Amor (Clarice Lispector)

‘Amor’, conto de Clarice Lispector inserido na obra Laços de Família, publicada em 1960. Um narrador onisciente, conhecedor das emoções, sentimentos, pensamentos de Ana, a protagonista, uma mãe, esposa e dona de casa cuja rotina é tomar conta da família e dar conta das tarefas domésticas.

Ana, uma pessoa comum, diante de uma situação do seu dia, sofre uma epifania que a faz ‘sair’ de sua rotina, que mantém sua mente ocupada boa parte de seu tempo, causando-lhe uma reflexão acerca de si mesma e do mundo do qual faz parte.

Numa tarde, em que está no bonde, voltando da feira, vê um cego mascando chiclete. Essa visão lhe tira o chão. Estilhaça sua zona de conforto que é seu casamento. Desconcerta-a. Faz perder o seu ponto de descida. Perde o eixo. Cambaleia na corda bamba de uma vida que não é a que vive. Esse cego num mascar constante e repetitivo é como uma metáfora da vida que Ana vive.

Desconcertada, Ana salta num ponto seguinte ao seu. Cambaleia pelas ruas e chega ao Jardim Botânico do Rio. Senta-se num banco e vislumbra uma vida que foge das convenções e do comodismo em que vive. Sua rotina lhe parece vazia e sem sentido. Sem vida.

Num Universo em que, para cada decisão tomada, faz surgir um outro, há uma Ana que não vivia de olhos fechados, no conforto de uma família conforme os padrões, com uma rotina que a abraça, dando-lhe paz e segurança. Esse Universo, por um instante liberta essa outra Ana que vem visitar sua outra versão e deixá-la vislumbrar por alguns instantes o que o contrário de sua decisão criou.

Essa outra versão também torna consciente o que Ana se tornou: uma esposa e mãe que cumpre seu dever com perfeição. O Amor que Ana sente pelos seus faz com que ela se levante do banco e volte para sua família, para seus afazeres. Sua rotina é preferível à exploração de um mundo desconhecido. Seu amor pela família é a mola que move seus dias e a mantém dentro das paredes de sua casa.

Quantas Anas há por aí?