmente da vida cotidiana, de seu bem e de seu mal, e ingressar num mundo de ritmos tão tremendamente embaladores, tão capazes de buscar a alegria primeira da alma e faze-la manifestar-se , que todo princípio de tristeza instalado, mui acanhadamente diz adeus e vai-se embora. Alberta Hunter não canta somente, senão jamais seria assim: Alberta imprime ao canto toda a sua alma de artista, a partir de uma voz poderosíssima para uma senhora de mais de 80 anos. Trata-se , certamente, de um ser humano voltado para a alegria. Mas ela não deixa de ser doce – e muito – ,mas de uma doçura que se percebe acompanhada de inteligência, até de uma certa argúcia, nunca ingênua ou sentimentalóide. Ouvi-la é sentir vontade de sair dançando; mais do que sair dançando é sair meio como que possuído pelo seu espírito, pela essência mesma da sua felicidade, assim como no candomblé os iniciados dançam possuídos pela música e pelos seus Orixás. De outro modo, particularmente, não percebo nenhum teor de sensualidade na emissão de Alberta, nenhuma dramaticidade romanesca, nenhuma evidência de mulher que canta apaixonadamente não só porque sabe interpretar, mas porque vive mesmo a paixão, como o faz Johnny Mathis ou, aqui nos nossos meios, o rei Roberto Carlos. Outrossim, quando o seu canto busca o pungente, ela então é lírica, e dá a nota dramática não para que você chore, mas para que sonhe. Poetisa da voz, mestra da felicidade, poderá ser terapeuta eficiente a hipocondríacos de plantão, a pessimistas convictos até porque, quando ainda na matéria, Alberta foi enfermeira e sabia ministrar curativos e embalar gente enferma, que tinha o privilégio de estar com essa iluminada diva do jazz.